21 Junho 2009
“Que futuro há para os ódios, se os mecanismos pelos quais nós os constrangemos a se transformarem em outra coisa que não seja a destruição, se encontram em dificuldade?. A resposta é simples – ainda mais violência!", afirma Jean-Pierre Lebrun, em entevista concedida, por email, à IHU On-Line, que nesta semana tem como tema de capa, Desejo e Violência.
“O ódio é em si inerente à psique!”, constata o psiquiatra belga. “Mas o gozo do ódio – continua - é da responsabilidade do indivíduo!” Segundo ele, “odiar é um fato, mas desfrutar seu ódio é, por exemplo, encontrar uma satisfação no fato de entretê-lo e sustentá-lo, o que não é a mesma coisa!”
Esta edição da IHU On-Line é um subsídio para o Colóquio Internacional A ética da psicanálise: Lacan estaria justificado em dizer “não cedas de teu desejo”? [ne cède pas sur ton désir?] que se realizará nos dias 14 e 15 de agosto de 2009, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, em parceria com, entre outros, a Association Lacanienne Internationale – ALI, Escola de Estudos Psicanalíticos – EEP e o Laboratório de Filosofia e Psicanálise, do PPG Filosofia – Unisinos.
Jean-Pierre Lebrun, médico, psicanalista e psiquiatra, nasceu na Bélgica, onde formou-se em Medicina Psiquiátrica. Atualmente, é membro da Associação Freudiana da Bélgica, que reúne os membros daquele país com os da Associação Freudiana, criada por Charles Melman na França. Também é membro da Associação Lacaniana Internacional. É autor de Um mundo sem limites (Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2004), de uma entrevista em parceria com Charles Melman, intitulada O homem sem gravidade e Perversão Comum, a - Viver Juntos Sem Outro, também publicados pela Companhia de Freud.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Em que sentido o encontro com o Outro é sempre violento?
Jean-Pierre Lebrun - O encontro com o Outro da linguagem é sempre “traumático”, já que ele constrange a passar da continuidade sensível à descontinuidade significante. Exige, portanto, uma perda, implica uma impossibilidade de dizer, adequadamente e totalmente, condições que só podem ser percebidas como constrangimentos violentos. Mas trata-se de uma violência salutar, de um traumatismo não traumatizante, simplesmente porque o ganho que será obtido – o uso da palavra – é bem superior à perda exigida.
IHU On-Line - Por que o ódio é mais originário que o amor?
Jean-Pierre Lebrun - Porque o ódio está primeiramente lá, já que ele é engendrado por esta perda que impõe a linguagem. É este corte que está em nossa origem de humanos.
IHU On-Line - Como podemos compreender a relação linguagem-ódio?
Jean-Pierre Lebrun - A relação linguagem-ódio se baseia simplesmente no fato de que este constrangimento [ou coação] do nosso linguajar, traz espontaneamente à tona o ódio, a cólera de dever assumir esta condição.
IHU On-Line - Quais são as principais expressões do ódio na pós-modernidade?
Jean-Pierre Lebrun - Na pós-modernidade, a simbolização está em dificuldade, já que o esteio que ela encontrava no apoio na figura do pai é abandonado. Aliás, não é certo que o processo de simbolização possa ser mantido pela mãe até seu termo, pois esta (mãe) não pode cumprir simultaneamente a tarefa de ser o primeiro Outro e o alheio deste Outro (seu outro Outro). Isto não impede que se tenha que estudar mais detidamente o modo pelo qual os mecanismos que a mãe põe em ação contribuem, e mesmo em que medida eles estão em condições de suprir a deficiência gerada pelo fim do apoio paternal.
IHU On-Line - Como o declínio da autoridade, seja ele paternal, político ou divino, se conecta com a irrupção da violência? O ódio é seu sustentáculo?
Jean-Pierre Lebrun - O declínio da autoridade traz consigo não se ter mais uma instância simbólica à qual dirigir seu ódio – aliás, irredutível – e, por conseguinte, de não ter mais um objetivo no qual o indivíduo encontre a necessidade de transformar seu ódio em outra coisa que não seja a destruição. Para dizê-lo de um modo rápido, isso lhe barra a via da sublimação. Quando, mais tarde, o indivíduo se encontrar face à irrupção de sua violência, ele não terá outra saída a não ser a de pô-la em ação.
IHU On-Line - Qual é o futuro de nossos ódios?
Jean-Pierre Lebrun - Esta é precisamente a questão: que futuro há para os ódios, se os mecanismos pelos quais nós os constrangemos a se transformarem em outra coisa que não seja a destruição, se encontram em dificuldade. A resposta é simples – ainda mais violência!
IHU On-Line - Por que o evitar o ódio se deu em nossos dias pela forclusão do encontro?
Jean-Pierre Lebrun - Para que haja encontro, se faz necessária a confrontação com a alteridade. Em francês, alteridade ressoa como “alterar”, o que quer dizer abismar. O encontro com a alteridade jamais deixa indene. Haverá vestígios do impacto, cicatrizes do choque. E, progressivamente, este encontro tornará menos violento um novo encontro: a alteridade terá sido tornada presente de tal maneira que o indivíduo não será mais abalado completamente pelo choque do desconhecido, do radicalmente outro. E, então, não deverá mais se deixar ir retrucando através do ódio, para lhe dar curso por sua violência, pois ele terá, pouco a pouco, tolerado que o outro o perturbe, o embarace. É o que podemos esperar de melhor.
IHU On-Line - Quais seriam as diferenças que apontaria entre o ódio e gozo do ódio?
Jean-Pierre Lebrun - O ódio é em si inerente à psique! Mas o gozo do ódio é da responsabilidade do indivíduo! Odiar é um fato, mas desfrutar seu ódio é, por exemplo, encontrar uma satisfação no fato de entretê-lo e sustentá-lo, o que não é a mesma coisa!
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O Outro, o ódio, a linguagem e a violência. Entrevista especial com Jean-Pierre Lebrun - Instituto Humanitas Unisinos - IHU