26 Mai 2022
As empresas que controlam o fluxo dos recursos naturais do mundo continuam apostando no negócio dos combustíveis fósseis e enfrentam reduzida regulamentação de sua atividade. O livro El mundo está en venta, de Javier Blas e Jack Farchy, aprofunda esse tema.
A reportagem é de Elisenda Pallares, publicada por Climática/La Marea, 25-05-2022. A tradução é do Cepat.
Os nomes de alguns bilionários como Elon Musk, dono da Tesla, ou Amancio Ortega, fundador da Zara, aparecem diariamente na mídia. Por outro lado, existem outros empresários que acumulam enormes lucros e detêm grande poder na geopolítica mundial e que passam despercebidos pela maioria da população. “A décima pessoa mais rica da Espanha chama-se Daniel Maté [proprietário de aproximadamente 3% da Glencore] e ninguém o conhece”, exemplifica o jornalista Javier Blas. São pessoas e corporações cujo negócio é a compra e venda de matérias-primas como petróleo ou cereais.
A Glencore, localizada na Suíça, é a maior comerciante de metais e trigo do mundo. A Trafigura, com sede em Cingapura, assume sua segunda posição como comercializadora de petróleo e metais. A Vitol foi fundada em Roterdã, mas atualmente está sediada na Suíça e é líder no mercado de petróleo. A Cargill, sediada nos Estados Unidos, é a maior comercializadora de cereais do mundo. Os negócios de todas elas estão detalhados no livro O mundo está à venda, um extenso trabalho de pesquisa do jornalista Javier Blas e do repórter Jack Farchy, ambos da Bloomberg, e que a editora Península acaba de publicar na Espanha.
Quanto maior o anonimato daqueles que controlam o fluxo dos recursos naturais, mais fácil é para eles burlar a legislação. “A indústria tenta ficar nas sombras para que os governos não façam nada a respeito”, diz Blas. O jornalista explica, via Zoom, que uma comercializadora pode comprar um carregamento de petróleo em alto mar na costa da Nigéria, enviá-lo a uma refinaria na China, comprar a gasolina produzida ali, colocar em outro navio-tanque e vende-la na Índia. E todo esse processo não teria nenhum tipo de regulamentação.
O custo ambiental da extração e transporte desses materiais é indiferente para os comerciantes. Eles compram onde os recursos são mais baratos e vendem onde podem obter mais dinheiro, mesmo que tenham que transportá-los por milhares de quilômetros. “Vimos gás natural do extremo leste da Rússia ir para o Kuwait, embora o Catar esteja bem ao lado”, diz o autor. Blas destaca que a demanda por combustíveis fósseis como petróleo, gás natural ou carvão é insaciável. “O consumo de carvão talvez seja a maior inconsistência em um mundo em alerta para a emergência climática; este ano marcará um máximo histórico de consumo”, acrescenta. O livro contém a anedota de quando Ivan Glasenberg, ex-CEO da Glencore, se gabou do lucrativo negócio, exclamando que “todo mundo ficou excitado com o carvão”.
Os comerciantes de commodities realizam as interações comerciais em águas internacionais para burlar a legislação dos países. São empresas privadas que, por vezes, não estão cotadas na bolsa e não são obrigadas a ser transparentes com os seus acionistas, e que muitas vezes se esquivam do controle fiscal. Graças às suas sedes em paraísos fiscais, pagam poucos impostos, apesar de a venda de matérias-primas movimentar 17 bilhões de dólares por ano. Ou, o que dá no mesmo: um terço da economia global. A comercializadora Vitol, por exemplo, pagou apenas 13% de impostos sobre seus lucros de 25 bilhões de dólares nas últimas duas décadas.
Além disso, são uma espécie de setor bancário paralelo, disposto a pagar antecipadamente aos produtores de petróleo por seu petróleo cru ou fornecer matérias-primas a crédito a alguns fabricantes. Dessa maneira, equilibram o poder no mundo. Na Líbia, a Vitol apoiou os rebeldes que lutavam contra Gaddafi, fornecendo-lhes carregamentos de gasolina, diesel e gás liquefeito, no valor de US$ 1 bilhão. No Iraque, ajudaram Saddam Hussein a vender seu petróleo enquanto contornavam as sanções da ONU. Em Cuba, forneciam petróleo a Fidel Castro em troca de açúcar. Suas operações podem ser arriscadas, mas elas costumam ganhar. Em 2008, enquanto milhões de pessoas passavam fome em meio a uma crise financeira, foi o período mais lucrativo para as comercializadoras de commodities.
Apesar das sanções impostas à Rússia, neste momento é legal transportar matérias-primas russas, desde que não sejam entregues a determinados países, como os Estados Unidos ou o Reino Unido. “Elas ainda podem ser entregues à União Europeia, que não embargou o petróleo ou os metais russos”, lembra Blas. O navarro é taxativo: “A União Europeia está financiando a guerra de Putin porque todos os dias compramos entre 500 milhões e um bilhão de euros de matérias-primas russas”.
No caso de finalmente serem impostas sanções que proíbam os comerciantes de commodities de operar na Rússia, outros assumirão o mercado. “Em lugares onde houve sanções por parte dos Estados Unidos e da União Europeia, como no Irã por seu programa nuclear, vemos rapidamente que, se as comercializadoras ocidentais saem, outras anônimas chegam operando da China ou do Oriente Médio”, diz o jornalista da Bloomberg.
Na indústria de commodities, o mercado é o rei. “Algumas dessas empresas não estão operando acima da lei; simplesmente não há lei”, diz Blas. No entanto, o crescente debate público sobre os combustíveis fósseis representa uma ameaça à filosofia de negócios dos comerciantes de commodities. “Está se tornando cada vez menos viável para os executivos do setor fazer negócios à margem do da lei ou do aceitável, que trabalhem com matérias-primas poluentes”, dizem os autores.
Independentemente da oferta de combustíveis fósseis que os maiores comerciantes continuam a fornecer, Blas ressalta que está nas mãos dos líderes públicos reduzir seu consumo: “São eles que podem tomar decisões políticas para reduzir sua demanda”.
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O obscuro mercado das matérias-primas: “Não é que operem acima da lei; simplesmente não há lei” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU