18 Abril 2022
A notícia sobre a visita do Papa Francisco ao Cazaquistão foi anunciada pelo governo do país na segunda-feira, 11 de abril. Mas a Sala de Imprensa vaticana especificou depois que se trata apenas de um “desejo” do papa. Portanto, está tudo em alto mar, e talvez o Vaticano tenha querido rebaixar o perfil àquilo que o presidente cazaque, Kassym-Jomart Tokayev, tentou inflar mais do que qualquer outra coisa para dar destaque ao VII Congresso Mundial de Líderes Religiosos e Tradicionais, no qual o pontífice é esperado e que ocorrerá na capital – hoje chamada Nursultan – nos dias 14 e 15 de setembro próximos.
A reportagem é de Il Sismografo, 14-04-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Se, no fim, se concretizar aquilo que hoje se parece a um braço de ferro diplomático, a Santa Sé teria diversos problemas nada pequenos com a China e talvez no momento menos oportuno, ou seja, no arco de tempo em que se entrará na fase final de negociação com Pequim para renovar, modificar ou cancelar o acordo secreto em vigor há quatro anos para a nomeação de bispos.
O segundo período da aplicação do acordo (2020-2022), ad experimentum, expira no fim de outubro, e a avaliação da Sé Apostólica não parece entusiasmante, se, como disse o cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado, em uma entrevista à ACI Stampa, espera-se uma revisão do acordo altamente confidencial.
A esse respeito, é preciso refletir lembrando que, no início da renovação da aplicação do acordo (outubro de 2020), muitos escreveram que talvez ainda em 2022 se abririam caminhos concretos para o restabelecimento das relações diplomáticas bilaterais. As coisas não estão exatamente assim hoje, e certamente a agressão russa contra a Ucrânia complicou muito os equilíbrios internacionais, e isso está tendo um peso considerável na relação Vaticano-Moscou-Pequim.
As novas dificuldades na lenta e progressiva aproximação entre o Vaticano e Pequim que poderiam surgir com a visita de Francisco ao Cazaquistão dizem respeito à questão da repressão e perseguição ao povo uigur na região autônoma de Xinjiang, um assunto não apenas discutido e controverso em todo o mundo, mas que o papa também nunca abordou publicamente, atraindo sobre si críticas muito duras e peremptórias.
Em um livro-entrevista datado de novembro de 2020, “Vamos sonhar juntos. O caminho para um futuro melhor”, pela primeira e única vez Francisco define os muçulmanos uigures chineses como um povo “perseguido”. Em uma resposta a uma pergunta do jornalista, ele diz quase en passant, em referência a esse povo, “pobres uigures”. Para ser preciso, o papa disse: “Penso muitas vezes nos povos perseguidos: os rohingya, os pobres uigures (e) os yazidis”.
Poucas horas depois, chegou a resposta de Pequim. O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Zhao Lijian, especificou: “As alegações do Papa Francisco sobre os uigures são totalmente infundadas” e acrescentou que Pequim “protegeu os direitos das minorias étnicas em conformidade com a lei”.
A fronteira entre a China e o Cazaquistão tem pouco mais de 1.782 km (1.215,86 km de fronteira terrestre e 566,89 km de linha de fronteira ao longo ou através de rios e lagos). É precisamente nessa superfície que vive o povo dos uigures. E, portanto, a Região Autônoma Uigur de Xinjiang é a superfície chinesa que faz fronteira com o Cazaquistão.
Desde 2014, em todo o mundo, até com provas documentadas, denuncia-se um “genocídio cultural dos uigures” e se enfatizam, além das perseguições especificamente étnicas, as perseguições religiosas, antimuçulmanas.
Nesse contexto, agora resumido brevemente, surgem várias perguntas sobre a eventual visita do Santo Padre. Ao visitar o Cazaquistão – um severo desgaste físico para o Papa Francisco – o pontífice falará sobre a situação dos uigures? E como Pequim responderá, estando distante aproximadamente 3.600km da capital cazaque? Como essa viagem e as eventuais condenações do papa sobre a perseguição aos uigures poderias influenciar as negociações para renovar o acordo secreto que expira no fim de outubro? E se Francisco decidir se calar sobre a questão, como fez até hoje, o que será dito em outras capitais do mundo, particularmente nas diplomacias e governos que acompanham a questão com atenção?
Se essa for a situação “verdadeira” – e não apenas a midiática – é possível antecipar um “final” altamente provável da narrativa destes dias: não haverá nenhuma viagem do pontífice ao Cazaquistão.
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Papa Francisco no Cazaquistão: um provável problema grave entre Pequim e o Vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU