Por: Cesar Sanson | 06 Abril 2015
A proposta aprovada funciona mais como uma estratégia populista diante da sociedade cansada da violência: muitos dos defensores desta PEC usam o sofrimento das pessoas sem oferecer argumentos sólidos. O comentário é de Maria do Rosário Nunes, ex-ministra dos Direitos Humanos em artigo na CartaCapital, 01-04-2015.
Eis o artigo.
Assim como não é moralmente aceitável que os pais abandonem seus filhos, fere princípios éticos de uma nação desistir de sua infância e juventude. Lamentavelmente, é essa a indicação da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, ao aprovar a admissibilidade da PEC 171/1993, que reduz a maioridade penal. A medida compromete direitos e garantias individuais previstos na Constituição de 1988, como cláusulas pétreas, e desconsidera que o atual Congresso não recebeu delegação dos constituintes para fazê-lo.
O artigo 60 diz expressamente que é proibido deliberar sobre Emenda Constitucional tendente a abolir direitos e garantias individuais. Ao reduzirmos a idade penal estaremos abolindo direitos do extrato de adolescentes entre 16 e 18 anos. E que direitos são esses? Exatamente aqueles previstos nos artigos 227 e 228 da Constituição, que reconhecem as crianças e os adolescentes como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento, inimputabilidade penal, e estabelece que as medidas de responsabilização por atos infracionais devem ser específicas, não integradas ao código penal.
A proposta aprovada funciona mais como uma estratégia populista diante da sociedade e de famílias cansadas da violência do que possui um potencial real de enfrentamento à mesma. Muitos dos defensores desta PEC usam a boa-fé e o sofrimento das pessoas sem oferecer argumentos sólidos.
A comoção nacional gerada por casos de violência extrema praticados por adolescentes tem sido, ao longo das duas últimas décadas, instrumentalizada sem que fosse levado em consideração que estes casos tratavam-se de exceções. Quanto a este aspecto, é importante destacar que dos atentados contra a vida no Brasil menos de 1% são cometidos por adolescentes, o que representa 0,013% dos 21 milhões de adolescentes brasileiros. Isso significa dizer que não são eles os principais responsáveis pela absurdo número de mortes violentas que ocorrem todos os anos em nosso País.
Buscar apoiar as famílias das vítimas da violência, garantir a efetividade da justiça e a redução das taxas de homicídio, exige analisar a complexidade dos temas de segurança pública com maior abordagem e escopo. Os que ferem a Constituição na cláusula de direitos e garantias individuais podem estar plantando resultados exatamente contrários, ampliando a incidência de violência e mortes, na medida em que conquistem seu intento de jogar dentro das cadeias brasileiras e tornarem ainda mais invisíveis os adolescentes em conflito com a lei.
Experiências internacionais demonstram que nos 54 países que reduziram a maioridade penal não se registrou redução da violência. Recentemente, diante do insucesso da medida, Espanha e Alemanha revogaram a redução da maioridade penal para menores de 18 anos.
Foi constituída uma ideia errônea de que os adolescentes estão à margem de qualquer responsabilização. No entanto, hoje, a partir dos 12 anos, adolescentes infratores cumprem medidas socioeducativas em unidades específicas de internação, que têm como objetivo evitar que estes reincidam, tendo sucesso em mais de 80% dos casos. Incluídos no sistema carcerário, onde não conquistamos exito até os dias atuais no cumprimento da Lei de Execuções Penais, os adolescentes estarão sujeitos às taxas de reincidências observadas neste sistema, que ultrapassam 70%.
Dados do Ministério da Justiça (MJ) mostram que entre janeiro de 1992 e junho de 2013 o número de pessoas presas aumentou 403,5% no Brasil, nos transformando na quarta nação com maior população carcerária do mundo. Essa superlotação em tempo recorde não reduziu a violência, ao contrário. Entre 2002 e 2012, o número total de homicídios registrados pelo Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, passou de 49.695 para 56.337 ao ano, tendo entre os jovens o maior número de vítimas. Nos casos em que crianças ou adolescente são as vitimas de homicídios, o crescimento foi ainda maior, chegando a 346% entre 1980 e 2010. Esses sim, são os números que deveriam nos alarmar e nos mobilizar a buscar soluções.
Parece que os parlamentares de hoje acreditam no poder da legislação penal de por si resolver todos os problemas. Somos defensores de que é preciso implementar em sua plenitude, a lei 12.594/2012 que constitui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), e traçar estratégias para a redução da violência, observando um conjunto de medidas necessárias no âmbito da segurança pública, educação e cultura.
O que devemos aos adolescentes brasileiros é a capacidade como País de, por meio dos nossos governos, assegurarmos a eles formação de projetos de vida baseados nos valores da solidariedade e do respeito mútuo, em que possam contribuir com a sociedade e estando a salvo da violência.
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O Brasil não pode desistir de suas crianças e adolescentes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU