13 Julho 2022
“Tudo no Vaticano está em duas velocidades: a velocidade do Papa e a dos dicastérios que têm que lidar com um determinado assunto. Portanto, há uma narrativa de pensamento da Santa Sé e uma narrativa de pensamento do Papa. É uma situação que de alguma forma comunica a separação. Afinal, todos os papas foram reis. O Papa Francisco age mais como um cara sozinho no comando, separado de qualquer órgão de governo. Ele não quer que suas condições de saúde sejam conhecidas e não quer saber que a sucessão está sendo preparada, por isso está disposto a correr riscos. Ele estava tomando o dobro de remédios por um breve período para parecer saudável em público”, escreve Andrea Gagliarducci, jornalista italiano, em artigo publicado por Monday Vatican, 11-07-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
O Papa Francisco concedeu três entrevistas publicadas na semana passada. Uma para a Reuters, publicada em partes separadas; uma para a agência Telam; e outra para o podcast de Guillermo Marcò, seu lendário porta-voz em Buenos Aires, que fez um podcast com as palavras do Papa.
Além do conteúdo das entrevistas, a estratégia do Papa Francisco é bastante interessante. Quanto mais a saúde do Papa Francisco se deteriorava, mais ele estava presente na mídia. Quanto mais se falava do fim do pontificado, mais o Papa queria mostrar, mesmo com imagens e palavras, que está firmemente no comando da Igreja.
Talvez não possamos confiar plenamente na veracidade das palavras do Papa Francisco, como, por exemplo, quando voltando da Geórgia em 03 de outubro de 2016, ele disse que escolheria uma data para visitar os lugares da Itália central abalados por um terremoto. A pergunta foi motivada pelo fato de um jornal italiano ter divulgado que o Papa iria para lá no dia 04 de outubro, então a resposta do Papa aparentemente descartou a possibilidade de ele ir no dia 04. Então, em 04 de outubro, ele estava pontualmente lá, como se nunca tivesse dito o contrário (o Papa chegou a fazer uma lista de possíveis datas alternativas para uma visita, dizendo que se lembrava apenas da data do primeiro domingo do Advento. Obviamente, a visita de 04 de outubro já havia sido planejada e agendada quando o Papa falou).
No entanto, essas três entrevistas fazem parte de um plano mais complexo, que deve ser entendido e decifrado para entender e interpretar o pontificado.
Quais são, então, os temas subjacentes a esta estratégia de comunicação?
O primeiro tema é o da reação. O Papa Francisco não gosta de falar sobre sua sucessão, também porque falar sobre a sucessão significa, de fato, minar a força decisória do pontificado. Reunindo-se com os jesuítas da Eslováquia em setembro de 2021, ele reclamou que os cardeais “já fizeram seu funeral” após a operação de diverticulite em 04 de julho de 2021.
O Papa reage sempre que vê sinais de pessoas se comportando como se estivessem no fim de um reinado. Quando o jornal francês Le Figaro publicou o artigo investigativo “Fin de Reine pour Pope François”, o Papa respondeu levantando-se durante as canonizações de 15 de maio, indo pessoalmente cumprimentar a todos.
Assim, enquanto circulam rumores sobre um suposto tumor ou sua possível renúncia, o Papa Francisco multiplica suas aparições públicas, dá entrevistas, aproveita para dar sua opinião sobre tudo e começa a marcar seu legado.
O segundo tema diz respeito ao debate em torno do Papa. A reforma da Cúria se concretizou, mas o Papa Francisco quer dar outro passo: uma discussão com os cardeais. Que melhor maneira do que um consistório?
Pela primeira vez desde 2015, os cardeais se reunirão para discutir e se conhecer. O tema será justamente a reforma da Cúria. Mas não será uma reunião para propor uma reforma, mas uma reunião para certificar uma reforma.
O Papa Francisco convocou para agosto, congelando assim o debate. Enquanto isso, ele usa a comunicação pública para transmitir as mensagens que considera mais importantes, confiante de que ninguém poderá se opor às suas ideias de reforma.
O terceiro tema diz respeito à necessidade de o Papa Francisco ser popular. Quando estava em Buenos Aires, o Papa Francisco era tímido com a mídia e raramente dava entrevistas. Mas, como Papa, são três conversas semanais, além das inúmeras conversas e brincadeiras informais cheias de significado.
Quando se trata de dar sua opinião, Francisco nunca recua. Nessas incursões pessoais na mídia, não há filtros da Secretaria de Estado.
Um Papa pop, então. Mas não só. Ele é um Papa que controla a comunicação e quer que tudo funcione de acordo com seus planos. Ele é um Papa que faz um uso astuto e populista dos meios de comunicação.
O Papa Francisco usa mensagens fortes para temas não polarizados e, às vezes, mensagens pouco claras para os temas mais polarizados. Ele faz questão de se aproximar das categorias bíblicas do pobre, do órfão e da viúva.
O quarto tema diz respeito à comunicação da Santa Sé. O Papa Francisco não tende a unir, mas a criar rixas. Essas entrevistas são muitas vezes iniciativas pessoais do Papa e são feitas sem filtros e às vezes o Dicastério para a Comunicação não fica sabendo de nada sobre elas com antecedência.
Em suma, ninguém administra as comunicações do Papa. É o Papa quem decide como e quando se mostrar. A tarefa do dicastério é seguir o magistério e apoiar o Santo Padre. Não pode ser o planejamento comunicativo porque o Papa toma as decisões nesse sentido.
Em geral, tudo no Vaticano está em duas velocidades: a velocidade do Papa e a dos dicastérios que têm que lidar com um determinado assunto. Portanto, há uma narrativa de pensamento da Santa Sé e uma narrativa de pensamento do Papa. É uma situação que de alguma forma comunica a separação.
Afinal, todos os papas foram reis. O Papa Francisco age mais como um cara sozinho no comando, separado de qualquer órgão de governo. Ele não quer que suas condições de saúde sejam conhecidas e não quer saber que a sucessão está sendo preparada, por isso está disposto a correr riscos. Ele estava tomando o dobro de remédios por um breve período para parecer saudável em público.
As entrevistas, afinal, tinham a função de passar a mensagem de que o Papa existe, está presente e não para de tomar decisões.
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O Papa Francisco tem uma estratégia de comunicação? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU