18 Outubro 2013
“Não se pode discutir a mineração, e a mineração em terras indígenas, sem considerar os históricos de impactos que essa atividade possui”, diz o advogado.
A proposta do governo federal de triplicar a produção mineral no Brasil tem gerado discussões em torno da reformulação do Código de Mineração Brasileiro. O novo Projeto de Lei pretende modificar o regime de exploração no país, concedendo licitações para as empresas interessadas em explorar minérios.
De acordo com Guilherme Zagallo, advogado, atualmente “não há um planejamento” em torno da atividade, porque quem possui o “direito de lavra pode ficar com ele indefinidamente e utilizá-lo de acordo com a sua conveniência, e não com o interesse nacional”. Segundo ele, a sugestão do governo é “mudar o regime de prioridade para o regime de licitações e introduzir algum planejamento na exploração mineral com a criação de uma agência reguladora”.
Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por telefone, Zagallo relata os impactos gerados pela mineração nos estados do Pará e do Maranhão, e esclarece que o novo texto do Código de Mineração não faz referência a aspectos importantes que envolvem as questões trabalhista e ambiental das regiões onde as minas serão exploradas. “O projeto não prevê a possibilidade de criação de áreas livres de mineração para outros usos, como por exemplo, área ambiental, manutenção de aquíferos, áreas de reservas para produção de água, ou mesmo de interesse paisagístico. Outra crítica é de que o governo não dialoga com o Estatuto dos Povos Indígenas, que está em discussão no Congresso Nacional, com o Projeto de Lei 1610, que trata da possível exploração mineral em áreas indígenas, como também não aborda a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT; ou seja, o Congresso simplesmente disse que esses temas serão tratados em outra legislação”.
Guilherme Zagallo é advogado da Campanha Justiça nos Trilhos e relator nacional de direitos humanos da Rede de Direitos Humanos Plataforma Dhesca Brasil.
Confira a entrevista.
Foto: http://bit.ly/16ea2nk |
IHU On-Line - Como o senhor descreve a atuação da Vale no Maranhão?
Guilherme Zagallo – Atualmente quase metade das operações da empresa é desenvolvida no Maranhão e no Pará. A produção mineral acontece no Pará e o escoamento é feito pelo Maranhão. No futuro, a maior parte das operações tende a ser realizada no Maranhão, por conta da obra de duplicação da ferrovia e da mina de Carajás.
As operações de minério de ferro da Vale acontecem no sistema Norte, onde estão as minas de Carajás, escoando pelos estados do Pará e do Maranhão por ferrovias. A empresa está ampliando as operações de Carajás para chegar a 230 milhões de toneladas de minério de ferro por ano, então, para o futuro, provavelmente 50% da produção será feita no Maranhão.
A extração de minérios gera implicações ambientais, como o desflorestamento, apesar de o sul do Pará ser hoje uma área bastante reflorestada. A área da Vale, curiosamente, é mais preservada do que o entorno. A mineração em si é uma atividade bastante impactante, na medida em que movimenta grandes volumes de minério bruto e pilhas de rejeitos e constrói barragens para reter e impedir que minérios cheguem até os rios. O transporte portuário também causa impacto forte na locomoção das pessoas que vivem no entorno da estrada: as pessoas não conseguem atravessar a estrada quando um trem está parado por conta da manutenção e também têm de esperar o trem circular para poder atravessar a estrada. Além disso, os trens perturbam o sono das pessoas à noite, e a vibração deles também afeta os poços nas comunidades. Casas construídas próximas à ferrovia têm problemas com rachaduras, enfim, trata-se de um vizinho incômodo. Os trens são muito longos, com 330 vagões e mais de três quilômetros de comprimento.
IHU On-Line - Quais regiões do Maranhão e do Pará são atingidas pela produção da Vale? Os maiores impactos ambientais e sociais ocorrem por conta da extração mineral?
Guilherme Zagallo – Há impacto ao longo de toda a ferrovia. Há uma estimativa da própria Vale de que existam 720 comunidades e povoamentos que vivem no entorno da ferrovia, ou seja, um quilômetro para a esquerda e para a direita a partir do eixo central. Os que vivem mais próximo da ferrovia têm esses problemas que mencionei: vibração, ruído, atropelamentos, poluição. Nas cidades que são atravessadas pela rodovia, o impacto é maior. Açailândia é o caso emblemático.
Impactos
A produção do ferro gusa é muito impactante para o meio ambiente, seja do ponto de vista da emissão de poluentes ou do descarte de resíduos sólidos. Esta produção também gera alguns acidentes que causam queimaduras e amputações. Ela é feita no Maranhão a partir de carvão vegetal, e aí encontramos problemas relacionados à produção de carvão, o qual nem sempre tem origem legal. As carvoarias da região já foram autuadas muitas vezes pelo Ibama por conta da origem do carvão utilizável. A cadeia de produção do carvão também tem problemas de trabalho degradante. Não se trata de um impacto causado diretamente pela Vale, mas ela acaba tendo alguma ligação com essas operações.
IHU On-Line – A Vale tem projeto de duplicação dos trilhos e de construção de uma segunda Ferrovia de Carajás. Como está se desenvolvendo esse projeto e quais as implicações?
Guilherme Zagallo – Houve uma demora no desenvolvimento desse projeto por conta da metodologia que a Vale adotou no licenciamento. Os órgãos ambientais solicitaram estudos complementares. Posteriormente, a licença foi concedida, e as obras estão em curso tanto na construção da ferrovia como na construção da nova mina em Carajás. Por conta disso, a Vale vai precisar construir um novo ramal ferroviário. Ao ser concluída, a mina de Carajás será a maior mina já construída no mundo: uma mina para 90 milhões de toneladas de produção num único sítio. A previsão da empresa é de que, em 2014, já possam ocorrer explorações na mina, embora a conclusão ocorra mais para frente.
IHU On-Line - O senhor mencionou recentemente que, em 2010, houve 175 atropelamentos nas linhas férreas da Vale, com boa parte deles resultando em óbitos. Como esses casos são abordados pela empresa e pelo poder público?
Guilherme Zagallo – Segundo dados da Agência Nacional de Transporte Terrestre, ocorreram 75 acidentes graves com vítimas, mas não especificam o número de mortes, apesar de normalmente o acidente ferroviário resultar em óbito. Esse não é um problema exclusivo das ferrovias operadas pela Vale; é um problema das ferrovias brasileiras. Há uma atuação muito pequena por parte do poder público no sentido de impor aos trabalhadores das empresas ferroviárias uma proteção maior de cercar as ferrovias, construir passarelas e viadutos, para impedir que pessoas tenham de passar por cima da linha. O trem não consegue frear a 200 ou 300 metros de distância de uma pessoa.
IHU On-Line – Há informações de problemas trabalhistas envolvendo os trabalhadores da Vale?
Guilherme Zagallo – Em relação à Vale, estou iniciando um levantamento a pedido do movimento sindical. A empresa tem um passivo trabalhista grande, o qual está registrado nos seus balanços, um contencioso grande de ações judiciais na Justiça e problemas com acidentes que levaram a óbito alguns trabalhadores. Em 2012 foram registrados 15 óbitos de trabalhadores.
Em 31 de dezembro do mesmo ano, a empresa tinha supervisionado 748 milhões de dólares para litígios trabalhistas, considerando como perda possível mais de 1,7 milhão de dólares, porque ex-trabalhadores e sindicatos cobram débitos trabalhistas.
IHU On-Line - Que fatores têm impulsionado a proposta de revisão do Código de Mineração?
Guilherme Zagallo - O Plano Nacional de Mineração para 2030 pretende triplicar os níveis de mineração no Brasil. Em 2010, o Brasil tinha 1,24 bilhão de toneladas de minérios em produção no país. O governo pretende triplicar esses minérios metálicos, não metálicos, areia, brita, minério de ferro, ou seja, os principais produtos da pauta de exploração ambiental.
A proposta de modificação do Código de Mineração é uma proposta do Executivo e foi apresentada em regime de urgência, o qual foi derrubado porque estava trancando a pauta do Congresso. Há uma previsão de votação desta matéria no dia 06 de novembro, na Câmara dos Deputados.
Na nova proposta, o governo modifica o regime de exploração do minério de prioridade — hoje quem pede primeiro tem direito de lavra — para o regime de licitações para explorar o minério, ou seja, o governo vai licitar o direito de exploração mineral no país e pretende introduzir algum planejamento. Hoje não há um planejamento maior: quem tem o direito de lavra pode ficar com ele indefinidamente e utilizá-lo de acordo com a sua conveniência, e não com o interesse nacional.
Então, a principal alteração do governo é mudar o regime de prioridade para o regime de licitações e introduzir algum planejamento na exploração mineral com a criação de uma agência reguladora.
IHU On-Line – Como essa proposta é vista pelo setor?
Guilherme Zagallo – Os movimentos sociais consideram a proposta do governo insuficiente, uma proposta minimalista. Criticam desde o início o pouco debate em torno desta matéria. Estão sendo realizadas audiências públicas sobre este Projeto de Lei, mas quando ele foi discutido no Executivo durante dois anos, não houve um processo mais amplo de participação dos movimentos sociais e da sociedade. Portanto, os movimentos consideram que o projeto não contempla o direito de recusa das comunidades onde os minérios são encontrados.
Consideramos que seria preciso uma autorização das comunidades em relação ao desenvolvimento da atividade mineral, mas o projeto praticamente não faz nenhuma referência à questão trabalhista e ambiental, à proteção dos direitos dos trabalhadores. Ele também não faz uma previsão expressa de proteção ambiental quanto ao fechamento das minas. Em Santa Catarina, por exemplo, empresas que faliram deixaram um passivo ambiental, o qual acaba tendo de ser recomposto depois pelo Estado, ou seja, o Estado acaba tendo de intervir para recuperar as áreas degradadas pela atividade da mineração.
O projeto também não prevê a possibilidade de criação de áreas livres de mineração para outros usos, como por exemplo, área ambiental, manutenção de aquíferos, áreas de reservas para produção de água, ou mesmo de interesse paisagístico. Outra crítica é de que o governo não dialoga com o Estatuto dos Povos Indígenas, que está em discussão no Congresso Nacional, com o Projeto de Lei 1610, que trata da possível exploração mineral em áreas indígenas, como também não aborda a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT; ou seja, o Congresso simplesmente disse que esses temas serão tratados em outra legislação. Seria importante se houvesse um debate conjunto dessas matérias. Não se pode discutir a mineração, e a mineração em terras indígenas, sem considerar os históricos de impactos que essa atividade possui.
IHU-Online- Princípios do Direito Ambiental não foram considerados?
Guilherme Zagallo - A previsão de referências é mínima, considerando os impactos de uma atividade que essencialmente não é renovável; não existe segunda safra de mineração. Neste aspecto, a reforma do Código de Mineração tem um impacto maior do que o Código Florestal. Apesar da alteração do Código Florestal, ainda há possibilidade de recuperar áreas verdes. Já na mineração não há isso. Uma vez utilizados os recursos, não existe uma segunda utilização.
IHU-Online - Como equacionar o valor econômico da mineração com os danos ambientais e sociais?
Guilherme Zagallo - A mineração é importante para o país, sobretudo para a balança comercial, porque representa cerca de 4% do PIB. Em relação aos empregos, ela já não é tão relevante: são 160 mil empregos, segundo o último anuário estatístico do Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM, de 2010.
O Brasil é um grande país minerador, embora não se reconheça como tal. Talvez seja importante o Brasil se reconhecer e começar a enfrentar adequadamente os impactos dessa atividade que traz fortes consequências no dia a dia das comunidades.
Uma das propostas do governo é levar os royalties para as comunidades onde estão os sítios de mineração e que são impactadas. Hoje a distribuição dos royalties contempla só os municípios produtores de minério, mas aqueles outros municípios que são impactados pela atividade no escoamento dos minérios não participam da renda e não têm, portanto, receita para fazer frente a esses problemas. A receita oriunda da mineração, hoje, não contempla adequadamente a cadeia de impactos causada pela atividade.
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Os impactos da mineração. Vejam o exemplo maranhense. Entrevista especial com Guilherme Zagallo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU