03 Agosto 2024
"A transformação da natureza em mercadoria para potencializar o mercado capitalista e ampliar a capacidade competitiva do Brasil tem impulsionado a exploração irracional da Amazônia, colocando o bioma em perigo de extinção. A produção e exportação de commodities a partir da exploração de espécies naturais multiplicam as ações das mineradoras, das indústrias farmacêuticas, das indústrias eletroeletrônicas, das usinas hidrelétricas, das madeireiras, do agronegócio, da agropecuária, das empresas de fornecimento de água e até da comercialização do ar (créditos de carbono) e da vida (biodiversidade)", escreve Sandoval Alves Rocha.
Sandoval Alves Rocha é jesuíta, doutor em Ciências Sociais pela PUC-Rio, mestre em Ciências Sociais pela Unisinos, bacharel em Teologia e bacharel em Filosofia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), trabalha no Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (Sares), em Manaus.
A história da região amazônica a partir da chegada dos europeus no século XVI é marcada pela exploração dos recursos naturais para beneficiar empresas e nações do Velho Continente. Ao aportarem neste território, logo perceberam o grande potencial exportador da Amazônia, focando primeiramente na extração das chamadas “drogas do sertão”, que eram produtos regionais apreciados pelos europeus e encontrados na Floresta, como a canela, o guaraná, o anil, a salsa, o urucum, a noz de pixurim, o pau-cravo, o gergelim, o cacau, a baunilha e a castanha. Deste o começo, a empresa colonizadora ignorava ou demonizava os valores locais, as culturas e povos originários, pois estavam interessados unicamente na riqueza que a Amazônia podia oferecer.
A busca pelas riquezas da região inspirou o surgimento de lendas como o eldorado amazônico. O eldorado representava as expectativas europeias de encontrar metais preciosos que poderiam ser apropriados por quem os encontrasse, impulsionando perigosas expedições pelo território. Segundo a lenda, no coração da floresta amazônica reluzia uma cidade com prédios e telhados dourados, habitadas por índios, que tomavam banho de ouro em pó às margens de lagos de ouro. Em diferentes épocas e circunstâncias, a empresa exploradora atuou no território amazônico em busca de riquezas de diferentes espécies, se destacando também a busca pelo látex, tão apreciado na Europa e nos Estados Unidos.
A partir do século XX, as riquezas naturais da Amazônia continuaram atraindo os olhos das empresas e potências internacionais, que precisam dos produtos regionais para uso imediato ou reservas para o futuro. Os grandes projetos amazônicos, financiados por governos brasileiros e multinacionais também buscavam e buscam se apropriar dos recursos naturais do território para beneficiar outras regiões do país e do mundo, transformando a Amazônia em uma fronteira do mercado nacional e internacional. O espaço continua sendo um lugar a ser saqueado. Mudaram somente as formas de exploração e as tecnologias utilizadas.
A transformação da natureza em mercadoria para potencializar o mercado capitalista e ampliar a capacidade competitiva do Brasil tem impulsionado a exploração irracional da Amazônia, colocando o bioma em perigo de extinção. A produção e exportação de commodities a partir da exploração de espécies naturais multiplicam as ações das mineradoras, das indústrias farmacêuticas, das indústrias eletroeletrônicas, das usinas hidrelétricas, das madeireiras, do agronegócio, da agropecuária, das empresas de fornecimento de água e até da comercialização do ar (créditos de carbono) e da vida (biodiversidade).
A ânsia exploradora rompe todos os limites, alterando o território e transformando a Amazônia em uma grande feira livre, onde o que importa é o lucro. Investindo contra a natureza, contra os direitos fundamentais dos povos e comunidades, contra as culturas tradicionais e contra os projetos locais, a atuação desta empresa colonizadora e saqueadora promove a aceleração das mudanças climáticas e a deterioração do território. A ganância ilimitada, o consumismo irracional e o negacionismo ecológico inviabilizam a existência do bioma amazônico, tornando o futuro do planeta uma incógnita.
Sob este regime do mercado não há saída confiável, pois ele beneficia somente uma elite endinheirada, eternizando a desigualdade, ampliando a pobreza e destruindo o meio ambiente. Os desastres ambientais apontam para a necessidade de se reinventar as relações entre os humanos e destes com a natureza. É preciso lembrar que o mercado é somente uma criação humana. O mercado foi feito para o homem e não o homem para o mercado. Ele não é o senhor, mas somente um instrumento que pode e deve ser controlado na medida em que isso é conveniente para a realização da vida humana.
É necessário ampliar a nossa ação e vivência fora do regime da mercadoria. Voltarmos a praticar ações em desuso como a gratuidade, a empatia e a hospitalidade. É possível viver para além do mercado. Um novo mundo é possível e necessário!
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A Amazônia saqueada. Artigo de Sandoval Alves Rocha - Instituto Humanitas Unisinos - IHU