16 Janeiro 2023
Em poucos meses, enquanto o mundo marca o décimo aniversário da eleição do Papa Francisco, certamente haverá muitos comentários sobre o que mudou e o que não mudou na Igreja neste pontificado. Para os ativistas LGBTQIA+, no entanto, uma indicação de quanto progresso foi alcançado aconteceu no final do ano passado – e oferece um estímulo para continuar buscando a igualdade em 2023.
A reportagem é de Robert Shine, publicada por New Ways Ministry, 13-01-2023. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
A cada cinco anos, os bispos de uma determinada região fazem sua visita ad limina a Roma, onde se encontram com o papa e os oficiais da Cúria, ostensivamente para discutir questões específicas da Igreja naquela região. Antes do pontificado de Francisco, as visitas eram consideradas unidirecionais: o Vaticano ditava aos bispos visitantes o que eles deveriam fazer e como a igreja local deveria proceder. O diálogo era escasso. Sob Francisco, os líderes da Igreja notaram uma mudança nessas visitas, que agora são percebidas como mais colaborativas e de conversação, direcionadas em grande parte pelas necessidades dos bispos visitantes.
Mudar o estilo das reuniões pode parecer irrelevante para a causa da igualdade LGBTQIA+. No entanto, há substância nessa mudança de estilo, exemplificada pela visita ad limina dos bispos belgas em novembro passado.
Apenas dois meses antes de sua visita ao Vaticano, os membros flamengos da Conferência dos Bispos Belgas (isso é, os bispos da região de língua neerlandesa, o Flandres) lançaram uma nova iniciativa pastoral para a inclusão LGBTQIA+ – incluindo uma liturgia para abençoar casais queer. Ao divulgar o texto, os bispos do Flandres ignoraram a dura proibição de 2021 da então Congregação para a Doutrina da Fé de tais bênçãos. À medida que a ad limina se aproximava, os observadores especulavam sobre a recepção que os líderes da Igreja belga poderiam receber no Vaticano. Certamente, sob os papas anteriores, uma repreensão severa ou até mesmo sanções podem ser esperadas, mas a liberação da liturgia da bênção ainda não gerou nenhuma resposta de Roma.
Na visita ad limina, nenhuma repreensão ou sanção foi emitida. Em vez disso, os bispos belgas estavam “eufóricos” após o encontro de duas horas com o Papa Francisco, segundo o jornal Nederlands Dagblad, o cardeal Jozef de Kesel, de arcebispo de Mechelen-Bruxelas, comentou que “a atmosfera mudou” no Vaticano em comparação com as visitas dos predecessores de Francisco. Kesel continuou: “A recepção foi muito calorosa em todos os lugares... Conversamos sobre muitas questões que afetam nossas Igrejas locais. Cada vez também nos diziam que eles queriam nos ouvir para entender nossa situação”. A reportagem do jornal mencionou especificamente a discussão de questões LGBTQIA+:
“A ‘bênção gay’ dos bispos flamengos também foi discutida. Aliás, o cardeal de Kesel não falou muito explicitamente sobre uma bênção gay ou sobre uma liturgia, mas com mais cuidado sobre um ‘momento de oração em que pedimos a Deus que ajude e abençoe essas pessoas’”.
“‘Estou muito feliz por termos conseguido explicar e por termos sido ouvidos’, disse de Kesel, que apontou que não há tensões entre os bispos flamengos e francófonos sobre esse assunto”.
“‘Nós nos concentramos em gays religiosos que estão tentando viver uma vida que é possível para eles. Que encontraram um parceiro com quem podem compartilhar suas vidas. Você deve ser realista: o celibato é um carisma, um dom que não é para todos’”.
A visita ad limina dos bispos alemães, que também ocorreu em novembro passado. John Allen, do Crux, observou que a visita estava sendo montada por muitos observadores como um confronto, dadas as tensões persistentes entre o Vaticano e o processo do Caminho Sinodal da Alemanha. Mas foi menos um confronto final do que uma distensão. O Crux relatou que os bispos alemães simplesmente recusaram uma proposta do Vaticano para colocar uma moratória no Caminho Sinodal. Sobre essas visitas Allen concluiu:
“O simples fato da questão é que, apesar da diferença de tratamento – os alemães receberam um pouco de frieza, os belgas um abraço caloroso e amoroso – em nenhum dos casos o Papa Francisco realmente ordenou que qualquer um dos grupos se retirasse. Em vez disso, a impressão é que, apesar de quaisquer reservas que alguns de seus assessores vaticanos possam ter, o pontífice se contenta em deixar que esses desenvolvimentos aconteçam”.
“Em segundo lugar, também parece justo dizer que os dias em que um decreto da Congregação para a Doutrina da Fé era tomado como definitivo, significando a última palavra sobre um assunto na igreja, pareceria ter acabado”.
Analisar como o estilo de algumas reuniões do Vaticano muda provavelmente não será de grande interesse para a maioria das pessoas. Mas os ativistas LGBTQIA+ católicos devem prestar atenção a isso: as mudanças aparentes nessas reuniões só são possíveis por causa de décadas de trabalho persistente dos católicos de base para criar uma Igreja mais inclusiva e justa. O Papa Francisco revelou repetidas vezes que está disposto a permitir que católicos, líderes da Igreja e leigos explorem como viver a fé de maneira concreta e atenta às realidades pastorais. Suas reuniões ad limina com os bispos da Bélgica e da Alemanha são mais uma prova. Em 2023, católicos LGBTQIA+ e aliados devem manter os esforços de reforma e renovação no espaço que o Papa Francisco criou.
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“A atmosfera mudou”: bispos da Bélgica discutem bênçãos queer no Vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU