18 Abril 2022
A paz é insuficiente: pode frear a guerra, mas não pode acabar com ela. A amizade, ao invés disso, pode. A Ucrânia não é o único exemplo de um conflito que eclodiu por causa de uma paz mal feita, de fachada, recitada entre inimigos que se contentaram em apertar as mãos por necessidade, sem nunca assumir a responsabilidade pelo outro, sem nunca se encarregar de erradicar o ódio, deixando-o ferver à espera de tempos e desculpas melhores (desnazificação urgente, resgates irreprimíveis, exportações de democracia).
A reportagem é de Simonetta Sciandivasci, publicada em La Stampa, 14-04-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Se uma menina lesse em um livro de contos de fadas, talvez “Histórias de ninar para garotas rebeldes”, a história de Irina e Albina, as duas enfermeiras que carregarão a cruz durante a Via Sacra no Coliseu, só deduziria isto: a amizade põe fim às guerras, por isso é proibido mostrá-la, fazê-la acontecer.
E por mais ingênua que possa parecer a dedução de uma menina, que como todas as crianças dá explicações aos contos de fadas, e não “morais da história”, talvez seja a única dedução correta.
Irina e Albina são duas colegas e amigas, Irina é ucraniana e trabalha como enfermeira no mesmo hospital, o campus biomédico de Roma, onde Albina, que é russa, faz a sua especialização: elas se conhecem há muito tempo, trabalharam juntas durante a Covid, e, quando a guerra na Ucrânia começou e elas se encontraram na enfermaria, Albina pediu desculpas a Irina, chorou, e Irina respondeu que não devia se sentir culpada, que ela não tinha nada a ver com isso.
Porque é assim nas guerras: as pessoas, os civis, não têm nada a ver com isso, mesmo que sejam os primeiros a morrer, os primeiros e às vezes os únicos a pedir perdão. Só os amigos podem ver e testemunhar este fato tão banal e lógico: podem ver e testemunhar que a guerra os destrói, mas não os divide.
E assim demonstram que a guerra é inútil: é por isso que a participação de Irina e Albina na Via Sacra constrange ucranianos e russos, diplomatas e embaixadores e eclesiásticos e, naturalmente, cadetes do Twitter, todos os quais concordam (todos, exceto os cristãos do Vaticano, que quiseram as duas jovens) ao argumentar que essas duas jovens mulheres não podem ficar juntas, não podem percorrer a 13ª Estação (e nenhuma outra) da Via Sacra, aquela em que Cristo é deposto da cruz, a menos violenta, porém a mais insuportável, aquela em que se compreende que, para aliviar a miséria humana, não há nada mais além do amor de Deus – para quem nele crê; para quem nele não crê, é o amor de quem te perdoa: e o perdão é a virtude do amigo.
A embaixada ucraniana teme que, se Albina e Irina se encontrarem juntas debaixo da cruz, haverá repercussões: que isso parecerá um sinal de rendição, até mesmo uma ofensa. Isso não importa nem ao Vaticano nem a elas: a procissão será feita como foi decidido, pelo menos é o que parece, ninguém recuou. Pode até ser que Irina e Albina nem tenham se dado conta da confusão: vocês sabem como são as pessoas que trabalham no hospital, principalmente se forem mulheres; olham o celular e o telejornal como se fossem um relógio quebrado, que marca a hora errada. Elas têm outras coisas para fazer.
Albina se fotografou com uma máscara no rosto que tinha a bandeira ucraniana, enquanto abraçava a amiga Irina, ela também com a mesma máscara no rosto: elas sorriem e têm uma felicidade tão exorbitante nos olhos que parecem dizer: “Vejam como nós nos desnazificamos, não somos lindas?”.
Se ao menos fossem elas que estivessem nos postos de comando, como Thelma e Louise, que belo filme seria o futuro que nos aguarda.
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A lição de Albina e Irina na Via Sacra contra a guerra - Instituto Humanitas Unisinos - IHU