Cristianismo e sociedade: a centralidade da relação entre confissão e práxis. Entrevista com Fulvio Ferrario

(Foto: Reprodução | Templário de Maria)

18 Agosto 2022

 

Cristianismo e sociedade global contemporânea: sobre esses temas e sobre o estado de saúde da própria religião, particularmente na variante confessional reformada, entrevistamos o teólogo e professor de Teologia Sistemática da Faculdade Valdense de Teologia de Roma, Fulvio Ferrario.

 

 

 

Ferrario, autor de numerosas publicações e colaborador do sítio Riforma.it, ex-decano da Faculdade Valdense de Teologia, foi também coordenador da Comissão para as Relações Ecumênicas.

 

A entrevista foi concedida a Andreas Massacra, publicada em Osservatorio Globalizzazione, 23-07-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

Eis a entrevista.

 

Que desafios o mundo globalizado secularizado apresenta ao cristianismo?

 

Limitando-me à situação do Norte do mundo e em particular da Europa, creio que posso dizer que a chamada secularização tornou-se uma verdadeira descristianização: isto é, os símbolos fundamentais do cristianismo, além das narrativas bíblicas constitutivas da tradição ocidental, já são incompreensíveis para um percentual significativo da população europeia. A fé cristã, portanto, especialmente na sua expressão protestante, corre o risco de se tornar, dentro de poucas décadas, residual. Para Igrejas acostumadas ainda a pensar em si mesmas como majoritárias, embora não o sendo há já muito tempo, trata-se de um desafio enorme, para o qual elas parecem estar totalmente despreparadas.

 

 

Por outro lado, que perguntas o cristianismo levanta a este século? E ao ser humano deste século, acima de tudo...

 

Eu não saberia dizer o que a Igreja pergunta ao mundo e, em todo caso, não acho que seja importante. A pergunta pela qual a Igreja é responsável é posta a ela mesma e ao mundo em igual medida por parte de Jesus: “E vocês, quem dizem que eu sou?”.

 

Kierkegaard dizia que, onde a fé termina, começa a religião. Em uma época como esta, que parece caracterizada por um poderoso individualismo, qual o sentido dessa afirmação e que perspectivas ela abre para as Igrejas?

 

 

 

Eu não saberia responder. A distinção (ou até mesmo a contraposição) entre e religião hoje goza de uma má imagem, depois dos grandes sucessos dos anos 1960 e 1980. Por essa razão, eu evitaria de colocá-la no centro do debate, exigiria esclarecimentos demais e reflexões preliminares. Mas acho que é importante, especialmente nos chamados debates “inter-religiosos”, manter alta a vigilância em relação ao potencial de intolerância das religiões e da religião. A velha historieta, que define como “inautêntica” a religião violenta (enquanto a “autêntica”, isto é, a nossa, seria boa por definição), é banal demais para ser crível, mesmo que diversos gurus religiosos, alguns até muito escutados, reciclam-na cotidianamente.

 

Em relação ao tema do multiculturalismo e do diálogo inter-religioso, é possível falar de uma especificidade do caminho das Igrejas reformadas? E existe uma convergência sobre esses temas com o rumo que a Igreja Católica parece ter tomado com o pontificado de Francisco?

 

Multiculturalismo e diálogo inter-religioso são temas completamente diferentes. A Comunhão das Igrejas Reformadas é altamente multicultural, e, de fato, pode-se dizer que o ponto de vista europeu-norte-americano é hoje minoritário. O Sul global é portador de demandas e propostas muito diferentes daquelas que são centrais para nós. No que diz respeito ao diálogo inter-religioso, as situações e as posições são transversais em relação às Igrejas. Acho que não consigo detectar substanciais novidades em Francisco. Uma atenção inter-religiosa, que para a Igreja Católica pode parecer nova, já se encontrava em João Paulo II: porém, ela se inseria em uma visão na qual o pontífice romano tendia a se apresentar como porta-voz do Bem representado pelas religiões: o Chefe dos Homens Bons, como o escritor Stefano Benni ironizou uma vez.

 

Religião e política. Como as Igrejas reformadas leem e lidam com a situação atual de guerra? As diferentes posições entre as denominações cristãs têm razões políticas ou há uma razão doutrinal? Jogo aí também (perdoe-me a expressão) a pretensão de universalidade.

 

Sobre esse ponto, as posições são transversais no que diz respeito às confissões (ocidentais, porque a Ortodoxia, especialmente agora, é outra história), embora a oficialidade da Igreja Católica esteja amplamente condicionada pelo vocabulário papal, que pretende se apresentar como pacifista. A questão, como sempre e para além dos rótulos doutrinais (“guerra justa” etc.), diz respeito à legitimidade de princípio ou não do emprego do instrumento militar em situações extremas. Do ponto de vista prático, a discussão intracristã é pouco relevante, pois as escolhas de fundo são feitas independentemente das Igrejas. O cristianismo, por sua vez, sempre acolheu as duas almas: aquela que considera que o instrumento militar deve ser deixado para o mundo não redimido, e aquela que, em vez disso, pensa que a assunção de uma responsabilidade política na sociedade requer também os instrumentos do acaso, que incluem o militar.

 

A Igreja Valdense sempre foi muito ativa tanto na assistência às pessoas em dificuldade quanto na acolhida. Pode-se dizer que o ponto forte da comunidade valdense é essa junção entre práxis e mensagem evangélica?

 

Acredito que a relação entre confissão e práxis é central para a fé como tal e não constitui de forma alguma uma especificidade valdense. Mas não cabe a mim avaliar se e em que medida a Igreja da qual eu faço parte testemunha de modo significativo essa relação.

 

 

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