04 Julho 2022
Junto com a política e a democracia, talvez uma das categorias mais antigas seja o povo. Mais antigas e também abusadas, cabe dizer. Muitas vezes puxada de um lado para o outro pelas contraposições em campo, hoje precisa de uma nova formulação para além dos alinhamentos políticos muitas vezes ditados por interesses partidários. É isso que o Papa Francisco está tentando fazer quando fala de uma “crise global” que “somente um pensamento verdadeiramente aberto pode resolver”. É o que tenta fazer Dante Monda - professor de Filosofia e História no Colégio Villoresi San Giuseppe de Monza, intelectual especialista em pensamento político e teologia política - precisamente à luz do pensamento de Jorge Mario Bergoglio no livro Papa Francesco e il popolo. Una sfida per la Chiesa e la democrazia (Papa Francisco e o povo. Um desafio para a Igreja e a democracia, em tradução livre, Morcelliana).
A reportagem é de Paolo Rodari, publicada por la Repubblica, 03-07-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
“A história escolhida neste livro é a do povo, um mito antigo e talvez esquecido: a trama daquela história já se desfiou, especialmente no Ocidente. No volume, porém, não se propõe um conserto, um "remendo", como diria o Papa, mas é vislumbrada e contada uma nova tecelagem, uma nova trama: a história continua, a história é vivida", escreve o padre Antonio Spadaro no prefácio.
Andrea Riccardi, por sua vez, na segunda preciosa contribuição oferecida ao volume depois daquela do diretor de Civiltà Cattolica, escreve: "Este livro é uma contribuição original, que faz pensar e enriquece o debate, colocando o Papa Bergoglio como um interlocutor para todos, isto é, para quem quer pensar o futuro de forma aberta e para quem sente que estamos indo rumo ao amanhã um pouco como cegos que têm a ilusão de ver ou como pessoas (governos, povos, tomadores de decisão) demasiado arrastadas por processos descontrolados”.
A visão de Bergoglio, na atual crise da democracia ocidental, traz novas reflexões e perspectivas. De fato, passados vinte anos, desde o terrível 11 de Setembro de 2001 até à retirada do Afeganistão em 2021, passou-se da arrogante confiança na democracia liberal e ocidental como panaceia para a regeneração das sociedades políticas em todo o mundo, à quase renúncia de fazer crescer a democracia.
Claro, Bergoglio defende a democracia como tal, porque, como ele mesmo lembra, "o sistema democrático é o horizonte e o estilo de vida que escolhemos ter e nele dirimir nossas diferenças e encontrar os nossos consensos". Mas ele quer defender a democracia principalmente a partir da identidade do sujeito histórico autônomo que a escolheu e a constrói: justamente o povo.
A democracia é o horizonte normativo atual, mas apenas na medida em que se inscreve na cultura historicamente dada. Cultura que, paradoxalmente, representa "a totalidade da vida de um povo", mas ao mesmo tempo permanece contingente e não fechada e definida de uma vez por todas.
A democracia, segundo a visão de Bergoglio, não existe de uma vez por todas, nem deve existir em sentido abstrato como norma moral geral, mas, explica ainda Riccardi, “é feita a partir da construção de cada povo, que ao mesmo tempo conserva e inova suas próprias estruturas democráticas. É um horizonte aberto, ainda não decidido, que mais do que analisar, Francisco profetiza e, mais do que projetar, almeja”. Aqui também parece haver o sentido mais profundo do precioso e corajoso trabalho de Monda. Não a vontade de encerrar a reflexão, mas sim de deixá-la aberta, como sempre foi aberto o pensamento do atual Pontífice, que não oferece soluções fáceis, mas abre caminhos de conhecimento e realização.
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Em nome do Papa democrático - Instituto Humanitas Unisinos - IHU