24 Dezembro 2021
A imprensa deu destaque, nesses dias que antecedem o Natal, para um barco que venceu a travessia do Mediterrâneo, partindo da Líbia e alcançando o sul da Itália. Quantas notícias lemos, nos últimos anos, de barcos de tudo que é tipo e tamanho, que, vindos do continente africano, do Oriente Médio, aportam na Europa?
A reportagem é de Edelberto Behs, jornalista.
Mas o que há de diferente num barco, com 70 homens, que chegou à Ilha dei Conigli, em Lampedusa, por esses dias? Um de seus "passageiros" era uma criança de menos de um ano de idade, que ainda não sabe falar e caminhar, desacompanhada de seus pais. O "filho do mar" ganhou o apelido de Amad, enquanto não descobrirem os pais e o nome de batismo da criança.
Ele acabou no barco porque seus pais foram impedidos de embarcar. Mesmo assim, os pais alcançaram a criança a desconhecidos, pois acharam que Amad terá mais sorte em outras terras, mesmo longe dos pais.
O Natal se reporta ao nascimento de uma criança que acabou deitada num cocho, numa estrebaria qualquer, emprestada pela boa vontade de algum agricultor, porque a família que se deslocara até Belém para o recenseamento não encontrou lugar em hospedaria. Talvez teve que dormir, inclusive, algumas noites na rua!
Depois de um tempo em Belém, essa família, avisada por um anjo, juntou as trouxas e fugiu para o Egito, já que o rei Herodes estava matando todas as crianças da redondeza com menos de dois anos de idade. A família de Jesus – com Maria e José – teve melhor sorte e chegou unida no Egito.
Não será essa a história de Amad que, espera-se, um dia encontrará os pais, ou os pais terão atravessado o mar para alcançarem o filho. Sem dúvida, uma a história de uma fuga.
A questão é: por que, passados dois mil anos de história, aprendizagens, descobertas científicas, avanços na medicina, fartura agrícola, famílias em pleno século XXI ainda precisam fugir? Por que crianças precisam conviver, às vezes confinadas, em campos de refugiados? Por que passam fome, não têm escola, não veem futuro?
Por que se questiona, no Brasil, a vacinação de crianças para proteção ao coronavírus? Por que crianças precisam parar nas esquinas das cidades onde existem sinaleiras para pedirem “um troquinho”? Por que muitas crianças estão fora da escola? Por que pais precisam “fugir” de uma cidade a outra, ou mesmo buscar a sorte em lugares desconhecidos? Por que precisam dormir sob viadutos?
Imaginemos a dor da mãe de Amad ao entregar o filho aos braços de pessoas desconhecidas! Será que ela mandou junto uma sacola com a mamadeira? Ela preferiu entregar o filho a ficar com ele nos braços, pois estava vivendo uma situação encarada como insustentável – essa é à leitura que o caso nos leva. A mãe fez “a escolha de Sofia”!
A mensagem do Natal da manjedoura, da estrebaria, da família sem pousada, deve ser narrada diante dos presépios mostrando um Jesus loiro, pajeado por figuras bem nutridas, colocadas sob árvore enfeitada com “flocos” de algodão imitando neve e bolas coloridas que refletem a luminosidade do ambiente, bem distinto daquela estrebaria sem iluminação.
O menino deitado em coxo se tornou o Príncipe da Paz, mas um príncipe desestabilizador de realidades injustas, opressoras, escravizadoras... O superior da Companhia de Jesus, Arturo Sosa Abascal, lembrou que o Natal é um convite para que aproveitemos “a oportunidade de abrir novas formas de vida pessoal, familiar e social, para transformar as estruturas que produzem a pobreza injusta”.
O chamado aos cristão que Sosa Abascal faz é o de “viver e compartilhar a esperança”. Uma esperança maior que a entrega da mãe de Amad, na expectativa de um dia rever o filho deixado num barco incógnito. No Natal de 2021, a manjedoura é um barco, um barco onde o Salvador viajou com Amad.
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A manjedoura de 2021 é um barco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU