30 Novembro 2009
Ainda faltam três anos para que o Protocolo de Kyoto expire. Mas, na corrida para cumprir as metas de redução de emissões de gases do efeito estufa, o mercado de carbono aparece como solução para o não comprometimento das economias dos países desenvolvidos, possibilitando a compra de créditos de carbono de outras nações com projetos de tecnologias limpas. Entre estas nações, está o Brasil, terceiro maior gerador de crédito de carbono do mundo, ficando atrás somente da China e da Índia. Sobre as movimentações e perspectivas deste mercado, o advogado especialista em Direito Ambiental, Flávio Gazani, concedeu entrevista, por telefone, à IHU On-Line. Gazani aborda ainda as expectativas para a Conferência do Clima em Copenhage e a “moda” da sustentabilidade entre empresas. “Hoje, tratar da sustentabilidade da maneira certa é uma vantagem competitiva. As grandes empresas têm uma visão mais estratégica desta questão. É óbvio que existem alguns abusos. O marketing ambiental tem sido visto com certa valorização, mas não classificaria isso como uma regra geral para as grandes empresas”, garante.
Flavio Gazani é advogado especialista em Direito Ambiental pelas faculdades de Direito e de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP). Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas (UniFMU), participou do projeto "Sequestro de Carbono" do Instituto Ecoar para a Cidadania.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Em que contexto surge e como funciona o mercado de carbono?
Flávio Gazani – O mercado de carbono surge da demanda criada pelo Protocolo de Kyoto, onde os países desenvolvidos assumiram uma meta média de 5% para a redução de emissões de gases de efeito estufa. Esse protocolo entrou em vigor em 2005, e esta demanda vem sendo crescente à medida que 2012 se aproxima, e os países têm a necessidade de cumprir as suas metas. No ano passado, o mercado de carbono chegou a faturar 126 bilhões de dólares mundialmente.
IHU On-Line – Como está o mercado de carbono no Brasil?
Flávio Gazani – O Brasil tem uma grande participação no mercado de carbono, é o terceiro maior gerador de crédito de carbono do mundo, ficando atrás somente da China e da Índia. O Brasil participa, principalmente, no mercado de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Hoje temos mais de 400 projetos sendo considerados no pipeline, muitos já foram implementados e outros ainda estão em fase de validação, estão passando pelo processo de aprovação. Primeiro, no âmbito nacional, estes projetos devem passar por uma avaliação da Comissão Interministerial de Mudanças Climáticas, que é composta por diversos ministérios, como o de Meio Ambiente, Energia e Ciências e Tecnologia, pelo qual é encabeçada. Depois desse processo de aprovação interna, o projeto passa por um processo de avaliação no âmbito da ONU.
IHU On-Line – A Associação Brasileira das Empresas do Mercado de Carbono (Abemc) divulgou estudo afirmando que manter as florestas em pé pode render ao Brasil US$ 16 bilhões por ano. Como vocês chegaram a esse valor?
Flávio Gazani – Foi uma análise consolidatória de alguns estudos. Estas se encontram, em sua maioria, no hemisfério sul, sendo a floresta tropical com a maior parte remanescente, da qual o Brasil detém 60%. Levando em consideração não só as florestas remanescentes aqui no Brasil, na quantidade de florestas que temos de pé ainda, mas o estoque de carbono dessas florestas, pois as florestas tropicais são mais densas e tendem a estocar mais carbono. A taxa de desmatamento ainda é alta, e chega a ser um coeficiente, que dá ao Brasil cerca de 40% do potencial de créditos que podem ser gerados por projetos de emissão evitada, ou seja, desmatamento evitado com a conservação florestal. Com base nos levantamentos desses estudos, fizemos um cálculo e estimamos a tonelada do carbono em uma média de cinco dólares, uma media baixa. Na realidade, hoje os créditos de carbono ainda não têm um valor de mercado alto, porque não são elegíveis pelo Protocolo de Kyoto e não fazem parte de um acordo internacional, mas sabemos da probabilidade de que esses créditos venham a ter um valor muito maior. Calculamos a participação do Brasil, que giraria entre oito e 16 bilhões de dólares por ano.
IHU On-Line – Quais são as expectativas sobre os debates de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL) na Conferência do Clima em Copenhague?
Flávio Gazani – Essa semana houve uma declaração do presidente Obama, dizendo que os EUA não assumirão um compromisso, não assinarão um tratado em Copenhage. Isso esvazia um pouco o resultado esperado para essa conferência. O que está sendo dito é que Obama declarou que está pronto para assumir um compromisso político, mas não assinará um tratado. A razão disso é especificamente por os EUA não terem conseguido aprovar no congresso um projeto de lei que está em trâmite agora, visando instituir um sistema de imitação e comercialização de emissões como existe na Europa. Este projeto de lei também previa uma meta, que fica baixa perto da meta que os países da Europa e outros, liderando essas negociações com o Brasil, estão propondo, mas que também sequer foi aprovado. Eles estavam falando de uma meta de redução de 20% até 2020, enquanto hoje o Brasil fala em 38,9% e outros países da Europa falam em redução de emissões superiores a 25%. O percentual de 25% de redução de emissões é o mínimo que os cientistas recomendam para que o planeta não sofra um desequilíbrio climático exacerbado, um nível considerado ainda seguro caso a temperatura da Terra aumente em até 2ºC. Para isso, teríamos que reduzir em 25% as emissões atuais. A falta de compromisso ou de metas ambiciosas é um problema para o equilíbrio climático do planeta.
IHU On-Line – Você pode explicar qual a importância da Redução de Emissões de Carbono por Desmatamento e Degradação (REDD) para o mercado de carbono?
Flávio Gazani – Para que possamos atingir essa redução mundial mínima de 25%, é necessário que sejam reduzidas 17 gigatoneladas de carbono, no total. Dessas 17, cerca de 5 gigatoneladas advém do desmatamento evitado. Evitar o desmatamento significa resolver cerca de um terço do problema. Esse é o tamanho da importância.
IHU On-Line – O capital brasileiro, as médias e grandes indústrias, assimilaram de forma consciente a gravidade da temática ambiental ou falam do tema mais por marketing do que por convencimento?
Flávio Gazani – Acho que hoje a questão da sustentabilidade, em especial para as grandes empresas, passou a ser mais uma política do que uma simples retórica, isso ainda não é verdade para as médias e pequenas empresas. Muitas grandes empresas têm uma preocupação real com a questão de sustentabilidade, até porque esta não é simplesmente a preocupação com o meio ambiente ou por projetos sociais, vai além disso. A sustentabilidade é o equilíbrio socioeconômico de uma empresa que visa lucro, inclusive. Hoje, tratar da sustentabilidade da maneira certa é uma vantagem competitiva. As grandes empresas têm uma visão mais estratégica desta questão. É óbvio que existem alguns abusos. O marketing ambiental tem sido visto com certa valorização, mas não classificaria isso como uma regra geral para as grandes empresas.
IHU On-Line – Como você define uma empresa sustentável?
Flávio Gazani – Sustentável é uma empresa saudável financeiramente, que tem uma boa governança corporativa, que é transparente e que busca seguir as melhores práticas ambientais e sociais. Ambientais não só de cuidados imediatos com relação ao meio ambiente que cerca as imediações de uma planta industrial, por exemplo, mas também preocupada com a questão de mudanças climáticas, visando a diminuição das emissões, em um primeiro momento, pelo menos, mensurar suas emissões. Por último, que seja preocupada com a sociedade, esta leia-se como, em um primeiro círculo, seus funcionários, depois a comunidade de entorno e a sociedade brasileira e mundial como um todo. As preocupações com relação às mudanças climáticas dizem respeito à humanidade como um todo.
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As perspectivas do mercado de carbono. Entrevista especial com Flávio Gazani - Instituto Humanitas Unisinos - IHU