07 Abril 2015
O Papa Francisco tem dito repetidamente que ele espera que o seu papado seja breve, mas o cardeal Walter Kasper está trabalhando para garantir que o legado do pontífice perdure por muito tempo depois que esse papa sair de cena.
A reportagem é de David Gibson, publicada no sítio HuffingtonPost.com, 04-04-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Desde os primeiros dias do seu pontificado, há dois anos, Francisco destacou Kasper com grande louvor. Desde então, o cardeal alemão aposentado ficou frequentemente conhecido como "o teólogo do papa".
É um apelido em relação ao qual o clérigo dá de ombros com um sorriso, mas também é um rótulo do qual ele não tenta se livrar, especialmente à luz do mais recente livro de Kasper, publicado no mês passado – um curto trabalho que basicamente descreve Francisco como um teólogo de pleno direito, cuja abordagem pastoral está definindo o catolicismo em um novo curso.
O título do livro, da editora católica estadunidense Paulist Press, diz tudo: Pope Francis’ Revolution of Tenderness and Love [A revolução da ternura e do amor do Papa Francisco].
Mas o título também resume o duplo desafio para aqueles que, como Kasper, esperam que o papado de Francisco represente uma mudança duradoura.
Em primeiro lugar, as revoluções podem levar a uma reação, e Francisco (e Kasper, como aliado do papa) já enfrenta uma poderosa e crescente oposição dos tradicionalistas da Igreja em Roma e em todo o mundo.
Em segundo lugar, conceitos como "amor", "ternura" e "misericórdia" estão no cerne da reforma pastoral arrebatadora que Francisco está incentivando, embora possa ser difícil de traduzir em políticas que vão além de uma pessoa em particular, mesmo que essa pessoa seja o papa.
"Eu quis deixar claro, a fim de ajudar o Papa Francisco, torná-lo mais bem compreendido aos teólogos e a mais pessoas acadêmicas, e interpretar algumas das suas boas intuições – dizer que ele está plenamente na tradição católica, na tradição com seus antecessores e muito mais com Bento XVI do que parece", disse Kasper durante uma entrevista no seu apartamento repleto de livros, na rua em frente ao Vaticano.
"Porque há também uma forte ala conservadora aqui que não vê que há uma tradição (no papado de Francisco) que remonta não só ao Novo Testamento, mas também a Tomás de Aquino e a muitos outros."
Na Igreja Católica Romana, a tradição é uma poderosa corrente com a capacidade de levar adiante uma nova abordagem ou varrê-la de cena. O que geralmente se necessita para navegar com segurança nesse fluxo é um marco teológico resistente que passe a fazer parte da infraestrutura intelectual da Igreja.
Oferecer esse tipo de marco é especialmente importante para o sucesso de um papado como o de Francisco, que parece se caracterizar por um estilo "ad hoc" de ministério, focado em gestos e em mudanças de estilo, como viver de forma simples e promover a humildade, denunciando o clericalismo e o privilégio, e indo ao encontro das margens da sociedade, em vez de operar uma estrutura de comando e controle a partir de um reduto romano.
É uma reputação populista que o próprio Francisco cultiva, já que ele rejeita regularmente a teologia como um jogo de salão acadêmico que tem pouca relação com o que a Igreja deveria fazer. "A realidade é maior do que a ideia", como ele gosta de dizer.
Mas Kasper se esforça para mostrar que existe um método no ministério de Francisco, traçando cuidadosamente as variadas influências intelectuais e teológicas desse papa. "Se alguns transformam o papa em algum tipo de estrela de rock, assim também outros o consideram como um peso-pena teológico. O Papa Francisco não é nem uma coisa nem outra", escreve Kasper.
Então, o que é ele?
"Ele não fala como um teólogo, mas há uma 'teologia do povo' e da misericórdia, e de muitas outras coisas" por trás daquilo que Francisco diz e faz, afirma Kasper.
Aos 82 anos, Kasper está mais ocupado do que nunca. Ele teve uma longa carreira como bispo na Alemanha e depois em Roma, supervisionando o escritório vaticano da unidade dos cristãos. Como respeitado teólogo, ele muitas vezes disputou com Joseph Ratzinger, outro prelado alemão mais conservador que depois se tornou Bento XVI.
Quando Bento XVI se aposentou em 2013, ele abriu o caminho para a surpreendente eleição do cardeal argentino Jorge Bergoglio como Francisco – e para o ressurgimento de Kasper como o porta-bandeira de uma teologia católica mais progressista.
Há um ano, Francisco indicou Kasper para se dirigir a todo o Colégio dos Cardeais, preparando o palco para os debates em curso sobre a mudança das práticas pastorais para acomodar os católicos divorciados e recasados, por exemplo, ou para mais bem acolher as pessoas gays e os casais não casados que vivem juntos.
Esses debates estão cada vez mais controversos, com acusações de desonestidade e de manipulações de bastidores, de má-fé e de teologia defeituosa.
Kasper permanece no centro da tempestade. Antes da sua entrevista no apartamento, ele tinha passado horas em reuniões com o pontífice e com mais de outros 150 cardeais sobre a reforma da Cúria Romana, antes de voltar para casa para responder e-mails e telefonemas e, depois, sair para uma recepção na embaixada alemã.
Entre os seus compromissos, ele ainda encontra tempo para dar conferências e escrever antes da segunda rodada do Sínodo sobre a família, em que muitos observadores esperam um confronto entre as forças pró-reforma e as forças conservadoras, que poderia determinar o destino do "efeito Francisco".
O próprio Kasper disse que "a batalha está em andamento", e esse livro é claramente uma espécie de panfleto de campanha, um dos vários livros que apresentam interpretações concorrentes da história e da doutrina da Igreja sobre temas que estão sendo discutidos no Sínodo.
Na verdade, os fundamentos teológicos são uma coisa, mas as políticas da Igreja também são importantes para garantir o legado de um papa. Foi o que aconteceu no Concílio Vaticano II nos anos 1960, que conseguiu aprovar reformas que São João XXIII lançou, embora ele tenha morrido muito cedo para vê-las implementadas.
Kasper vê o Vaticano II como um modelo para o que ele espera que aconteça no segundo semestre e além. Em um esforço para reivindicar o centro, ele lança Francisco nem como direita nem com esquerda, nem conservador nem liberal, mas como um radical que volta para as raízes, ou "radix", em latim, da fé.
Ou seja, escreve Kasper, "não um retirada para ontem ou para anteontem; ao contrário, é o poder para uma forte emergência para o amanhã".
Essa formulação provavelmente não vai convencer aqueles que abraçam "um tipo de ideologia de que tudo é infalível", como ele afirma.
Então, disse, Francisco "deve fazer agora algumas mudanças que sejam visíveis. Com o Sínodo, a grande maioria das pessoas está esperando algumas mudanças nas práticas pastorais".
Ele vai fazê-las? "Ele é um homem forte, tem uma vontade forte. Eu acho que ele vai conseguir."
Isso pode ser tanto uma esperança quanto uma previsão. No livro, Kasper inclui um epílogo que se expande sobre as perspectivas para o papado de Francisco, e o cardeal é mais nuançado, até mesmo incerto sobre se a "tempestade de amor" do papa, como ele a define, realmente vai transformar a Igreja Católica.
Ou "será que o seu pontificado permanecerá apenas como um breve interlúdio na história da Igreja?"
Ninguém pode dizer com certeza, escreve Kasper. Isso depende não do papa, conclui, mas dos próprios católicos – da força da fé e da vontade deles de irem além das suas divisões e categorias atuais.
"O desafio desse pontificado é muito mais radical do que a maioria suspeita. É um desafio para os conservadores, que não querem mais se deixar surpreender por Deus e que resistem às reformas, assim como para os progressistas, que esperam soluções viáveis e concretas, aqui e agora."
"A revolução da ternura e do amor e a mística dos olhos abertos poderiam decepcionar ambos os grupos e, no fim, no entanto, receber o que lhe é devido."
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Os cérebros por trás do coração do Papa Francisco, segundo Walter Kasper - Instituto Humanitas Unisinos - IHU