22 Julho 2022
Inflação galopante. De dois dígitos. Guerra. Problemas energéticos cada vez mais graves. Ondas de calor mais fortes e precoces. Prisões de cientistas. Matanças nas fronteiras. Retrocesso nos direitos das mulheres no – suposto - topo do Império, o que nos leva a 50 anos atrás... Justamente, 50 anos. Tudo isso tem alguma relação?
Na verdade, sim.
Completam-se 50 anos da publicação de um dos trabalhos mais importantes do século XX, Limites do crescimento. Aquele relatório encomendado ao MIT (Massachusetts Institute of Technology) que já em 1972 alertava que o planeta tinha limites e pouco tempo para enfrentar o choque contra eles.
Por isso, Dennis Meadows (Estados Unidos, 1942), um dos dois principais autores do estudo, vem concedendo entrevistas para meios de comunicação como Le Monde e Suddeutsche Zeitung. Foi uma honra entrevistá-lo.
A entrevista é de Juan Bordera e Ferran Puig Vilar, publicada por Ctxt, 21-07-2022. A tradução é do Cepat.
Segundo ele, "somos a rã que não pula da panela, cozida em fogo muito baixo. Infelizmente, acredito que essa é a nossa situação".
Mais: "Estamos como em uma esteira que está acelerando rapidamente. Você já sabe, essas esteiras na qual se corre, mas não se chega a lugar algum. Isso é o que estamos fazendo."
No cinquentenário da publicação do relatório, um dos cenários – o 'standard' – de seu modelo continua muito semelhante e condizente com a realidade. Nele, antecipavam que o crescimento seria detido à força, por volta de 2020. É isso que já estamos experimentando? Foi uma previsão ou uma predição?
Não fizemos predições. Já dissemos que é impossível “predizer” com exatidão qualquer coisa em que o comportamento humano seja um fator. O que fizemos foi modelar doze cenários consistentes com as regras físicas e sociais. Doze futuros possíveis. Um deles, o standard, como você sabe, mostrava que o crescimento seria detido por volta do ano 2020. Então, todas as variáveis (produção industrial, de alimentos etc.) atingiriam o teto e em cerca de 15 anos começariam a declinar inexoravelmente.
Isto é semelhante ao que estamos vivenciando? Eu diria que sim. O mundo está mostrando cada vez mais as consequências de um choque contra os limites.
Tivemos muito cuidado, já em 1972, deixando claro que após o pico de qualquer variável tudo se torna ainda mais imprevisível, pois entram em jogo fatores que não podiam ser representados em nosso modelo. Uma vez alcançado esse ponto, é óbvio que seremos dirigidos mais por fatores psicológicos, sociais e políticos do que por limitações físicas.
Ouvi você chamar a mudança climática de “sintoma”. Do que exatamente?
É essencial reconhecer que a mudança climática, a inflação, a escassez de alimentos, às vezes, são consideradas problemas, mas na verdade são sintomas de um problema maior.
Assim como uma dor de cabeça persistente, em certas ocasiões, pode ser um sintoma de câncer, muitas dificuldades atuais são sintomas de níveis de consumo de materiais que cresceram além dos limites do planeta. É claro que os sintomas são importantes. Uma dor de cabeça merece uma resposta. No entanto, uma aspirina pode fazer com que o paciente se sinta temporariamente melhor, mas não resolve o problema de fundo. Para isso, é preciso tratar o crescimento descontrolado das células cancerígenas no corpo.
Não é possível sustentar o crescimento, digamos, enfrentando os problemas um a um. Mesmo se solucionássemos a mudança climática, iríamos nos deparar com o problema seguinte ao teimarmos em continuar crescendo, seja a escassez de água, de alimentos ou outros recursos cruciais. O crescimento será detido, por uma razão ou por outra.
Alcançado este ponto, pela demora na ação necessária, não podemos mais evitar uma grave mudança climática, independente do que fizermos. Embora sempre haja graus.
O mito do progresso, de que a tecnologia virá ao socorro, é uma das ideias mais paralisantes para enfrentar o problema real: o decrescimento é inevitável, pois não se trata de um problema técnico. Talvez estejamos precisando de uma mudança cultural, moral e ética?
Sim, completamente, esse foi um dos pontos cruciais de nossa obra, já há meio século. Em condições ideais, a tecnologia pode lhe dar mais tempo, mas não solucionará o problema. Pode ampliar sua margem, a oportunidade de fazer as mudanças políticas e sociais que são necessárias. Mas enquanto você tiver um sistema que se baseia no crescimento para solucionar cada problema, a tecnologia não poderá evitar que muitos limites cruciais sejam ultrapassados, como já estamos vendo.
Apesar da tremenda utilidade e importância de seu trabalho, você e seus colegas foram muito criticados. Isso continua acontecendo com qualquer pessoa que escapa do discurso dominante: a "happycracia". Há uma impossibilidade social de falar sobre certos temas, por transformarem você em um catastrofista, um pessimista amargo?
Eu era muito ingênuo nos anos 1970, quando lançamos o livro. Fui formado como cientista e tinha a impressão de que utilizando o método científico, produzíamos dados inquestionáveis, e se os ensinássemos às pessoas, então seria o suficiente para ocorrer uma mudança na visão e nas ações das pessoas. Isso foi no mínimo ingenuidade.
Existem duas formas de enfrentar essas situações: em uma você coleta dados e, então, decide quais conclusões são condizentes com os dados, a forma científica. Na outra, muito comum, você decide quais conclusões são importantes e busca dados que se encaixem e sustentem suas “conclusões”. Isto é o que acontece com os negacionistas do clima, por exemplo.
Não busquei vencer esses debates entre pessimistas e otimistas, com esse tipo de gente. Quando alguém vem irritado me acusar seja do que for, simplesmente digo: “espero que você tenha razão”, e sigo em frente.
Há uma tendência à autopreservação presente nos sistemas, nas empresas, nas pessoas, muitas vezes, fundamentando-nos em visões imediatistas que não nos permitem avançar a longo prazo. Como lutar contra essas inércias e hábitos?
Sim. A única forma de gerenciar isso é ampliar o horizonte de tempo e espaço. E assim ver com perspectiva os possíveis custos e benefícios. Um exemplo: a pandemia e a gestão em meu país [Estados Unidos] foram lamentáveis, com visões muito estreitas. Se você não estende as vacinas para todos os espaços, para o restante do mundo, não são úteis.
Como ampliar esse marco temporal? Com as próximas gerações. A maioria das pessoas tem preocupações legítimas, genuínas, sobre o futuro de seus filhos, sobrinhos, netos.
Na Espanha, ultimamente, estamos recebendo boas notícias em relação ao decrescimento: a primeira assembleia cidadã pelo clima escolheu, entre suas 172 medidas, a necessidade de implementar uma pedagogia com o decrescimento, vários políticos – incluindo o Ministro do Consumo – fizeram declarações a favor da abertura deste inevitável debate, e o IPCC cada vez mais inclui essa palavra em seus relatórios. Estamos mais próximos de um "Tipping Point" social, como costuma dizer Timothy Lenton, ou teremos que esperar até que as crises sejam ainda mais óbvias para reagir?
A resposta para as duas questões é sim. Estamos mais próximos de um ponto de inflexão social positivo, mas, por outro lado, receio que teremos que esperar o agravamento das crises para reagir. E é ainda pior: se tivessem descrito nossa situação atual, digamos, no ano 2000, pensaríamos que isso já era uma crise catastrófica. Somos a rã que não pula da panela, cozida em fogo muito baixo. Infelizmente, acredito que essa é a nossa situação.
Segundo o modelo HANDY – outro modelo de dinâmica de sistemas –, um parâmetro fundamental para causar colapsos é a desigualdade, que cresce em paralelo à falta de confiança entre semelhantes, outra das principais razões dos colapsos. O desenho de nosso sistema econômico faz com que ambas aumentem todos os anos. E torna impossível se ajustar aos limites, porque a elite – que costuma estar distante da realidade e, portanto, não detecta os alertas – é a que serve como modelo. Como desfazer semelhante confusão?
A verdade não está em algumas equações, obviamente. Está na história. E nossa história ao longo de milhares de anos mostra que os poderosos buscam mais poder, e o têm mais fácil por sua situação para encontrá-lo, é um ciclo de retroalimentação positivo. Em dinâmica de sistemas, isto é chamado de “êxito para os já exitosos”. Raramente, desviamos desse fenômeno.
Ninguém pode desenrolar isso. Não acredito que haja qualquer ação ou lei que possa resolver. Em algumas culturas, no entanto, foram observados evoluídos mecanismos de redistribuição. No noroeste dos Estados Unidos, existem algumas tribos que têm um costume chamado Potlatch, é uma cerimônia na qual os chefes da tribo, os mais ricos, doavam parte de suas posses, estou simplificando, claro. No budismo também há uma tradição de desapego ao material em muitos de seus praticantes. Mas são raras exceções.
Em nosso mundo a tendência é acumular poder e, como você diz, isso ajuda a estar desligado da realidade. É então que acaba ocorrendo um colapso – também do próprio poder – e tudo recomeça. É um processo produzido como resposta aos limites. E a desigualdade está crescendo em todos os países.
Até que ponto as elites estão prevendo a necessidade matemática de reduzir a desigualdade? Ou estão se preocupando apenas com sua sobrevivência?
Bem, não é possível falar com propriedade de “elites”. Algumas elites estão preocupadas e fazem tudo o que podem para reduzir a desigualdade, outras nem pensam nisso - provavelmente a maioria -, e outras, sem dúvida, estão trabalhando para torná-la cada vez maior.
Certamente, não há tendência à redução da desigualdade. E às vezes se diz que o crescimento ajuda a levar riqueza para o mundo todo, o que, vendo como as taxas de crescimento e a desigualdade cresceram simultaneamente, é manifestamente falso.
Hoje em dia, você percebe maior preocupação pelo colapso da civilização nos círculos de poder, econômicos e políticos? Ou seguem com os lucros a curto prazo, como sempre?
Não estou em círculos de poder, sendo assim, não posso responder. Sou um professor aposentado de 80 anos. É o 50º aniversário de Limites do crescimento e, exceto as entrevistas que são feitas sobre um livro que ainda desperta interesse, não há tanta atenção como pode parecer.
Tendo em conta a miopia espacial e temporal em relação aos limites, não considera que a visão moderna do mundo está obsoleta? Poderia sugerir algumas ideias filosóficas para uma transição a uma nova cosmologia?
Obrigado por imaginar que eu possa ter a capacidade de fazer essas coisas. Que a forma atual de ver o mundo está obsoleta é óbvio, basta olhar as notícias. Pouquíssimas pessoas podem estar satisfeitas com o estado do mundo.
Sobre uma nova cosmologia: há uma enorme diversidade de filosofias, práticas espirituais, muitas delas condizentes com o funcionamento do mundo. Qualquer coisa que funcione tem que reconhecer a interação e a dependência que temos com o mundo natural.
Já comentamos o difundido mito de que a tecnologia nos levará a superar qualquer obstáculo. Vemos isso com o desafio climático: existe essa coisa chamada Captura e Sequestro de Carbono (CCS, sigla do inglês Carbon Capture and Storage). Apesar do fato irrefutável de ser mais barato, mais rápido e mais fácil reduzir o consumo de energia, a tendência é buscar a solução tecnológica que nos permita fazer o que não podemos mais fazer sem causar graves danos. É uma fantasia total. O melhor que podemos dizer sobre a CCS é que é uma ideia que vai fazer algumas pessoas ganhar muito dinheiro.
Estamos como em uma esteira que está acelerando rapidamente. Você já sabe, essas esteiras na qual se corre, mas não se chega a lugar algum. Isso é o que estamos fazendo. Conforme vamos tomando decisões ruins, caminhamos para crises que necessariamente encurtam nossa perspectiva de tempo, tudo se torna reativo, enquanto aceleramos. Isto, por sua vez, leva à tomada de mais decisões ruins, porque estreitamos cada vez mais e mais o nosso horizonte de tempo. É um círculo vicioso.
Acredito que veremos mais mudanças nos próximos 20 anos do que as que vivemos nos últimos 100. Não quero que aconteça o que vou dizer, mas penso que é o mais provável: haverá desastres significativos devido ao caos climático e o esgotamento dos combustíveis fósseis, isso devolverá a humanidade a estados mais descentralizados e desconectados. Lentamente, evoluirão culturas que estejam mais preparadas para a situação. Só assim, acredito, poderá surgir uma “nova cosmologia” apropriada.
Considera que uma coalizão de elites dotadas poderia mudar o curso dos acontecimentos?
Elites dotadas? Soa como um oxímoro para mim.
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“Veremos mais mudanças nos próximos 20 anos do que as que vivemos nos últimos 100.” Entrevista com Dennis Meadows - Instituto Humanitas Unisinos - IHU