08 Outubro 2022
Destino de ideologia política dependerá de quem assume em 2023, mas também da capacidade de reorganização da direita democrática e do Congresso. Independente do futuro presidente, "nova direita veio para ficar".
A reportagem é de Rayanne Azevedo, publicada por Deutsche Welle, 06-10-2022.
A decisão sobre quem assume a Presidência da República em 1º de janeiro de 2023, agora adiada para o segundo turno, será crucial para o futuro do bolsonarismo enquanto ideologia política de apelo popular.
Caso não consiga se reeleger, Jair Bolsonaro (PL) perde a chave dos cofres públicos e deve ver sua base de apoio minguar drasticamente no Congresso e entre os militares.
Nesse cenário, segundo especialistas ouvidos pela DW, o bolsonarismo tende a voltar a ser o que era antes de o ex-capitão do Exército ser alçado ao poder em 2018: um movimento de nicho, restrito a um círculo de apoiadores mais radicais e com inclinações autoritárias.
Uma eventual derrota de atual presidente nas urnas, contudo, parece mais distante após a demonstração de força do bolsonarismo no primeiro turno: contrariando o quadro traçado pelas pesquisas eleitorais, ele teve 51 milhões de votos (43%), contra 57 milhões (48%) do candidato da oposição, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Além disso, seu partido, o PL, elegeu a maior bancada da Câmara (99 de 513 assentos) e ocupou 13 das 27 cadeiras na disputa no Senado. Já o PP e Republicanos, que apoiam o presidente, terão 88 deputados federais e dez senadores.
Pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), Lilian Sendretti diz ver no novo Congresso uma "desidratação da oposição de direita ao Bolsonaro", resultado do orçamento secreto. "O espaço da direita tornou-se hegemônico, tendendo ao bolsonarismo", avalia a cientista política.
Para a jornalista Consuelo Dieguez, autora de O ovo da serpente, livro que investiga as origens do bolsonarismo e sua ascensão ao poder, independente de quem vencer a eleição, uma coisa é certa: "Essa nova direita veio para ficar, e o país terá que lidar com ela. Com ou sem Bolsonaro eles estão aí e vão querer se posicionar, voltar às ruas."
A mesma avaliação é feita por Magali Cunha, doutora em Comunicação e editora do Coletivo Bereia, agência de checagem voltada para o público religioso. O bolsonarismo, sustenta ela, "é maior do que Bolsonaro", dialogando com o antipetismo, o antiesquerdismo, o conservadorismo religioso e o autoritarismo.
Caso seu líder perca, o futuro do bolsonarismo neste cenário dependerá da capacidade da direita democrática de se recompor e apresentar nomes viáveis de oposição; da relação entre o novo governo e o Congresso; e, principalmente, do desempenho de Lula à frente do Planalto.
Dieguez aponta que o eleitorado de direita comporta diversas frentes além da bolsonarista: lavajatistas, liberais na economia, conservadores nos costumes – nem todos entusiastas convictos do candidato. A viabilização de outros nomes à direita e uma construção política mais inclusiva poderia atrair quem caminha sob o estandarte de Bolsonaro por falta de opções mais viáveis, avalia.
"Toda essa nova direita é fanática bolsonarista? Acredito que não. É essa direita que precisa encontrar uma liderança que a represente", argumenta Dieguez. "As pessoas precisam de voz. Se não, o Lula fracassando, esses eleitores vão ser atraídos de novo para a ultradireita."
Ela cita ainda o número de votos dados a Bolsonaro no segundo turno como outro fator relevante: "Se ele perder por pouco do PT, será preciso ver como as forças políticas vão se organizar."
Presidente do Cebrap e professor da Unicamp, Marcos Nobre segue raciocínio semelhante: sem o surgimento de uma nova liderança da direita democrática, o país estará sob risco autoritário permanente, já que o governo terá como principal opositor a extrema direita, que detém hoje a hegemonia da direita.
Ele aposta que Bolsonaro, mesmo sem mandato, será num primeiro momento o principal nome de uma oposição "totalmente desleal” e inédita. "É uma oposição que não está preocupada em ganhar a próxima eleição. Não é essa a preocupação central, então não tem limites para o tipo de oposição que pode fazer.”
Nobre explica que a oposição democrática tem limitações porque, ao disputar o poder, sabe que precisará entregar algo coerente com as críticas que fez ao governo. "Sendo extrema direita, como o objetivo não é manutenção da democracia, não tem limitação. A eleição é só uma escadinha para chegar ao objetivo de destruir a democracia. É o autoritarismo pela via eleitoral."
Também do Cebrap, a pesquisadora Lilian Sendretti vê com ceticismo a possibilidade de reorganização da direita democrática: "Um dos diferenciais do Bolsonaro é que ele tem um carisma e uma capacidade de liderança popular que nenhum outro político da direita democrática teve, e também um perfil muito centralizador."
Se um eventual governo Lula tiver um desempenho razoável, a tendência é que o bolsonarismo se enfraqueça. "Bolsonaro não tem liderança, não tem partido e não terá a máquina para distribuir favores em troca de apoio, que é a única coisa que dá sustentação a ele", afirma Dieguez.
Em 2020, Bolsonaro chegou a tentar fundar uma legenda própria, o Aliança Brasil, após desavenças no PSL, sigla pela qual se elegeu. Mas a militância no entorno do presidente só conseguiu reunir 3,2% das quase 500 mil assinaturas necessárias à sua fundação, e a empreitada naufragou. Bolsonaro acabou migrando para o PL de Valdemar Costa Neto, condenado no escândalo do mensalão.
A nova composição do Congresso não seria exatamente confortável para Lula, que estaria sob pressão para acertar à frente do governo, mas tanto Dieguez quanto Sendretti apontam a maleabilidade do centrão como um fator atenuante. "Entre defender um ex-presidente que perdeu as eleições e só vai ter as ruas, e garantir o seu dentro do jogo político, acredito que prevaleça o fisiologismo", afirma Sendretti.
Nas ruas, contudo, o bolsonarismo deve continuar um movimento relevante. "Essa cultura está aí com força, resultou em eleições [de pessoas] para o Congresso e governos estaduais que têm compromisso com essa cultura política", afirma Magali Cunha, do coletivo Bereia.
Já para Nobre, do Cebrap, a força do bolsonarismo está em seu enraizamento social. A militância, explica ele, é eficiente em estabelecer diálogo em redes sem vinculação política. "A mensagem bolsonarista entra em grupos de mães, entra em discussões de grupos religiosos, de pessoas que procuram emprego, que precisam trocar coisas – redes de solidariedade de todo tipo. É o que se conhece tradicionalmente como trabalho de base."
"O Bolsonaro, se perder, ele precisa desse apoio popular porque é o cordão de contenção contra a sua prisão, no limite", opina Sendretti. Para ela, será difícil reverter a radicalização do eleitorado mais fiel do presidente – a pesquisadora diz se preocupar especialmente com aqueles que estão armados.
Em caso de vitória de Bolsonaro, Nobre prevê um "cenário húngaro" para o Brasil, em que o presidente manobra para neutralizar os outros dois Poderes da República: "No primeiro mandato você mina a confiança nas instituições democráticas, para num segundo mandato efetivamente fechar o regime por dentro."
Após ganhar o Congresso com a instituição do orçamento secreto, o próximo passo seria aumentar o número de juízes no Supremo Tribunal Federal (STF), reconfigurando sua composição – Bolsonaro já sinalizou essa intenção –, e aprovando uma reforma legislativa, anulando, assim, os freios e contrapesos da democracia.
"Você restringe a crítica de todos os lados. E isso já vem sendo preparado no primeiro mandato: sete em cada dez brasileiros têm medo de emitir suas opiniões, medo de violência. Isso já é uma vitória enorme do bolsonarismo, cria um medo de se expressar livremente."
Sendretti atenta ainda para o fato de que, com a composição do novo Congresso favorável ao seu governo, Bolsonaro poderia remover mais facilmente ministros do STF que o contrariem.
"Com a eleição do Bolsonaro, a maioria da população estará dizendo que é esta condução política, esta condução ideológica que ela quer", frisa Cunha. "Vai trazer um período bastante difícil para a democracia brasileira, porque essa cultura política está assentada no autoritarismo e no estado de exceção."
"O discurso raivoso e a intolerância vão aumentar. Porque não é só o discurso de: 'Eu sou de direita, você é de esquerda'. É: 'Vocês não pertencem a esta sociedade, vocês têm que ser eliminados'", alerta Dieguez. "Se ele ganha e consegue apoio do Congresso, com a máquina na mão ele faz o que quer."
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Como fica o bolsonarismo depois da eleição? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU