26 Março 2009
Desde 2006 em discussão, o Plano Decenal de Energia prevê, conforme o mais recente relatório, uma grande expansão de hidrelétricas e termoelétricas, além de produção de biocombustível pelo Brasil. “Provavelmente, o maior problema está relacionado à questão do Rio Xingu, pois esse plano deixa claro que Belo Monte teria 11 mil megawatts. No plano anterior, a previsão era de no máximo seis megawatts”, descreve o professor Philip Fearnside, nesta entrevista que ele concedeu, por telefone, à IHU On-Line.
Fearnside critica o plano e argumenta que apenas parte da energia gerada a partir dessa expansão é necessária. Ele diz que “o grosso da energia produzida está indo para a produção de alumínio e outros produtos para exportação, que não seriam usados no Brasil. Assim, estamos exportando energia em forma de alumínio, uma coisa que traz muito poucos benefícios para nosso país. Os empregos gerados, por exemplo, vão para outros países onde esse alumínio é transformado em outros produtos”.
Philip Fearnside, graduado em Biologia pelo Colorado College, nos Estados Unidos, é, atualmente, professor da Universidade Federal do Amazonas e pesquisador do CNPq e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - Inpa. É especialista em Sistemas de Informações Geográficas, pela USP. Possui mestrado em zoologia e doutorado em Ciências Biológicas, pela University of Michigan, nos Estados Unidos.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual a sua opinião sobre o Plano Decenal de Expansão de Energia?
Philip Fearnside – Temos muitos problemas porque estão prevendo uma grande expansão de hidrelétricas e outros geradores de energia que causam o efeito estufa e muitos impactos ambientais. Na Amazônia, a previsão é de geração de 18 mil megawatts de potência. Provavelmente, o maior problema está relacionado à questão do Rio Xingu, pois esse plano deixa claro que Belo Monte teria 11 mil megawatts. No plano anterior, a previsão era de no máximo seis megawatts. Agora, fica claro que irá mais além. Essa é a grande questão, por causa da possibilidade de construir outras hidrelétricas no Rio Xingu que, originalmente, tinha um plano para seis hidrelétricas. Agora, com esse plano, serão inundadas vastas áreas indígenas, além de destruir partes da floresta tropical. Esse plano tem recebido muitas críticas. Belo Monte é um lugar maravilhoso para construção de hidrelétrica, em termos de engenharia, mas a construção dessas outras hidrelétricas planejadas pode ser catastrófica. A grande questão tem sido a capacidade de instalar todas essas construções lá. Grande parte da capacidade de 11 mil megawatts ficará ociosa na maior parte do tempo se não tiver água no Rio Xingu. É uma questão muito preocupante.
Outra coisa que acho importante destacar no plano é que ele não questiona o que seria feito com a energia, simplesmente presumindo o aumento muito grande da quantidade de energia que o Brasil usa. Boa parte dessa energia não será usada pelo povo brasileiro. As pessoas, quando pensam em energia elétrica, pensam na lâmpada da sua casa, na televisão, ou seja, no uso direto doméstico, mas o grosso da energia produzida está indo para a produção de alumínio e outros produtos para exportação, que não seriam usados no Brasil. Assim, estamos exportando energia em forma de alumínio, uma coisa que traz muito poucos benefícios para nosso país. Os empregos gerados, por exemplo, vão para outros países onde esse alumínio é transformado em outros produtos. O custo ambiental e social para produzir essa energia com cada vez mais hidrelétricas são coisas que não estão dentro do cálculo, só fala do preço de comprar a energia. Mesmo isso é subsidiado, afinal as hidrelétricas são construídas com o dinheiro dos contribuintes brasileiros, por todo mundo que paga a conta de luz no fim do mês. Precisamos discutir o que será feito com a energia e os planos são para duplicar a produção de energia nos grandes centros de produção de alumínio no país. Estas questões precisam ser resolvidas primeiramente e depois sim se passa para as opções de produção de energia. O que fazer com a energia deve ser o ponto de partida.
IHU On-Line – A energia gerada a partir desse plano é realmente necessária?
Philip Fearnside – Uma parte é necessária, mas outra parte, definitivamente, não é necessária. A parte usada domesticamente no Brasil é necessária. É verdade também que podemos diminuir também o consumo doméstico de energia no país. O chuveiro elétrico é o mais gritante. O Brasil é um dos poucos países no mundo que usa chuveiro elétrico para esquentar água para tomar banho, o uso menos eficiente de uso de energia que se possa imaginar porque cada vez que se transforma em energia, uma boa parte é perdida, ou seja, você transforma energia em gás natural e, a cada transformação, se perde um pouco de energia. Então, essas novas usinas transformam eletricidade que irá para a casa de cada pessoa onde se transforma novamente em calor para esquentar água. A cada passo se perde energia. Se usássemos o gás, diretamente, para esquentar água, pularíamos essas perdas todas. Esquentar água, por exemplo, é algo que pode ser feito, perfeitamente, com energia solar em muitos casos, sem usar energia fóssil. Além disso, a matriz energética brasileira é voltada para exportação, Belo Monte é um caso dessa prática. São usos que não criam muitos empregos e acabam exportando o beneficio da energia. Isso precisa ser discutido. O Brasil não tem nenhuma obrigação moral de abastecer o mercado mundial de alumínio.
IHU On-Line – A quem a energia gerada a partir das ações previstas pelo Plano Decenal de Energia vai beneficiar?
Philip Fearnside – São muitos usos de energia. No discurso, se fala das pessoas que, no Brasil, não têm luz elétrica. Mas, de fato, esse é o uso mínimo em relação à capacidade que terão essas hidrelétricas que serão expandidas. O grosso não irá parar as comunidades que não têm energia, mas sim para a exportação de alumínio e outros produtos. Isso precisa ser discutido. Obviamente, ninguém quer voltar para a idade de quando não tinha energia elétrica, mas devemos discutir sobre como usar isso e como evitar os grandes desperdícios de energia, como o chuveiro elétrico.
IHU On-Line – Que alternativas seriam mais viáveis do que as ações que estão previstas nesse plano?
Philip Fearnside – O plano inclui várias coisas, pois é um plano de energia geral. Antigamente, tinha planos decenais de eletricidade só, agora é de expansão energética que inclui petróleo, carvão, bicombustíveis, muitas coisas além de eletricidade. É verdade que uma parte dessas energias ditas alternativas tem pouca ênfase no plano, poderia ser aumentada. A questão dos bicombustíveis também é polêmica. Como se sabe, tem benefícios reais em termos de evitar a emissão de gases de efeito estufa, ao mesmo tempo em que impacta ambientalmente, pois há um impacto indireto nesse sentido que não está tratado no plano. São muitas coisas que precisam ser discutidas. O plano toca nesses vários assuntos, mas a ênfase é a expansão de termelétricas – muitas vão contra ao que está dito no Plano Nacional de Mudanças Climáticas, lançado em dezembro do ano passado – e a expansão, em grande escala, de geração de hidrelétrica. É bom dizer que hidrelétricas também emitem gases, tanto pela destruição da floresta quanto pela emissão de metano. São coisas que vão impactar muito no meio ambiente. Muitos trabalhos têm alertado para essa questão, há muito tempo.
IHU On-Line – Que tipo de interferência a Amazônia deve sofrer com a execução desse plano?
Philip Fearnside – No caso da Amazônia, o principal impacto será gerado pela expansão e construção de hidrelétricas. Esse assunto afeta muito a região, pois é um motor de desmatamento, em função dos alagamentos. Alguns locais têm muita população humana. A hidrelétrica de Marabá tem prioridade nesse plano que foi lançado, mas é uma área que tem um número grande de famílias morando no local. Isso causa um impacto humano e obviamente também ambiental. Além disso, mais estradas devem ser construídas, por exemplo. Isso envolve outros impactos, como a migração de peixes e tartarugas que vai influenciando toda a vida no rio. Os casos de peixes que reproduzem nas cabeceiras e depois crescem rio abaixo são importantes, pois serão atingidos pelas hidrelétricas, influenciando a sua rotina e sua produção e, por sua vez, impactarão economicamente na região. Esses impactos precisam ser ponderados com os benefícios que as barragens gerarão, antes de as decisões serem tomadas. Esse plano mostra apenas as construções que serão feitas, mas não os impactos que devem fazer parte da decisão.
IHU On-Line – Quem é o vilão, no nosso dia a dia, em relação ao consumo de energia? E que alternativas deveríamos adotar?
Philip Fearnside – As pessoas precisam pensar no uso de energia na sua vida particular. Não podemos deixar a luz acesa em ambientes vazio, a televisão ligada sem ninguém assistindo. Esse tipo de coisa usa uma quantidade significativa de energia. Há muita energia sendo enviada para usos fantasmas, como aparelhos domésticos que têm um estado dormente quando não se está usando para manter-se em estado de espera. Somando esse uso ao longo do ano, veremos que há muita energia sendo destinada para isso. São muitas coisas pequenas que precisam ser mudadas. É possível usar muito menos energia simplesmente tomando esse tipo de medida. Fora isso, acho muito importante as pessoas reconhecer que têm um papel como cidadãos, ou seja, têm influencia sobre as decisões do governo e esse papel irá influenciar no que vai acontecer nas próximas décadas. As decisões não são apenas do governo, mas de toda uma população.
IHU On-Line – Mudanças de atitude no dia a dia, hoje, são suficientes para contribuir para diminuição dos problemas ambientais?
Philip Fearnside – Os problemas ambientais são muito grandes. O aquecimento global está muito ligado ao uso de energia no mundo hoje. As mudanças individuais são essenciais para controlar esses problemas, além das políticas maiores, que devem ser a soma de todas as decisões dos indivíduos. É essencial mudar. O Brasil é um dos países que mais vai sofrer com os problemas do aquecimento global, a Amazônia está em perigo.
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"É essencial mudar". Entrevista especial com Philip Fearnside - Instituto Humanitas Unisinos - IHU