18 Julho 2007
Na manhã do terceiro dia da 24ª edição do Simpósio Nacional de História, que acontece na Unisinos até a próxima sexta-feira, foi realizada a Conferência A história da África de uma perspectiva brasileira: problemas e desafios. O Auditório Central da Unisinos estava lotado de pessoas ansiosas para ouvir o renomado professor Alberto da Costa e Silva, que conduziu o tema com o brilhantismo típico de um membro da Academia Brasileira de Letras.
O professor começou sua fala lembrando que a disciplina de História da África ainda é nova, tendo iniciado somente no século XX. No entanto, bem antes disso, já haviam sido escrito livros pelos próprios povos africanos, e não pelos antropólogos e historiadores europeus. “Trata-se de uma história não escrita por estrangeiros, mas uma história feita com os olhos da gente da terra”, ao referir-se aos escritos já do século XI. Mesmo assim, Costa e Silva reconhece que ainda há uma precariedade de fontes para compreender com exatidão a história africana. Nesse quesito, ele enfatiza a importância do Brasil, pois aqui existe uma documentação riquíssima. “Sem domínio do português é impossível escrever a história da África”, declara.
Alberto da Costa e Silva comenta que até pouco tempo havia um grande desinteresse no Brasil pela história da África. Hoje o interesse aumentou, mas ainda falta, segundo ele, “devotamento”. “Nos comportávamos como se o escravo africano tivesse nascido no navio negreiro, como se não tivesse história, cultura”, explica. O professor destaca a importância de estudar a África como realidade própria e não sua relação com o Brasil ou sua imagem em nosso País. “O olhar para a África sob a perspectiva brasileira é um olhar vesgo, errado.”
Durante o debate posterior, o palestrante destacou o papel civilizatório do negro, que trouxe para o Brasil a extração de minério e a fundição de ferro, entre outras habilidades. “É preciso refazer a imagem do escravo no Brasil, é preciso vê-lo como elemento construtor, a tal ponto que as pessoas tenham orgulho de descender de escravos.”
Ao término da palestra e do debate e após autografar seus livros e tirar fotos com uma imensidão de pessoas que o aguardavam, Alberto da Costa e Silva respondeu as questões que seguem à IHU On-Line. Era preciso atender às pessoas, pois, como uma delas disse na fila, ao aproximar-se de Costa e Silva, “não é todo dia que temos a oportunidade de tocar e ouvir a voz de nossa principal referência bibliográfica”.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Para onde apontam os novos estudos sobre escravidão no Brasil?
Alberto Costa e Silva – Para todos os lados. Pela primeira vez estamos fazendo um estudo global da escravidão no País, sob todos os seus aspectos. É um momento extremamente rico da historiografia sobre o processo mais longo, mais duradouro e mais importante de nossa história, que foi a escravidão.
IHU On-Line - Alguns autores têm estudado recentemente o negro como agente social e não mais como mercadoria. Estão produzindo pesquisas com base em documentos e jornais de época. Então, a imagem que tínhamos até então do escravo está mudando. Como o senhor vê essa questão?
Alberto Costa e Silva – É natural que, quando se começa a estudar com seriedade os assuntos, se passa a encontrar novos caminhos. O africano tem que deixar de ser o coitadinho. Ele foi vítima, mas tem que ser apresentado na sua dimensão completa, humana, de criador, de pessoa que resistiu à violência, que soube construir a sua vida e a de sua família neste novo país para o qual ele foi degredado e que contribuiu especificamente para a construção da economia e da cultura brasileira.
IHU On-Line - A historiografia da escravidão e da pós-abolição contribui para o resgate e o registro da luta dos descendentes de escravos por seus direitos?
Alberto Costa e Silva – Contribui, sobretudo, para aumentar a auto-estima e o reconhecimento dos negros como cidadãos que têm uma história plena, completa e importante na história do Brasil.
IHU On-Line - Quais são as maiores conseqüências para a história da escravidão no Brasil das omissões dos fatos no momento de registrá-los?
Alberto Costa e Silva – Toda a história é escolha. Cada geração faz as suas escolhas, conta o que quer contar e omite o que não quer contar.
IHU On-Line - Qual é a visão que os brasileiros têm da África?
Alberto Costa e Silva – Continua sendo uma visão distorcida. A visão que nos chega é de uma África maltratada, dispersa, violenta e nunca a visão da África que continua a construir, com suas universidades, escolas e vida normal. Fala-se da África que é problema, mas não se fala da África que é normalidade.
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A história da África que ninguém conta. Entrevista especial com Alberto da Costa e Silva - Instituto Humanitas Unisinos - IHU