22 Abril 2015
"Independentemente do tipo de isenção que se dê a instituições religiosas, os bispos ainda precisam repensar as suas atitudes com os funcionários gays. É totalmente inconsistente punir os gays por violarem os ensinamentos da Igreja quanto ao sexo se a Igreja não pune os empregados heterossexuais pelos pecados que estes cometem", escreve Thomas Reese, jornalista e jesuíta, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 17-04-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Eis o artigo.
Os bispos católicos americanos poderiam tirar uma lição dos líderes mórmons sobre como lidar com a liberdade religiosa e os direitos das pessoas gays.
Os mórmons eram fortes aliados dos bispos católicos na luta contra o casamento homoafetivo e na proteção da liberdade de consciência religiosa. Mas quando viram que estavam do lado perdedor desta batalha, eles se mostraram dispostos ao compromisso de proteger o que consideravam essencial.
Assim como a Igreja Católica, a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias respeita a tradição e não altera os seus ensinamentos facilmente. Porém, os mórmons têm, de fato, um lado pragmático. Com todo o país alinhado contra eles em 1896, os seus membros abriram mão da poligamia como parte de um acordo para serem reconhecidos no estado de Utah. Quando veem que estão perdendo, eles se dispõem a fazer concessões.
Além disso, os mórmons, assim como os católicos, se opunham, em princípio, à discriminação, então eles queriam encontrar um meio de fazer a coisa certa enquanto, ao mesmo tempo, protegiam as suas instituições. Eles não queriam ser identificados, na memória pública, como simplesmente contrários aos gays.
Os líderes mórmons começaram a repensar a estratégia política deles (mas não a sua teologia) depois que a chamada Proposição 8, do estado da Califórnia, primeiramente bem-sucedida no sentido de proibir o casamento gay nesse estado em 2008 foi, em seguida, anulada por um tribunal federal em 2010. Os mórmons haviam sido parceiros dos bispos católicos, gastando milhões de dólares numa batalha amarga na legislação em questão, mas acabaram perdendo. Eles, assim como os bispos católicos, foram ridicularizados, em todo o país, por causa da oposição feita ao casamento homoafetivo.
Em 2013, a questão chegou no quintal deles, quando um tribunal federal derrubou a lei do estado de Utah que proibia o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Os líderes mórmons concluíram que lutar numa batalha interminável contra os direitos dos gays não era bom para a sua igreja. É melhor se comprometer agora do que perder tudo no futuro.
Antes mesmo de que a legislação fosse derrubada em Utah, reuniões secretas começaram entre os líderes da igreja e a comunidade LGBT, segundo uma reportagem do Washington Post. Estas reuniões incluíram o senador de Utah Jim Dabakis, democrata e o único legislador assumidamente gay deste estado, e Michael Purdy, lobista mórmon.
A legislação, sancionada pelo governador republicano Gary Herbert, em março, acrescenta a orientação sexual à lista das classes tuteladas contra os quais os empregadores e arrendadores não podem discriminar. Utah nunca tinha tido uma lei que proibisse a discriminação contra os gays.
O projeto de lei, porém, isenta as escolas, hospitais e organizações religiosas. Ele também protege indivíduos que manifestam suas opiniões no trabalho, desde que elas não perturbem ninguém. Os líderes defensores dos direitos das pessoas gays estavam dispostos a aceitar estas isenções no intuito de terem proteção contra a discriminação nas áreas da moradia e do emprego.
Enquanto isso, a legislação para proteger a liberdade religiosa entrou em apuros nos estados de Indiana e Geórgia. Os projetos de lei nestes lugares eram mais abrangentes do que as Leis de Restauração da Liberdade Religiosa (“Religious Freedom Restoration Acts”) aprovadas em outros estados e foram vistas, pela comunidade LGBT, como o último recurso no sentido de proteção contra a discriminação. As propostas não só não teriam a oposição dos gays, mas também da comunidade empresarial.
A lição, segundo Jonathan Rauch, apoiador do casamento gay e pesquisador da Brookings Institution, é que “os dias da Leis de Restauração da Liberdade Religiosa unilaterais terminaram. A melhor forma de avançar na liberdade religiosa é trabalhar, em conjunto, com algumas formas dos direitos homoafetivos, com leis antidiscriminatórias e não separando-se ou opondo-se a elas”.
O país tem uma escolha de dois tipos (ou modelos) a fazer, segundo, Rauch: Há o modelo de Utah que pode produzir um resultado onde todos ganham, consensual e que pode deixar todo mundo se sentindo mais protegido e seguro para viver de acordo com as luzes de suas consciências.
E temos o modelo do estado de Indiana, que eleva o grau de contenciosidade e, a meu ver, magoa ambos os lados, mas especialmente magoa o lado religioso. Ele define a liberdade religiosa de forma que se pareça uma desculpa para a discriminação.
Os bispos católicos poderiam aprender com os mórmons, que viram para onde o país estava indo e encontraram uma maneira de viver com isso.
Rauch disse que achava ser tarde demais para se firmarem compromissos entre os líderes religiosos e a comunidade gay, mas Utah mostrou que ele estava errado. Ele dizia temer que as organizações em defesa da comunidade gay não estivessem dispostas a dialogar.
“O estado de Utah nos poupou, mostrando como este diálogo pode ser feito”, disse Rauch. “Se não tivesse ocorrido o que ocorreu aqui, e se tivéssemos visto mais um, dois ou três anos desta contenda legislativa, com o apoio dos católicos e evangélicos, eu creio que, hoje, seria tarde demais”.
Antes, em Utah, a comunidade gay via o movimento pelas novas leis de liberdade religiosa como um esforço que visava garantir um direito legal para se praticar a discriminação contra eles. Nesse caso, “os gays levantariam suas mãos e diriam: ‘Olhem, eles equiparam a liberdade religiosa com armas de fogo’”, disse Rauch.
Por outro lado, “ainda podemos colocar o lado que defende os direitos dos gays no outro lado da mesa de negociações para fazer algo que dê resultados frutíferos”, continuou.
Os mórmons mostraram que se a proteção da liberdade religiosa estiver aliada a um aumento da proteção da comunidade gay contra atos discriminatórios, então um acordo é possível. Será que os bispos católicos aprenderão com os mórmons?
A diocese católica de Salt Lake City não fez parte das negociações da nova legislação, mas, nos últimos dois anos, apoiou leis não discriminatórias no estado. Segundo Jean Hill, a lobista da diocese, esta apoiou a legislação na conclusão do processo quando estava sendo votada pela legislatura e indo para a sede do governo para ser sancionada.
“Do nosso ponto de vista, como uma diocese católica”, disse o bispo John Wester, de Salt Lake City, “pensamos que esta legislação honra os direitos tanto da comunidade LGBT quanto da comunidade religiosa. Ela nos permite ter as nossas crenças no espaço público e não ter a comunidade LGBT sendo discriminada em coisas básicas, como moradia e emprego. Achamos que estas coisas estão de acordo com o ensinamento social católico”.
Depois que a legislação foi sancionada, a diocese publicou uma nota dizendo que ela – a legislação – garante que “todas as pessoas em Utah têm acesso igualitário a, pelo menos, dois serviços essenciais (moradia e emprego) enquanto também protege a liberdade religiosa”.
“Os ensinamentos da nossa Igreja são claros – Deus ama a cada um de nós, independentemente – ou talvez por causa – das nossas falhas, dos nossos pecados e fracassos”, continua o texto. “Se acreditamos que somos, todos, criados e amados pelo nosso Deus, não podemos fazer outra coisa senão apoiar uma legislação que proteja indivíduos da discriminação quando elas buscam um lugar para morar ou um meio para se manter. A nova legislação estabelece um equilíbrio justo entre garantir estas necessidades básicas e proteger os direitos das pessoas de fé de exercerem as suas crenças”.
A lobista Jean Hill disse acreditar que Utah é um bom modelo para o resto do país. “Para nós, ele faz com que a nossa fé não discrimine as pessoas”, disse ela. “Ele não nos força a fazer nada que não poderíamos ou gostaríamos de fazer”.
Wester concordou que “o modelo de Utah, poderia agir como uma espécie de padrão pincelando princípios que precisam ser abordados”, mas observou que “cada estado tem o seu próprio conjunto de problemas que precisam ser resolvidos”.
“Para mim, o que foi significativo”, disse Wester, “foi que os membros da comunidade podem se juntar, obviamente representando diferentes circunscrições, e podem dialogar e tentar realizar algo juntos de forma respeitosa, cortês, que permita que todos se sintam ouvidos. Eu considero isso muito significativo. Não precisamos ficar constantemente falando uns sobre os outros”.
Hill também concorda que a chave para o sucesso no estado de Utah foi que ele “envolveu todos os grupos e que, realmente, tentou criar um bom equilíbrio”. As coisas não funcionam, disse ela, se as “pessoas ficam somente marcando suas posições e nem um lado se mostra disposto a, de fato, vir a uma mesa de negociações e se abrir de modo franco”.
O tempo está passando para os bispos. Eles precisam tomar a iniciativa de apoiar a legislação que proíbe a discriminação contra os gays enquanto, ao mesmo tempo, protege as preocupações envolvendo a liberdade religiosa. Eles precisam deixar de ser simplesmente negativos. Grande parte da fala deles é legalista quando ela deveria ser pastoral. Eles precisam falar como pastores. Precisam se sentar com os líderes da comunidade LGBT e tentar construir um acordo.
Além disso, os bispos precisam deixar claro que, embora um sacerdote não pode oficializar um casamento gay, não há nada moralmente errado com um florista, fotógrafo ou padeiro católico trabalhar num casamento gay. É um emprego, não uma bênção. Por outro lado, embora não haja desculpas para se isentar empresas não religiosas da discriminação, os defensores dos direitos dos gays deveriam estar dispostos a serem generosos em isentar as pessoas que, de alguma forma, seriam “estraga-prazeres” em suas festas de casamento.
Independentemente do tipo de isenção que se dê a instituições religiosas, os bispos ainda precisam repensar as suas atitudes com os funcionários gays. É totalmente inconsistente punir os gays por violarem os ensinamentos da Igreja quanto ao sexo se a Igreja não pune os empregados heterossexuais pelos pecados que estes cometem.
A Igreja emprega católicos e outros que se divorciaram e recasaram, e dá benefícios aos seus novos cônjuges. As suas instituições também não demitem empregados descasados que têm relações sexuais. Ninguém acha que estas ações por parte da Igreja implicam uma aprovação dos estilos de vida de tais funcionários. Tratar os funcionários gays da mesma forma como os funcionários heterossexuais não faria as pessoas pensarem que a Igreja mudou o seu ensinamento.
É chegada a hora de os bispos se levantarem e dizer: “Não há nada de cristão em discriminar as pessoas gays, demitindo-as de seus empregos, negando-lhes moradia. Então, trabalhemos para protegê-las e tenhamos, também, um pouco da proteção de que nós precisamos”. É chegada a hora de os bispos seguirem o exemplo dos mórmons.
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Bispos católicos deveriam aprender com os mórmons - Instituto Humanitas Unisinos - IHU