08 Agosto 2022
"O espaço desse volume foi aberto por Amoris laetitia, que indiretamente também para os contraceptivos estabelece o fim do modelo oitocentista. Não é justo que depois de 150 anos o tema do casamento e da sexualidade seja vivido e pensado a partir do trauma da brecha da Porta Pia", escreve o teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em artigo publicado no blog Come Se Non, 05-08-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
O que escandaliza no livro "Ética teológica da vida"? Essencialmente, a saída de uma teologia de autoridade. O que isto significa? Que as categorias que orientaram a reflexão sobre o tema no último século são demasiado grosseiras em relação ao problema. Porque dependem de uma abordagem maniqueísta, inaugurada apenas em meados de 1800, e são afetadas por uma questão política que condiciona a reflexão: a perda do poder temporal. Após a queda do poder temporal, uma tentação muito forte foi transferir um resíduo desse poder para o casamento e o sexo.
Capa do livro "Etica teologica della vita".
(Foto: Divulgação)
Se a união entre homem e mulher e a geração pertencem a Deus e não ao homem, a competência sobre eles cabe à Igreja e não ao Estado. Essa é a orientação que domina o campo da teologia católica da Arcanum divinae sapientiae (1880) até a Veritatis splendor (1993). Seu cerne não é dogmático, mas político. Precisamente no plano sistemático, essa teologia se revela extremamente frágil. Usando argumentos polarizados, que opõem Deus e homem no casamento e na geração, essa teologia esquece a tradição, muito cuidadosa não na oposição, mas na integração. O modelo polar é falso, abstrato e formal, pois união e geração são ao mesmo tempo atos de Deus e do homem, que não podem ser atribuídos ao primeiro sem reconhecer um papel decisivo também ao segundo.
Como disse toda a tradição pré-oitocentista, sobretudo a pré-tridentina, a geratio não se entende senão em três dimensões: somos gerados pela natureza, somos gerados pela cidade, somos gerados pela Igreja. Somente no século XIX, quando a natureza e a cidade pareciam se rebelar escandalosamente contra a Igreja, a Igreja teve oportunidade de pensar que a geração e o casamento fossem assuntos em que só ela era competente.
A partir de 1930, com a encíclica Casti connubii, o tema da recusa do contraceptivo passou a se identificar com o próprio catolicismo. A falta de senso de proporção, o cumprimento da obsessão contra o sexo, encontraram aqui um campo fértil por mais de setenta anos, mas as categorias com as quais o tema foi pensado eram demasiado extrínsecas e muito rígidas. O documento mais exemplar dessa fixação é o Veritatis splendor, que consegue listar em torno do conceito de "ato intrinsecamente mau" a masturbação, o uso de anticoncepcionais e o genocídio. Categorias demasiado grosseiras e pouco elaboradas levam a consequências que são ao mesmo tempo trágicas e cômicas.
Um volume que publica os estudos de uma conferência em que, finalmente, se abandona esse horizonte estreito, esses pensamentos mesquinhos, constitui um grande serviço à tradição, contra a descontinuidade introduzida pelas preocupações políticas e eclesiásticas a partir de meados do século XIX.
O espaço desse volume foi aberto por Amoris laetitia, que indiretamente também para os contraceptivos estabelece o fim do modelo oitocentista. Não é justo que depois de 150 anos o tema do casamento e da sexualidade seja vivido e pensado a partir do trauma da brecha da Porta Pia (Episódio do Risorgimento italiano que marcou o fim do poder temporal papal ao decretar a anexação de Roma ao Reino da Itália, NdT).
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Contraceptivos e a brecha da Porta Pia. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU