12 Junho 2023
Talvez poucos se lembrem de seu nome, mas suas ideias sim: há mais de meio século, Gustavo Gutierrez escreveu o livro Teologia da libertação. No dia 8 de junho, o dominicano peruano completou 95 anos.
A reportagem é de Michael Jacquemain, publicada por Settimana News, 11-06-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
O sacerdote peruano Gustavo Gutierrez com seu livro Teologia da libertação publicado há cerca de 50 anos, tornou-se cofundador e aquele que deu nome à Teologia da Libertação. Olhando para trás, pode-se dizer que o livro do “padre dos pequeninos”, respeitado em todo o mundo, representa o fim do habitual intercâmbio unidirecional entre a Europa e o resto do mundo cristão.
De fato, pela primeira vez, desenvolveu-se um autêntico intercâmbio, porque, em nível local, uma prática e uma teologia independentes já haviam se estabelecido.
No centro de sua teologia está a "opção pelos pobres". A novidade é que, com tal abordagem, a fé cristã se enraíza na história, no aqui e agora voltada para os pobres, para as vítimas de sistemas ditatoriais ou oligárquicos, tanto de direita quanto de esquerda.
O teólogo Gutierrez não pretendia elaborar um conjunto de doutrinas e ideias, mas sim ajudar as pessoas simples do lugar a interpretar suas vidas no espírito do Evangelho. Trata-se - para usar uma expressão teológica - de ortopráxis e não de ortodoxia.
Seu percurso cultural
Na Europa, Gutierrez estudou medicina, arte, filosofia, psicologia em Lyon, Louvain, Roma e Paris e, finalmente, teologia, pois, com o tempo, amadureceu nele o desejo de se tornar padre. Ele só se tornou dominicano em 1999. Sua entrada na ordem coincide com os problemas levantados pelo ex-arcebispo de Lima, o ultraconservador Card. Juan Luis Cipriani Thorne, do Opus Dei.
Para Gutierrez era claro: era melhor encontrar proteção em uma ordem religiosa do que se submeter a Cipriani. O teólogo da libertação Gustavo Gutierrez e o então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, card. Gerhard Ludwig Müller, são amigos há muitos anos.
Apesar do chamado para lecionar em numerosas cátedras e das cerca de duas dezenas de doutorados Honoris causa obtidos em todo o mundo, incluindo as universidades de Tübingen e Freiburg, Gutierrez continuou voltando para sua cidade natal, Lima, vivendo nos bairros pobres, o que correspondia ao seu estilo de vida modesto e onde se sentia em casa. Seu trabalho científico andava de mãos dadas com a proximidade com a base.
Por mais empenhado que estivesse com a pesquisa teológica, gostava de estar com as pessoas das favelas. Para ele, a teologia vem “do coração da Igreja”, mas, ao mesmo tempo, deve ser sempre uma “resposta à realidade social”. A sua abordagem teológico-científica consiste em “refletir sobre a situação dos pobres e marginalizados” e, ao mesmo tempo, promover a práxis eclesial com base na realidade e no Evangelho.
Grande parte da população da América Latina já se encontrava empobrecida nos anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial. Gutierrez lidou com o problema muito cedo: "Como dizer aos pobres 'Deus te ama'? Essa é a pergunta mais importante para o nosso mundo hoje. Impossível responder. Mas faz parte da resposta viver com os pobres, tornar-se um deles”.
Sua obra vive na história
Gutierrez também admitiu seus erros. Quase 20 anos após a publicação de sua Teologia da libertação, publicou uma nova versão, em parte "revisada e corrigida", daquela obra-prima da literatura teológica mundial.
A Congregação para a Doutrina da Fé em Roma trabalhou por muito tempo em sua obra, mas no final não teve resultado. Também porque o ex-prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o cardeal Gerhard Ludwig Müller apoiou o trabalho de Gutierrez de forma convicta e em Roma lutou decisivamente a seu favor.
No que diz respeito ao seu impacto na história, este homem, de estatura muito pequena e de feições marcadas, muitas vezes sorridente, é grande. Muito do que foi pensado e ensinado teologicamente nas últimas décadas está enraizado em seu pensamento sistemático.
Hoje Gutierrez mostra os sinais da idade. Ele tem dificuldade para andar. É cuidado e acompanhado no dia a dia por amigos em uma comunidade de base em Lima. Certamente não escreverá nenhum novo livro aos 95 anos. Ele já escreveu sua obra para a história.
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Os 95 anos de Gustavo Gutiérrez - Instituto Humanitas Unisinos - IHU