19 Julho 2022
Preparativos, expectativas dos povos originários, perspectivas para o futuro... Dom Raymond Poisson, presidente da Conferência dos Bispos Católicos do Canadá, discorre sobre os desafios da viagem apostólica do Papa Francisco ao Canadá (24 a 30 de julho de 2022). Uma viagem menos focada na “formulação de desculpas” e mais na “realização de gestos concretos de reconciliação”, explica o bispo de Saint-Jérôme e de Mont-Laurier.
A entrevista é publicada por Cath.ch, 17-07-2022. A tradução é do Cepat.
O que a Igreja no Canadá espera desta viagem?
Para nós, e esta é também a intenção do Papa, esta viagem é uma nova etapa depois da visita da primeira delegação a Roma, em março-abril passado, com cerca de 150 irmãos e irmãs indígenas. Isso deu ao papa a oportunidade de ouvir os testemunhos, mas também de se unir aos bispos do Canadá para pedir desculpas pelos erros cometidos por membros da Igreja Católica na administração das escolas residenciais.
Nesta nova etapa, não se trata tanto de pedir desculpas, mas de realizar gestos concretos de reconciliação nesta caminhada que continuamos com nossos irmãos e irmãs indígenas, para o bem de toda a sociedade canadense. A Igreja Católica toma aqui a iniciativa na questão da reconciliação.
Quais são os pontos de atenção da organização?
No itinerário do Santo Padre, muito espaço é reservado aos momentos de encontro com os indígenas. A preparação foi feita em conjunto com as organizações indígenas nacionais oficiais. Em cada um dos encontros, haverá um percentual que se pretende representativo da presença de indígenas na população em geral.
Grandes concentrações acontecerão em Lac Ste-Anne no dia 26 de julho para a festa de Santa Ana, e no dia 28 de julho no santuário de Sainte-Anne-de-Beaupré, em Quebec. São dois lugares importantes, tanto para os povos originários como para os não nativos, por causa da figura da avó de Jesus.
O Santo Padre terá dois lugares de residência a partir de onde poderá irradiar: nós escolhemos Edmonton na província de Alberta, a província ocidental que tem a maior concentração de nativos e que teve o maior número de escolas residenciais na história do Canadá. E depois Quebec, que é a sede da fundação da Igreja na América. Com essas cidades, o papa verá as duas realidades, a anglófona – no oeste – e a francófona – no leste. O que não é fácil, porque viajar no Canadá significa viajar em um espaço maior que a Europa!
Que precauções são tomadas para a saúde do papa, que foi obrigado a cancelar viagens nos últimos meses?
Nós reservamos viagens curtas para o Santo Padre. Privilegiamos grandes concentrações internas, sem precisar montar um palco ao ar livre. Além disso, como a pandemia ainda não acabou, privilegiamos a participação pela mídia. Como de costume, o Santo Padre viajará com um séquito de 35 pessoas, entre as quais estão seus médicos e sua equipe de segurança. Ficaremos em Edmonton, no seminário maior, e em Quebec, na arquidiocese; todos locais equipados.
Esta viagem é obviamente um grande esforço para o papa – somente ficar sentado durante 7 ou 8 horas em um avião será difícil para ele. Mas ele quer, ele decidiu em seu coração seguir com sua missão e nós tomamos isso como um presente.
Quem são os povos indígenas que o papa vai encontrar?
Existem três grandes grupos: Métis, Primeiras Nações e Inuits. Os Métis e as Primeiras Nações residem em toda a parte sul do país. Os Inuits têm o extremo norte como território. Para conhecê-los, o papa muito generosamente aceitou fazer uma parada em Iqaluit, uma pequena cidade (entre 7.000 e 8.000 habitantes, nota do editor) que é a capital de seu território, antes de retornar a Roma.
O Papa visitará a cidade de Iqaluit, no norte do Canadá| © Johannes Zielcke/Flickr/CC BY-NC-ND 2.0
Entre nossos irmãos e irmãs aborígenes, há um enorme interesse nesta visita. Um interesse que não parou de crescer nos últimos dois anos e meio, quando conversei pela primeira vez com o Santo Padre sobre a chegada de uma delegação a Roma e uma viagem de sua parte, em dezembro de 2019. O papa estava muito interessado nessa pedagogia. Sua chegada ao local também é um dos apelos do relatório da Comissão da Verdade e da Reconciliação do governo (ativa entre 2008 e 2015, nota do editor).
Você pode nos descrever a Igreja Católica na sociedade canadense?
O Canadá tem 10 províncias, com territórios e culturas muito diferentes. Do lado do Canadá francês, no Quebec e no Atlântico, há uma situação de respeito mútuo, de acolhimento, de abertura e de diálogo. Desde as décadas de 1960 e 1970, podemos ver em Quebec uma certa ideia de laicidade que considera o fenômeno religioso como algo privado, que não pode ser expresso na sociedade, na praça pública.
Em Quebec, tradicionalmente, quase todos são católicos. Cerca de 70-75% são batizados, mas apenas 2% vêm à igreja todos os domingos. Mas nossas jovens populações nativas ainda mantêm um olhar e um coração favoráveis à sua Igreja. Cada vez mais famílias pedem o batismo de seu bebê, isso é notável, fazem uma escolha preferencial pelos valores do Evangelho. O que não significa que eles praticam com muita frequência.
É um desafio acolher este mundo, que está em busca. As vocações são raras. Os padres estrangeiros nos prestam um grande serviço, mas essa não é a solução para o futuro. Uma Igreja deve ser capaz de doar seus recursos, caso contrário é uma Igreja que envelhece e desaparece.
O papa também se encontrará com o primeiro-ministro Justin Trudeau, cujas posições sobre certas questões sociais, como a assistência médica ao morrer, o aborto, a questão de gênero, dão origem a diversas disputas com a Igreja.
O sr. Trudeau é um político. Mas mesmo em seu discurso oficial, quando houve a descoberta de cemitérios em escolas residenciais [os pensionatos autóctones, nota do editor], ele foi o primeiro a dizer ao microfone diante de todos os meios de comunicação: “Eu sou católico e isso me faz mal, me faz sofrer”. Entre nossos compatriotas, como entre os ocidentais que vivem em 2022, sentimos um carinho pela Igreja e ao mesmo tempo uma independência, uma crítica à instituição. Os canadenses estão um pouco divididos entre os valores do mundo contemporâneo e os da Igreja. Há uma lacuna cada vez maior. Mas, na minha opinião, não haverá discussão sobre essas questões sociais entre o sr. Trudeau e o Papa Francisco, exceto em particular.
Em Quebec, viramos a página dos debates, mas não desistimos. Sabemos o que a Igreja pensa, mas ela acolhe; não julga, não impõe à sociedade como um todo. Tomemos o exemplo da assistência médica ao morrer, que sempre é apresentada como um ato de compaixão. Se digo que me oponho a isso, sou visto como desprovido de compaixão. Este não é o momento para discutir, não estamos nas circunstâncias certas. Nosso papel é concentrar nossos esforços e nossa energia em cuidados paliativos, estar presente, acompanhar, acalentar, acalmar e deixar a vida seguir seu curso.
E depois da visita do Papa, quais são as perspectivas?
Não sabemos muito sobre os nossos irmãos e irmãs nativos e vice-versa. Pensamos em várias iniciativas que nos permitirão construir uma sociedade diferente, espero para melhor. Criamos um fundo de 30 milhões de dólares canadenses – o que é muito para a Igreja do Canadá – para projetos de reconciliação com nossos irmãos e irmãs indígenas. Trata-se de nos conhecermos melhor, através de intercâmbios culturais, projetos de monumentos, de futuro. Depois da viagem, vamos dar o pontapé inicial.
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Canadá. Os riscos da viagem do Papa ao país. Entrevista com o presidente da Conferência dos Bispos Canadenses - Instituto Humanitas Unisinos - IHU