12 Julho 2010
Finalmente, o projeto Ficha Limpa foi aprovado e já valerá nas eleições deste ano. Embora alguns candidatos já tentem burlar a nova lei, os movimentos sociais e a sociedade civil estão atentos e divulgando informações para que a Ficha Limpa seja levado em frente tal como foi aprovado. “Como é uma lei nova, ela tem muitas controvérsias que precisam ser discutidas. O projeto Ficha Limpa apregoa que não pode haver decisão liminar de forma isolada por nenhum tipo de juiz. Efetivamente, como o Supremo Tribunal Federal tem favorecido candidatos que estão com sua ficha suja, a lei está sendo descumprida em relação a sua forma original, nesse momento”, falou o professor Daniel Seidel durante entrevista que concedeu, por telefone, à IHU On-Line.
Ele aborda os primeiros passos da Lei Ficha Limpa, compara-a com a Lei 9.840 e crítica os projetos que, a partir do histórico desta nova lei, estão sendo criados para criminalizar os movimentos sociais, considerados os principais atores da aprovação da norma. “Temos informações do site do Congresso em Foco que diz que cerca de 20% dos atuais detentores de mandatos da Câmara e do Senado, se o Ficha Limpa existisse nas últimas eleições, não poderiam se candidatar. Alguns estão teimando em fazê-lo, mas esperamos que a Justiça Eleitoral impeça que isso aconteça”, disse.
Carlos Daniel Dell´ Santo Seidel é graduado em Ciências Contábeis com especialização em Psicodrama Aplicado. É mestre em Ciência Política pela Universidade de Brasília. Atualmente, é professor na Universidade Católica de Brasília e membro da Comissão Brasileira Justiça e Paz/CNBB.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – As recentes liminares de juízes do Supremo Tribunal Federal (STF), favorecendo supostos candidatos ficha suja, podem significar que a lei Ficha Limpa pode não dar certo?
Daniel Seidel – Estamos acompanhando esses casos que, para nós, são contraditórios em relação à lei Ficha Limpa que conseguimos aprovar. Em agosto vamos, a partir disto, promover um seminário com juristas para que possamos compreender esses fatos. Casos semelhantes ocorreram com a lei 9.840 [1] também. Como é uma lei nova, ela tem muitas controvérsias que precisam ser discutidas. O projeto Ficha Limpa apregoa que não pode haver decisão liminar de forma isolada por nenhum tipo de juiz. Efetivamente, como o STF tem favorecidos candidatos que estão com sua ficha suja, a lei está sendo descumprida em relação a sua forma original, nesse momento.
IHU On-Line – A lei foi sancionada como queria o movimento social?
Daniel Seidel – A lei foi aprimorada. Tivemos que fazer algumas negociações no âmbito do Congresso Nacional. Ela foi apresentada de forma muito radical, prevendo que denúncias por juízes singulares seriam objeto de ações de impedimento. Efetivamente, como temos muitos lugares onde os juízes são bastante comprometidos com a conjuntura do poder local, foi oportuno que fizéssemos a mudança para o órgão colegiado. Esse foi um aprimoramento grande feito no interior do próprio movimento, uma vez que nas reflexões que fizemos percebemos que as decisões feitas por órgão colegiado seriam melhores justamente para fugir, em alguns estados e municípios, das decisões fabricadas.
O artigo C da Ficha Limpa diz que aqueles que quiserem recorrer a uma instância superior, já tendo uma decisão em órgão colegiado, vão ter seu processo priorizado no julgamento. Ou seja, com isso conseguimos um bom efeito colateral que não estava previsto anteriormente que é a celeridade. Se a Justiça fosse célere, não teríamos a necessidade de legislações como a Ficha Limpa que só está sendo aplicada dessa forma porque há muita demora, principalmente em segunda e terceira instâncias a nível nacional, no julgamento de pessoas poderosas. Agora, quem retardou, por várias medidas recursais, com o intuito de protelar um processo que já poderia ter sido julgado está sendo “pego” pela Ficha Limpa.
IHU On-Line – Nos últimos dias, vários candidatos registraram suas candidaturas nos Tribunais Regionais Eleitorais. Não caberia a esses tribunais realizar uma triagem das inscrições? Quem irá fiscalizar?
Daniel Seidel – Houve uma solicitação, logo depois da aprovação da lei, que nós, enquanto movimento social, fizéssemos essa triagem. Nós rejeitamos essa possibilidade justamente porque quem tem que fazer isso são os tribunais e nós funcionamos como controle externo e social dos próprios Tribunais Regionais Eleitorais. Temos já, com alegria, percebido que os Ministérios Públicos Eleitorais estaduais estão entrando com ações pertinentes questionando uma série de questões que a Ficha Limpa apresentou.
IHU On-Line – A lei Ficha Limpa é complementar a Lei 9.840? O senhor poderia explicar como se dá essa complementaridade?
Daniel Seidel – Sim, justamente porque a Lei 9.840 tipificava algumas infrações eleitorais, e não crimes. Com a Ficha Limpa pessoas condenadas ficam inelegíveis por oito anos. Efetivamente, ela foi um passo a mais muito importante para o aprimoramento do sistema de democracia representativa que vive uma série de crises e falhas. A ideia era fazer uma reforma política que, como grande projeto, nunca vai adiante, então vamos fazendo dessa forma a mudança, com projetos como a Ficha Limpa. Nós queremos outro tipo de democracia e precisamos avançar muito para conseguir isso.
IHU On-Line – O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) e a Comissão Justiça e Paz da CNBB já tem algum prognóstico ou conhecimento de candidatos que desistiram da disputa eleitoral desse ano com receio da lei Ficha Limpa?
Daniel Seidel – Esse levantamento nós não temos. Na verdade, nós fugimos de toda a “sedução” de divulgar candidatos com Ficha Suja porque efetivamente precisamos cobrar que nossos sistemas Jurídicos e Judiciais funcionem. São eles que devem dizer para a população quem pode e quem não pode ser votado. Assim, vamos esperar o fim dessa campanha eleitoral para fazer um balanço.
Temos informações do site do Congresso em Foco que diz que cerca de 20% dos atuais detentores de mandatos da Câmara e do Senado, se o Ficha Limpa existisse nas últimas eleições, não poderiam se candidatar. Alguns estão teimando em fazê-lo, mas esperamos que a Justiça Eleitoral impeça que isso aconteça.
É cada vez cmais laro o quanto é necessário fazer uma reforma efetiva do Judiciário, pois percebemos que este órgão está devendo maior celeridade e imparcialidade nas suas decisões. Não podemos ter um sistema penitenciário aonde só quem vai para lá seja quem atenta contra o patrimônio. Temos que colocar os colarinhos brancos na prisão também, não por um espírito de vingança, mas para que possamos fazer do sistema prisional brasileiro um lugar de recuperação.
IHU On-Line – O deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), a partir do projeto de Lei Ficha Limpa, apresentou na Câmara dos Deputados um projeto, que caso aprovado, pode criminalizar o movimento social. De fato esse risco existe?
Daniel Seidel – Eu participei de um debate com a cúpula do Ministério Público da União a respeito desse tema em função de ações de outros órgãos estaduais, como o do Rio Grande do Sul. O que temos certeza é que devemos lutar para que esses intentos sejam desmontados. Percebemos que temos caminhado, enquanto movimentos sociais, dentro da democracia que conquistamos. No momento em que temos um avanço efetivo de setores sociais que possam exercer mandatos coletivos de um caráter mais popular, a reação das elites brasileiras se salienta. Elas estão reagindo porque estão se sentem ameaçadas e porque estão perdendo seu poder. Então, outros intentos de criminalização vão acontecer e temos que combater. Não podemos rotular a Ficha Limpa nessa mesma trajetória porque sua principal função é cercear aqueles que sempre ficavam impunes.
Na perspectiva que coloca o deputado Hauly, nós temos que ter um marco das relações dos movimentos sociais e da sociedade civil organizada com acesso a recursos públicos. Essa ainda é uma grande dívida. Isso sanaria a necessidade de termos uma espécie de Ficha limpa para movimentos e organizações sociais. Se isso for feito, vamos discutir quais são as razões e porque se quer essa mesma medida para setores que sempre foram muito facilmente condenados pela Justiça que temos no país. Então, para que pesar mais a mão? Temos que vigiar aqueles que nunca são pegos e influenciam, até, a nomeação dos próprios juízes, infelizmente.
IHU On-Line – Como se pode participar e contribuir para a aplicação da lei Ficha Limpa?
Daniel Seidel – Uma forma é acompanhar quem está se candidatando e quais são as decisões que o Judiciário está proferindo a respeito da situação desses candidatos. Com isso, popularizar a informação. Nós, enquanto população, temos que fazer o trabalho de base, ou seja, se esclarecer e ajudar no processo de divulgação das informações. Hoje, temos uma ajuda muito grande da internet, onde podemos intimidar candidatos e mostrar o quanto sabemos da lei e estamos acompanhando os processos.
Então, resumindo, as pessoas podem participar, efetivamente, acompanhando as decisões do Judiciário, esclarecendo, por seus meios, o que está acontecendo no processo político e se engajando nos comitês de debate sobre corrupção eleitoral.
Notas:
[1] A Lei 9.840 foi criada para combater a compra de votos e o uso da máquina administrativa durante o período eleitoral. É a primeira Lei criada por iniciativa da população que se organizou e coletou mais de um milhão de assinaturas.
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Ficha Limpa: Temos que vigiar aqueles que nunca são pegos. Entrevista especial com Daniel Seidel - Instituto Humanitas Unisinos - IHU