20 Abril 2024
Cerca de 2.000 invasores foram retirados da Terra Indígena Apyterewa, no sul do Pará. Eles atuavam ilegalmente sobretudo com a pecuária. BNDES é cobrado por ser acionista da JBS, que recebeu animais criados ilegalmente na área.
A reportagem é de Daniel Camargos, publicada por Repórter Brasil, 17-04-2024.
Após a retirada de milhares de bois e invasores da Terra Indígena (TI) Apyterewa, no sul do Pará, lideranças do povo Parakanã vêm se mobilizando para que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) seja responsabilizado pelo desmatamento causado pela criação ilegal de gado dentro da área e arque com os custos da recuperação florestal.
O banco estatal é cobrado por ser o segundo maior acionista do frigorífico JBS, com 20,81% de participação. Controlada pela holding dos irmãos Joesley e Wesley Batista, a empresa recebeu animais de pastagens ilegais abertas na Apyterewa.
Investigações da Repórter Brasil mostraram estratégias usadas por criadores de bois para driblar as políticas de frigoríficos que restringem a compra de animais oriundos de locais proibidos, como terras indígenas e reservas ambientais.
A Apyterewa convivia com invasores mesmo antes de ser homologada, em 2007. Contudo, a invasão cresceu nos últimos anos. Com 773 mil hectares de área, o equivalente a cinco municípios de São Paulo, o território teve cerca de 100 mil hectares destruídos pelos invasores, ou 13% do total, segundo o Ministério Público Federal (MPF).
A devastação só foi contida após o governo federal cumprir determinação do STF (Supremo Tribunal Federal) e realizar uma operação de desintrusão (retirada dos invasores), iniciada em outubro de 2023 e concluída em fevereiro deste ano.
Um mapa produzido pela organização Florestas & Finanças, em parceria com a Associação Indígena Tato’a, mostra o tamanho do estrago causado pelos invasores – principalmente criadores de gado, mas também madeireiros e garimpeiros (veja abaixo).
Os limites da Apyterewa estão marcados em preto. Já a destruição (em amarelo e vermelho) concentra-se nas fronteiras sul e leste do território indígena. Em azul, o limite da terra indígena original reivindicada pelo povo Parakanã (Reprodução: Florestas & Finanças e Associação Indígena Tato’a)
O desafio agora é reflorestar a área perdida, explica Wenatoa Parakanã. Ela preside a Tato’a e se soma a uma comitiva com outros representantes do seu povo que viajará ao Rio de Janeiro para cobrar do BNDES recursos para recuperar a floresta.
“O BNDES deu dinheiro para os fazendeiros ficarem mais fortes e derrubarem a floresta”, afirma Wenatoa Parakanã. Com 32 anos, ela é a primeira mulher a liderar o povo Parakanã. “Estamos animados e queremos reocupar o território para que os fazendeiros não voltem mais. Precisamos fazer o reflorestamento e recuperar tudo que a gente perdeu”, detalha.
Em nota, o BNDES afirma que é acionista minoritário, por meio do BNDESPAR, e não pode fazer considerações sobre as operações das companhias de sua carteira. O banco disse, contudo, que reconhece a relevância do caso e vai informar seus representantes no conselho de administração da JBS para que eles possam induzir a empresa a “dedicar esforços na sustentabilidade e nas melhores práticas ambientais da sua cadeia de produção, inclusive em relação ao rastreamento do gado adquirido”. Leia a íntegra da nota.
O plano é ampliar o número de aldeias, passando das 22 atuais para 29, segundo Wenatoa. Os Parakanã também querem desenvolver um sistema de vigilância do território para impedir o retorno de invasores. “Não vamos deixar entrar nenhum gado mais”, afirma.
Na próxima quinta-feira (18), os Parakanã terão uma reunião com a ouvidoria do banco público de desenvolvimento. Além dos indígenas, vão participar da reunião representantes do Ministério Público Federal e da coalizão internacional Florestas & Finanças, que analisa investimentos de instituições financeiras em commodities com risco de desmatamento. A Repórter Brasil é um dos membros da coalizão.
Além de buscar recursos para o reflorestamento, o grupo quer alertar o BNDES para os riscos de investimentos na JBS, que estão sujeitos a causarem danos ambientais. “Queremos compromissos concretos”, afirma Tarcísio Feitosa, articulador do Brasil do Florestas & Finanças.
Em outubro do ano passado, quando teve início a operação de desintrusão, os representantes dos Parakanã protocolaram uma reclamação formal contra a JBS na Securities and Exchange Commission (SEC), a comissão de valores mobiliários dos Estados Unidos, órgão que disciplina o funcionamento do mercado de capitais no país e a atuação de seus protagonistas.
O documento assinado por indígenas acusa a JBS de apresentar informações enganosas no pedido em que tenta se credenciar para lançar ações na New York Stock Exchange (Nyse), a bolsa de valores de Nova York.
A JBS disse que as fazendas que estavam dentro da TI Apyterewa e que foram apontadas como fornecedoras da empresa foram bloqueadas em 2022. Segundo a empresa, a rastreabilidade dos bois é um desafio de todo o setor e a JBS está empenhada há 15 anos no tema, além de defender a implantação de um programa nacional para tratar da questão.
A companhia citou também que participa de um projeto-piloto de rastreabilidade no Pará e que desenvolveu a plataforma pecuária transparente para monitorar seus fornecedores. Para a empresa, a listagem das ações nos EUA vai acelerar os esforços para aprimorar governança corporativa e transparência. Leia a íntegra da nota.
Investigações da Repórter Brasil revelaram que parte dos bois da reserva é comercializado para grandes frigoríficos usando uma triangulação conhecida como “lavagem de gado”, quando produtores encobrem a origem ilegal de seu rebanho, registrando a passagem dos animais por uma fazenda que não tem impedimentos socioambientais para vender ao frigorífico. Um levantamento do MapBiomas apontou que aproximadamente 98% da floresta destruída na TI Apyterewa deu lugar ao pasto para criação de bovinos.
Em outubro de 2023, a equipe da Repórter Brasil acompanhou o início da operação de desintrusão da terra indígena. Uma decisão do Supremo Tribunal Federal obrigou o governo federal a preparar uma operação de guerra para expulsar os invasores. A operação foi coordenada pela Secretaria Geral da Presidência e teve participação da Força Nacional, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, além de agentes da Abin, ANP, Ibama, Incra, Advocacia Geral da União, Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Censipam, Funai e os ministérios do Trabalho e Emprego, Casa Civil e Justiça.
Homologada em 2007, a Apyterewa foi a TI mais desmatada do Brasil durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), entre 2019 e 2022. Durante a operação de desintrusão, políticos bolsonaristas e também aliados do governador Helder Barbalho (MDB), apoiador do presidente Lula (PT), pressionaram para que a operação fosse abortada.
O momento mais tenso foi quando a Força Nacional matou um dos invasores com um tiro de fuzil. O episódio quase levou ao fim da operação, gerando uma disputa entre Flávio Dino, então ministro da Justiça, e a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, segundo reportagem da Sumaúma.
A tensão, contudo, permaneceu. Áudios obtidos pela Repórter Brasil e atribuídos a um grupo de WhatsApp chamado “Máfia da Tora” revelam dois homens conversando sobre a compra de armas que seriam usadas contra agentes da Força Nacional e de outros órgãos envolvidos na desintrusão. “A vontade que dá é estar bem localizado com uma [arma] 357, entendeu, ‘catar’ um por um e dar na cabeça, um satanás desse aí”, afirmou um deles.
A operação seguiu com a saída de cerca de 60 mil cabeças de gado da terra indígena e dos invasores, que se concentravam, principalmente, na Vila Renascer. O local tinha cerca de 2.000 moradores, que construíram suas casas a partir de 2016, vizinha a uma base de operações da Funai. Todas as residências foram destruídas.
Em março, uma comitiva do governo federal foi à Terra Indígena para uma cerimônia para celebrar o encerramento da operação de retirada dos invasores. Na ocasião, a ministra Sônia Guajajara assinou uma carta de compromisso para a implantação de um Plano de Gestão Ambiental e Territorial (PGTA) que prevê recursos de R$1,5 milhão para as ações na TI.
Procurado para detalhar o plano e se há recursos previstos para a recuperação da área, o Ministério dos Povos Indígenas disse que participa do plano de recuperação promovido pela Associação Tato’a e que, para isso, R$ 1,5 milhão serão arrecadados em acordos de cooperação internacional.
Segundo a pasta, a Funai mantém bases de proteção no território “realizando abordagem e controle de invasores”. Enquanto a reocupação não é concluída, a Força Nacional segue dando suporte de proteção.
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Povo Parakanã cobra BNDES por reflorestamento de território devastado no Pará - Instituto Humanitas Unisinos - IHU