21 Julho 2007
Na última semana, o Instituto Humanitas promoveu a palestra Violências e Saúde Coletiva, com a participação do médico argentino Hugo Spinelli. A IHU On-Line aproveitou e entrevistou-o pessoalmente. Na entrevista, ele relata a questão da violência na Argentina e no Brasil, fazendo uma comparação entre os modelos que surgiram nestes dois países. Spinelli falou ainda das estratégias que devem ser adotadas para enfrentar a violência. Segundo ele “a violência está sendo funcional ao destruir a idéia de nação” e “temos que discutir a violência e simplificá-la”.
Hugo Spinelli nasceu na Argentina e formou-se médico. Atualmente, é coordenador do programa de pós-graduação em Saúde Coletiva da Universidade Nacional de Lanus, na Argentina. Também é especialista em Ampliação de Sistemas de Saúde e doutor em Saúde Coletiva, pela Universidade de Campinas. Atua, principalmente, com a questão da violência como problema de saúde pública.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como a violência atuou na conformação da nação Argentina nos séculos XIX e XX?
Hugo Spinelli – Temos diferentes elementos históricos que podem ser vistos como formadores da nação e que ainda fazem parte da conformação de uma idéia de nação. Podemos pegar fatos distintos de momentos também diferentes: por exemplo, a campanha do deserto, que aconteceu no final do século XIX, implicou na incorporação da Patagônia, causando o extermínio dos povos nativos. A partir daí, surgiu uma série de acontecimentos, como a lei de residência aos exploradores que fizeram o movimento anarquista; a repressão aos metalúrgicos de Basena e, depois, os processos relacionados aos golpes militares, como o fuzilamento dos peronistas em 1956; o assassinato de prisioneiros em 1962; e, finalmente, o tema da ditadura em 1965 e seus 30 mil desaparecidos, incluindo o roubo das crianças.
IHU On-Line – Quais são as similaridades nas realidades de Brasil e Argentina, tratando-se da violência?
Hugo Spinelli – Os problemas relacionados à violência são diferentes até os anos 1980. Depois disso, inicia-se um processo de diminuição das mortes por acidentes e suicídios e um aumento de casos de homicídios. Ainda assim, há casos bem menores de homicídios na Argentina do que no Brasil, mesmo que tenham aumentado consideravelmente.
Nos últimos anos, as zonas de periferia de ambos os países têm apresentado grandes números de homicídios. Às vezes, até dobram os casos em relação a outras partes das cidades. Esses homicídios são causados basicamente por adultos, homens e jovens, na faixa etária de 15 a 30 anos.
Na Argentina, isto está ligado à política, certamente, pois o incremento nos números de homicídios deu-se depois da crise de 2001. A posição das políticas neoliberais provoca um forte empobrecimento da população: 50% dos argentinos hoje são pobres, e 25% são excluídos sociais. Concomitantemente, deveria haver, como forma de controle social, políticas de segurança, políticas de Estado, mas só vemos repressão. Além disso, não podemos esquecer da questão do narcotráfico, que provoca, também, os homicídios nessas zonas mais pobres.
IHU On-Line – Como a situação pode ser comparada com a do Brasil?
Hugo Spinelli – As vítimas da violência são fundamentalmente pobres, adultos e jovens, que têm problemas que causam um forte impacto na saúde pública. O principal problema da saúde pública mundial, hoje, é a violência. Esse é um problema que aparece fortemente na saúde e que não era central central há três décadas. Tornou-se mais grave e não está sendo analisado. A tendência é que ele aumente, para piorar a situação. No entanto, a solução para solucionar a questão da violência, não está na saúde, que apenas está assinalando o impacto, mas sim na sociedade, que deve discutir temas como a qualidade de vida, a desigualdade social, o narcotráfico, entre outros, que vão proporcionar saídas.
A sociedade latino-americana é a mais prejudicada pela forte desigualdade social e é a que mais tem que discutir esse tipo de problema para encontrar soluções rápidas e cabíveis. A América Latina precisa entender que não é composta de países pobres, mas sim de países desiguais, o que é muito diferente.
IHU On-Line - Quais as possíveis estratégias para enfrentar a violência?
Hugo Spinelli – A hipótese que estou trabalhando, em relação ao tema da violência, é que, assim como a Argentina foi funcional ao construir a idéia de nação, ela está sendo funcional ao destruir a idéia de nação. Isso porque a violência incrementa os laços com os inimigos, as cidades começam a se “murar”, constroem bairros privados, e as pessoas vivem paranóicas, pensando que serão seqüestradas, violentadas, assaltadas. A violência provoca uma fragmentação social, que faz com que a idéia de nação entre em crise. Para conter isso, precisamos discutir, repito, o tema da desigualdade. A política pública deveria reduzir a desigualdade, porque não vivemos em países pobres, mas desiguais.
Precisamos discutir a violência e buscar sua diminuição. É necessário saber que segurança nacional não significa apenas a polícia contendo um determinado delinqüente. É algo mais amplo: implica em cidadania, recuperação de espaços públicos, em políticas públicas... Não podemos pensar que o problema está ligado apenas ao pobre, visto como delinqüente. Muitas pessoas se encaixariam neste perfil. É preciso pensar em diminuir a desigualdade social, pensar como algumas questões podem não ser eficientes e pensar em políticas de inclusão social. Mesmo que a indústria produza mais com menos pessoas, temos que saber o que fazer com jovens que não têm trabalho. A delinqüência aí aparece como algo possível. O narcotráfico hoje trabalha como uma política de integração. O integrador social é o narcotraficante.
O problema da Argentina é igual ao Brasil. São programas caducos de políticas de inclusão social. Temos que repensar as políticas de educação, as políticas sociais, de saúde, trabalho, além das políticas assistenciais. Os nossos modelos são dos anos 1960. Sendo assim, as políticas são velhas e não estão conseguindo dar conta dessa questão social. Os políticos e a sociedade devem, assim, como venho afirmando, discutir essa questão.
IHU On-Line – Qual é a participação da universidade para enfrentar o problema da violência?
Hugo Spinelli – É pequena a importância da universidade. Elas têm a solução, mas não a obrigatoriedade de problematizar. A forte discussão precisa ocorrer dentro da sociedade. Não há sentido em generalizar o pobre como delinqüente, como disse: trata-se de uma questão mais complexa do que essa linha de raciocínio. É preciso, sobretudo, construir cidadania.
IHU On-Line - Como a violência é responsável no processo de desintegração nacional?
Hugo Spinelli – Ela pode incrementar. Se forem observados os efeitos da violência, eles estão causando uma separação. Basta, hoje em dia, uma pessoa aproximar-se para desconfiarmos dela. A desintegração começa a aparecer como solução para romper com o território, a cultura, os projetos da vida cotidiana, o nacionalismo. A cidade começa a ser territorializada. As pessoas, com isso, tendem a se tornar mais individualistas, porque todo o processo tende a ser individual. Mas os efeitos não são individuais. É só pensar no investimento na segurança coletiva. Desse modo, fazer projeções traz, novamente, uma idéia de nação.
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Violência: uma questão de saúde pública. Entrevista com Hugo Spinelli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU