27 Outubro 2022
“As ordens religiosas abraçaram o Vaticano II mais rapidamente do que muitas dioceses. As ordens religiosas são mais adaptáveis às mudanças do que as dioceses. Os bispos são nomeados e permanecem no cargo até os 75 anos de idade. Os superiores religiosos são eleitos por mandatos fixos. Em termos seculares, podemos dizer que as ordens religiosas são empreendimentos, e que as dioceses são como burocracias estatais. Historicamente, a mudança e a reforma vêm de ordens religiosas e não da hierarquia”, escreve o jesuíta e jornalista estadunidense Thomas Reese, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 26-10-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Há 60 anos, um mês após minha entrada no noviciado jesuíta em Los Gatos, Califórnia, o Concílio Vaticano II foi inaugurado em Roma. Ninguém se importou de contar isso aos noviços. O concílio se desenrolou por três anos, durante os quais eu fiz votos e estudei latim e grego sem saber o que estava acontecendo lá.
Nesses dias anteriores ao Vaticano II, o noviciado era o que os sociólogos chamam de “instituição total”, completamente isolado do resto do mundo, sem acesso a jornais, rádio ou televisão. Exceto nas minhas idas ao dentista, passei quatro anos sem conversar com mulheres de fora da minha família. A ideia era nos isolar do mundo e então nós poderíamos nos dedicar para a formação jesuíta.
Por exemplo, estávamos em um retiro durante a crise dos mísseis, e ninguém se importou de nos dizer o que estava acontecendo. Durante uma pausa em nossos estudos, eu encontrei uma cópia do jornal U.S. News & World Report e o li do início ao fim – o jornal era do ano anterior.
Mas algo, não lembro como, eu ouvi sobre publicações de documentos do concílio. Junto com um colega, fui até o reitor do seminário e o perguntei se nós poderíamos ter cópias desses documentos do Vaticano II. Ele disse que iria pensar sobre e consultaria algumas pessoas da faculdade.
Eles enfim decidiram que dois de nós poderíamos ter cópias dos documentos, mas eles não os deixaram disponíveis abertamente para todos. Um mês depois, eles mandaram todos lerem.
O reitor era um homem maravilhoso e um acadêmico shakespeariano que poderia recitar centenas de linhas de Shakespeare da memória. O ensino era em latim e grego. Eles estavam totalmente fora do mundo moderno.
Relato essa história para mostrar como muitos jesuítas estavam despreparados para as mudanças que viriam à esteira do Concílio. Passamos quatro anos indo à missa diária em latim e nunca esperávamos ver a missa em inglês. Fomos ensinados que a Igreja era perfeita e não precisava mudar.
Depois de quatro anos de isolamento em Los Gatos, fui para a Universidade de St. Louis para estudar filosofia, e o inferno começou. A missa foi para o inglês, e começamos a receber do cálice. Enquanto isso, o mundo estava um caos com a guerra no Vietnã e o conflito racial nos EUA. Estando no campus, não podíamos mais ficar isolados do mundo.
Os encarregados da formação jesuíta deram pouca orientação porque também não entendiam o que estava acontecendo. Tornou-se difícil ver os superiores como a voz de Deus quando eles estavam tão claramente fora disso.
Após cerca de cinco anos, as coisas finalmente se acalmaram; foram nomeados superiores que entendiam o Vaticano II. Mas a transição foi difícil. Você sentiu como se estivesse segurando sua vocação com as unhas e sem rede de segurança abaixo. Muitos foram embora.
As ordens religiosas abraçaram o Vaticano II mais rapidamente do que muitas dioceses. As ordens religiosas são mais adaptáveis às mudanças do que as dioceses. Os bispos são nomeados e permanecem no cargo até os 75 anos de idade. Os superiores religiosos são eleitos por mandatos fixos. Em termos seculares, você pode dizer que as ordens religiosas são empreendimentos, e que as dioceses são como burocracias estatais. Historicamente, a mudança e a reforma vêm de ordens religiosas e não da hierarquia.
Relato esta história porque, infelizmente, muitos seminaristas e jovens sacerdotes passaram novamente pela mesma transição. Durante os papados de João Paulo II e Bento, os seminários diocesanos retornaram ao modelo pré-Vaticano II de isolamento do mundo. Eles foram novamente informados de que a Igreja tinha todas as respostas, e era seu trabalho quando se tornaram padres para colocar os leigos em forma. Eles até foram ensinados a amar a antiga missa em latim.
Depois veio Francisco e, como João XXIII, abriu as janelas para deixar entrar ar fresco na Igreja. Infelizmente, as pessoas que dirigem os seminários diocesanos estavam tão despreparadas para Francisco quanto as minhas estavam para o Vaticano II. Seus bispos estavam tão fora disso quanto meus superiores.
Mais uma vez, as ordens religiosas foram mais rápidas em abraçar a mudança sob Francisco do que as dioceses.
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Mudança não é fácil de se fazer na Igreja Católica, seja com o Vaticano II ou o Papa Francisco. Artigo de Thomas Reese - Instituto Humanitas Unisinos - IHU