10 Janeiro 2022
Seguindo o exemplo dos Magos, o convite para ir além das barreiras do hábito, além do medo de se colocar em campo pelos outros. “Triste quando uma comunidade de crentes não se deixa mais surpreender por Jesus, triste cair no funcionalismo clerical”.
A reportagem é de Mimmo Muolo, vaticanista, publicada por Avvenire, 07-01-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Quantas coisas os Magos podem ensinar. Quantas ensinaram aos homens e às mulheres de todos os tempos. E quantas para nós também. Por isso, o Papa, ontem, na solenidade da Epifania, poderíamos dizer - convidou todos a se matricularem em sua escola. E se inspirar no que ele mesmo indicou como o ensinamento provavelmente mais adequado para nossa época: o desejo. “Hoje é dia de voltar a alimentar o desejo - sublinhou de fato na homilia da Missa celebrada em São Pedro. E como fazê-lo? Vamos à ‘escola do desejo’, vamos aos Magos”.
Mas o que o desejo significa para Francisco? “Desejar - explicou o Pontífice - significa manter vivo o fogo que arde dentro de nós e nos impele a buscar além do imediato, além do visível. Porque a vida não está ‘toda aqui’, também está ‘em outro lugar’”. Depois, citando Van Gogh, que saía à noite para pintar as estrelas para satisfazer a sua necessidade de Deus, acrescentou: “Sim, porque Deus nos fez assim: misturados de desejo; orientado, como os Magos, para as estrelas. Podemos dizer, sem exagerar, que somos o que desejamos”. Os desejos, de fato, levam-nos "para além das barreiras do hábito, para além de uma vida achatada no consumo, para além de uma fé repetitiva e cansada, para além do medo de nos colocarmos em campo, de nos empenhar pelos outros e pelo bem". E se Santo Agostinho dizia que "a nossa vida é uma ginástica do desejo", os Magos, segundo o Papa, convidam-nos precisamente a esse exercício físico.
"Olhe para a estrela e caminhe, este é o conselho de hoje", resumiu Francisco depois no Angelus (que o Avvenire publica na íntegra), recitado como de costume da janela do Palácio Apostólico.
E então, eis que da escola do desejo, nasce o impulso, o início de uma jornada. “Às vezes - observou o Papa Bergoglio - vivemos num espírito de 'estacionamento'”, vivemos “estacionados, dentro de uma religião convencional, exterior, formal, que já não aquece o coração e não muda a vida. Será que as nossas palavras e os nossos ritos – perguntou provocando, incutem no coração das pessoas o desejo de ir ao encontro de Deus ou são ‘língua morta’, que só fala de si mesma e de si mesmos?”. A crise de fé, em nossa vida e em nossas sociedades - o Pontífice está convencido disso - tem a ver também com o desaparecimento do desejo por Deus, tem a ver com o sono do espírito, com o hábito de se contentar em viver o dia, sem nos perguntarmos o que Deus quer de nós".
É por isso que Francisco alertou contra um sentimento que aniquila. A tristeza. “É triste quando uma comunidade de crentes já não deseja mais e, cansada, arrasta-se para gerir as coisas em vez de se deixar surpreender por Jesus. É triste quando um sacerdote fechou a porta do desejo; é triste cair no funcionalismo clerical, é muito triste”. A tristeza, pode-se dizer, é o antidesejo por excelência. Eis como o Pontífice falou a respeito ontem em sua homilia: “Debruçamo-nos demais sobre os mapas da terra e nos esquecemos de olhar para o céu; estamos fartos de muitas coisas, mas desprovidos da nostalgia de Deus. Prendemo-nos nas necessidades, no que vamos comer e no que vamos vestir, deixando evaporar o anseio pelo que vai além. E nos encontramos na bulimia de comunidades que têm tudo e muitas vezes não sentem mais nada em seus corações. Pessoas fechadas, comunidades fechadas, bispos fechados, padres fechados, consagrados fechados. Porque a falta de desejo leva à tristeza e à indiferença. Comunidades tristes, padres tristes, bispos tristes”.
A fé, por outro lado, é uma viagem e nunca se deve esquecer, exortou o Papa, de se perguntar: "Como vai o caminho da minha fé?". Também nisso os Magos podem oferecer um paradigma de comparação. "Primeiro eles partem ", lembrou Francisco. "Eles nos ensinam que a fé não é uma armadura que engessa, mas um movimento contínuo e inquieto, sempre em busca de Deus". Os Magos, depois, em Jerusalém perguntam onde está o Menino. “Eles nos ensinam que precisamos de questionamentos, de ouvir atentamente as perguntas do coração, da consciência; porque é assim que Deus fala muitas vezes, que se dirige mais a nós com perguntas do que com respostas”. Portanto, "o caminho é deixar-se questionar".
Mais uma vez, os Magos desafiam Herodes. "Eles nos ensinam - explicou o Papa - que precisamos de uma fé corajosa", para enfrentar "as lógicas obscuras do poder" e os "muitos Herodes" que também "semeiam a morte e fazem massacres de pobres e inocentes, na indiferença de muitos". Finalmente, os Magos retornam "por outro caminho". Segundo o Pontífice, é o sinal da "criatividade do Espírito, que sempre faz coisas novas. É também, neste momento, uma das tarefas do Sínodo que estamos realizando: caminhar juntos na escuta, para que o Espírito nos sugira novos caminhos, caminhos para levar o Evangelho ao coração de quem é indiferente, distante, de quem perdeu a esperança, mas procura o que os Magos encontraram, uma imensa alegria”.
Eventualmente, a viagem dos Magos os leva a se prostrar e adorar. O desejo te leva à adoração e a adoração te faz renovar o desejo. Porque o desejo de Deus cresce só estando diante de Deus”, concluiu o Papa Francisco, com os votos de que “como os Magos possamos levantar a cabeça, escutar o desejo do coração, seguir a estrela” e “não damos à apatia e à resignação o poder de nos pregar na tristeza de uma vida chata”.
A íntegra da homilia do Papa Francisco proferida no dia 06 de janeiro de 2022, pode ser lida, em português, aqui.
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