09 Mai 2010
Na entrevista de hoje, concedida, por telefone, o professor Henrique Antoun aborda o tema da Internet e os comportamentos e posicionamentos que a tornaram possível. Ele também aborda a cultura que a web está gerando com as possibilidades que ela permite. “A web é povoada, de fato, pelos movimentos sociais, hackers, grupos de ONGs, grupos de lutas sociais que começam a entender aquele lugar como um espaço que precisava ser povoado pela população e que não fosse restrito aos militares e universidades”, disse.
Henrique Antoun é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É coordenador do grupo de pesquisa Cibercult e secretário executivo da Associação Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura (ABCiber).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Li uma afirmação sua de que são os comportamentos que criam a web. Como a construção da web hoje representa a sociedade atual?
Henrique Antoun – A web tem várias camadas de construção. Ela tem uma camada militar ligada à preocupação norte-americana com uma possível guerra nuclear com a União Soviética. A Internet deveria ser, então, uma rede que permitisse aos aliados conduzirem um conflito sem que pudesse ser capturada a esfera do comando. Ela é também um projeto das universidades que vem como possibilidade de interação comunicativa e de poder de construir projetos comuns, de longo alcance e de amplo desenvolvimento. Mas, a Internet também foi construída pelos movimentos sociais dos anos 1960. Na medida em que estes vão sendo marginalizados, e a própria televisão assume a liderança da mídia de massa, passando a responder pela educação social, esses movimentos ocupam a web. Portanto, a web é povoada, de fato, pelos movimentos sociais, hackers, grupos de ONGs, grupos de lutas sociais que começam a entender aquele lugar como um espaço que precisava ser povoado pela população e que não fosse restrito aos militares e universidades.
IHU On-Line – Você diz que a Internet é filha dos movimentos da década de 1960. Pode nos explicar isso?
Henrique Antoun – Os movimentos sociais que se apropriaram da Internet ao longo dos anos 1980, através da lutas, e assim povoaram a web, são movimentos egressos dos anos 1960. São movimentos ligados às causas que as instâncias institucionais da sociedade não abraçava, como a questão dos homossexuais, das mulheres, dos trabalhadores ilegais e jovens. Foram nas ONGs que esses movimentos encontraram um modo de prosseguir. No decorrer dos anos 1980, como até hoje, os movimentos sociais não encontravam ouvidos e vozes na imprensa. Na Internet, então, encontraram um meio onde não só poderiam coordenar sua ação como podiam se comunicar e manter a sua versão dos fatos, assim como uma coerência da sua linha de atitudes.
IHU On-Line – Ao analisar os caminhos desses movimentos na web, como você classifica a pirataria?
Henrique Antoun – A questão da pirataria é atual e diz respeito aos grandes cartéis do entretenimento que acham que a cópia dos materiais que eles produzem e distribuem é um crime terrível. Na verdade, é parecido com a gritaria das editoras com o “xerox”. Você não tem como coibir isso, e a única forma de proibir é fazendo com que os preços sejam mais acessíveis do que os preços da cópia. Se copiar um livro me custa menos do que comprá-lo, há alguma coisa errada por quem está imprimindo o livro. A pirataria é uma discussão de proprietários querendo ganhar tempo para se adaptar às novas formas de fazer negócio.
IHU On-Line – Um dos temas que se tem discutido muito é a questão do anonimato na Internet. Nesse sentido, e a partir da pesquisa que o senhor está trabalhando, quais são os principais problemas da democracia na cibercultura?
Henrique Antoun – A Internet, sem anonimato, é uma prisão de segurança máxima. Ou você preserva a privacidade de que se comunica dela ou você faz da Internet uma prisão. Ela é uma máquina de controle, se não houver anonimato, ninguém escapa.
Normalmente, as grandes corporações, empresas e sindicatos, instâncias institucionais da velha cultura, mídia e sociedade de massa acham que a Internet está destruindo a democracia. Isso porque estão destruindo a maneira representativa de massa de conduzir a sociedade, ou seja, está destruindo a maneira como alguns poucos podem se arvorar a decidir o que todo mundo quer por processos de eleição e representação. São processos que estão mais do que viciados e já não funcionam. Há mais de 30 anos que nenhum deles é capaz de dar conta daquilo que as populações investem e almejam. Então, esses grupos, o tempo inteiro, dizem que a Internet vai destruir a democracia porque ela beneficia um tipo de participação, e não essa representação.
A Internet está muito mais ligada a uma ideia de democracia participativa do que a democracia representativa. A cultura de massa está centrada na ideia de que um produto guarda a vontade de todo mundo. A Internet está baseada no gráfico de lei de energia onde se tem uma multiplicidade inumerável de modos de existir, de atuar e fazer. É um lugar onde todos encontram a sua chance de prosseguir, mas dependem das participações, e não das representações. Além disso, é uma grande máquina de organizar a ação coletiva.
IHU On-Line – O Brasil "invadiu" o Orkut. Além disso, a presença do país vem crescendo no Facebook e no Twitter. Como o senhor vê nosso país no cenário da comunicação digital no mundo?
Henrique Antoun – O momento em que o Brasil ocupa o Orkut e se torna presença massiva nele, ele marca uma mudança de postura na política brasileira e na participação do público brasileiro. Até então, o brasileiro era aquele refém da televisão que se limitava a tudo o que a TV emitia. O Orkut marca o momento em que a população deixa de servir aos interesses da instituições de dominação de massa. O atual governo, creio eu, também está emancipando a população, dando-lhe capacidade de vida e manifestação.
IHU On-Line – O que é a cibercultura hoje?
Henrique Antoun – O André Lemos gosta de dizer que a cibercultura é a cultura contemporânea, porque ela é essa cultura que envolve computadores, celulares e as relações que se estabelecem a partir do uso desse tipo de ferramenta. Essa cultura, que já foi de massa, hoje se desloca para essa rede interativa e para esses modelos de interação distribuída dessa interface de comunicação formam inúmeros grupos de discussão sobre os mais diferentes assuntos. E isso possibilita que qualquer um possa, a qualquer momento, transmitir notícias, exprimir suas opiniões e formar um pequeno grupo. Isso significa que a Internet não incentiva que você queira ter sucesso por 15 minutos, mas sim que você quer liderar algum tipo de movimento ou coordenar algum tipo de ação.
IHU On-Line – Que sociedade a cibercultura está ajudando a criar?
Henrique Antoun – Saber com clareza é difícil. Mas certamente é uma sociedade profundamente diferente da sociedade de massa. Ela está fundada no capitalismo cognitivo, nas lutas da multidão contra os regulamentos do império, na comunicação participativa e nos novos modelos de democracia. Ela cada vez mais se distancia desse mundo onde alguns poucos podiam se arvorar ao poder de falar para todo mundo.
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"A Internet, sem anonimato, é uma prisão de segurança máxima’. Entrevista com Henrique Antoun - Instituto Humanitas Unisinos - IHU