Joaquim Leite emula antecessor, Ricardo Salles, e faz ligação inexistente entre floresta e pobreza.
Imagem: Discurso do ministro Joaquim Leite teve exageros e informações falsas | Foto: MMA
A reportagem é de Claudio Angelo, Felipe Werneck, Nathália Afonso e Shigueo Watanabe Jr, publicada por FaceBook.eco, 10-11-2021.
O ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, foi um dos últimos representantes governamentais a discursar no chamado segmento de alto nível da COP26, encerrado nesta quarta-feira (10) em Glasgow. Mais discreto e ponderado que seu antecessor, Ricardo Salles, Leite apresentou uma boa dose de mistificação e exageros em sua fala, de cerca de 5 minutos e meio.
O ministro afirmou falsamente que o país anunciou metas climáticas “ainda mais ambiciosas”. Na verdade, o que o governo fez foi desfazer um retrocesso na meta anterior, de 2020, o que devolveu a ambição brasileira em 2030 aos mesmos patamares indicados em 2015 pela então presidente Dilma Rousseff.
Leite também disse, sem contextualizar, que ferrovias planejadas no Brasil “representam uma redução de 75% das emissões do transporte de carga”. No entanto, mesmo que todas elas sejam um dia construídas e que cortem emissões nessa proporção, o que é incerto, elas representariam menos de 10% do total de movimentação de carga (por tabela, de emissões de transporte de carga) do país.
Repetindo seu antecessor, o ministro fez uma correlação entre floresta e pobreza que mais de um estudo já mostrou não não existir, e teceu elogios a um suposto reforço na fiscalização ambiental, omitindo que o número de multas na gestão Bolsonaro foi o mais baixo em duas décadas.
Leia a seguir a verificação do discurso do ministro, feita em parceria do Fakebook.eco com a Agência Lupa.
“Anunciamos metas climáticas ainda mais ambiciosas”
Falso – Em 2020, o Brasil havia submetido uma atualização da sua NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada) que ajustava as emissões do ano-base de 2005 de acordo com o Terceiro Inventário Nacional de emissões (de uma estimativa de 2,1 bilhões para 2,8 bilhões de toneladas de CO2 equivalente) sem ajustar os percentuais de redução, mantidos em 43% para 2030 em relação a 2005. Na prática, isso significava que o país havia “pedalado” na meta, dando a si mesmo licença para emitir até 400 milhões de toneladas de CO2 e a mais do que o que fora indicado na NDC original, de 2015. O ajuste para 50% anunciado pelo ministro Joaquim Leite no início da COP26, mas ainda não submetido formalmente à ONU, provavelmente usará o Quarto Inventário, que reporta emissões líquidas de 2,4 bilhões de toneladas em 2005. Isso significa que, caso cumpra o compromisso, o país deverá chegar a 2030 emitindo cerca de 1,2 bilhão de toneladas de CO2e, o mesmo nível da promessa de 2015. Ou seja, a ambição adicional da meta é zero.
“E apoio a redução global de metano”
Verdadeiro – O Brasil assinou o compromisso de redução de metano proposto por EUA e Reino Unido e subscrito por mais de uma centena de países no último dia 3.
“Nossa agricultura de baixo carbono já estourou quase 28 milhões de hectares de pastagens degradadas”
Exagerado – Levantamento da coleção 6 do projeto MapBiomas, que mede todas as mudanças de uso da terra no Brasil desde 1985, mostrou que, dos 113 milhões de hectares de pastagens que permaneceram pastagens entre 2000 e 2020, 17 milhões de hectares deixaram de apresentar degradação – ou seja, pode-se dizer que foram “recuperadas”. Ocorre que nesse período o país ganhou mais 41 milhões de hectares de pastagens – e quase 47% delas já apresentavam sinais de degradação em 2020. O número total, de cerca de 27 milhões de hectares, corresponde à soma entre pastagens já recuperadas e pastagens que são jovens demais para terem sofrido degradação, disse Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas. “São dados pioneiros, complexos e que ainda precisam ser validados em campo. Mas há indícios consistentes de que as pastagens brasileiras estão melhorando”, afirma Laerte Ferreira, coordenador do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento da Universidade Federal de Goiás, responsável pelos cálculos de pastagem no MapBiomas.
“Temos 16 milhões de hectares de florestas nativas em recuperação”
Verdadeiro – Os dados do projeto TerraClass, do Inpe e da Embrapa, mostram que na Amazônia há 17 milhões de hectares de florestas em regeneração.
“Nossas energias renováveis contribuem com 84% da nossa matriz eletrética, gerando o recorde de empregos em solar e eólica”
Verdadeiro, mas – Em janeiro de 2020, o Ministério de Minas e Energia anunciou que as energias renováveis correspondem a 84% da matriz elétrica do Brasil. Segundo a pasta, ela é composta principalmente por hidrelétrica (63,8%), seguida de eólica (9,3%), biomassa e biogás (8,9%) e solar centralizada (1,4%). Contudo, analisando todos os tipos de fontes de energias, as renováveis são menos da metade da matriz energética do país.
Dados do Balanço Energético Nacional 2021, divulgado pela Empresa de Pesquisa Energética, indicam que as energias renováveis totalizam 48,3% da matriz brasileira em 2020. Essa parcela vem crescendo progressivamente desde 2017, quando o percentual foi de 43,2%.
“E nosso programa de gestão de resíduos sólidos já reduziu em 20% O número de lixões a céu aberto”
Exagerado – Embora o Brasil tenha oficialmente desativado 19,8% dos seus lixões a céu aberto, isso não significa que esses espaços foram completamente fechados. Em 2019, o Ministério do Meio Ambiente lançou o Programa Lixão Zero, mas não há como atribuir a redução ocorrida exclusivamente ao governo federal, porque há ações de estados e municípios nesse setor.
Segundo a Associação Brasileira de Empresas de Tratamento de Resíduos e Efluentes (Abetre), em 2019, o Brasil tinha 3.257 lixões. Esse dado tinha como base informações do Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão de Resíduos Sólidos (SINIR). O último relatório da Abetre sobre esse assunto indica que 645 lixões foram desativados até agosto deste ano.
“Apesar de ser desativado, o local ainda está lá e requer um grande investimento para ser eliminado, mas não recebe mais resíduos”, diz a associação. Atualmente, 2.612 lixões permanecem abertos, recebendo resíduos, sendo que a maioria (1.426) está localizada no nordeste do país.
“Destacamos especialmente o programa águas brasileiras, com objetivo de chegar a 100 milhões de árvores plantadas”
De olho – Em 2019, o Ministério do Meio Ambiente revogou o programa de conversão de multas ambientais do Ibama, que já havia feito um chamamento público pelo qual 44 projetos haviam sido selecionados para receber R$ 1 bilhão advindo do pagamento com desconto de multas ambientais para recuperação de matas ciliares na bacia do São Francisco e convivência com o semiárido na bacia do Parnaíba. A alegação era de que o dinheiro “iria para ONGs”.
Em dezembro de 2020, o Ministério do Desenvolvimento Urbano lançou o programa Águas Brasileiras, que tem entre suas metas plantar 100 milhões de árvores. O primeiro edital do programa, que inclui as bacias do São Francisco e do Parnaíba, selecionou 26 projetos que, segundo o governo, receberão R$ 67 milhões. No entanto, como informa o próprio edital, “Os recursos financeiros a serem disponibilizados e investidos neste Edital serão oriundos de doações privadas específicas de patrocinadores interessados”.
Procurado, o MDU não havia respondido até o fechamento deste post.
“Cabe destacar também a incrível transformação no modal logístico para o ferroviário com mais de 5.000 KM de novos trilhos, representando uma redução de 75% das emissões no transporte de cargas”
Falso – O ministro se refere a um conjunto de ferrovias planejadas para os próximos anos que poderiam teoricamente, caso implementadas, reduzir emissões em relação às cargas de minérios e grãos transportadas em suas rotas e transportar 327 milhões de toneladas de carga. Três delas (Fico, Fiol e Ferrogrão) poderiam, segundo projeções publicadas pelo Ministério do Meio Ambiente, reduzir emissões em 76% a 78%. A carga transportada por essas ferrovias representa apenas 8,5% do total de carga transportada anualmente no país, que, segundo dados mais recentes do Ministério dos Transportes, foi de 3,8 bilhões de toneladas em 2017.
“Há menos de um mês, lançamos as bases do programa nacional de crescimento verde, para dar prioridade a iniciativas verdes, sejam públicas ou privadas, voltadas à redução de emissões, conservação florestal e uso racional de recursos naturais, dessa maneira contribuindo para a geração de empregos verdes. O programa já nasce com recursos de bancos federais da ordem de 50 bilhões de dólares”
Exagerado – Após o lançamento do programa, às vésperas da COP26, o ministro não detalhou os gastos, e admitiu que apenas R$ 12 bilhões (3%) dos R$ 400 bilhões anunciados seriam recursos novos. Trata-se de uma reembalagem de várias iniciativas já existentes. Além da falta de detalhes sobre fontes ou destinação de recursos, o decreto que cria o programa não tem metas, indicadores ou ações necessárias para ele funcionar – o prazo para que sejam divulgadas é setembro de 2022.
“Para conter o desmatamento ilegal na Amazônia, o Governo Federal dobrou os recursos destinados às agências ambientais federais”
Verdadeiro, mas – Em 2021, o governo federal aumentou a previsão de gastos com fiscalização ambiental no orçamento anual, após promessa feita em abril pelo presidente Jair Bolsonaro durante a Cúpula de Líderes organizada pelo presidente dos EUA, Joe Biden.
No Ibama, a dotação para fiscalização passou de R$ 82,90 milhões para R$ 234,62 milhões, enquanto no ICMBio ela foi de R$ 22,28 milhões para R$ 74,28 milhões (neste caso, incluindo prevenção e combate a incêndios).
No entanto, especialmente no Ibama, esse orçamento não está sendo executado. Neste órgão, faltando menos de dois meses para acabar o ano, apenas 24% (R$ 56,48 milhões) haviam sido liquidados (executados). Já no ICMBio, R$ 43,61 milhões haviam sido liquidados até 9 de novembro.
Além de não executar os recursos das agências ambientais no período mais crítico de queimadas, o governo mantém paralisados mais de R$3 bilhões do Fundo Amazônia, que poderiam estar sendo usados para o controle do desmatamento.
“Promoveu a abertura de concursos para 739 novos agentes ambientais”
Exagerado – Em setembro, a dois meses da COP26, o governo autorizou um concurso para 739 servidores no Ibama e no ICMBio, mas o edital ainda não foi publicado, portanto não há previsão de quando as vagas serão preenchidas. Além disso, a maioria dos cargos autorizados para os dois institutos é de técnico ambiental (73% das 739 vagas), que exige apenas nível médio. Somente 157 das vagas são para analistas ambientais, com curso superior, que têm atribuição em lei para fiscalizar o meio ambiente.
Além de priorizar servidores de nível médio, o concurso é insuficiente para repor as vagas necessárias. Só no Ibama há um déficit de 970 analistas ambientais, segundo ofício encaminhado ao MMA em maio de 2020 – o governo autorizou apenas 10% disso (96 no Ibama e 61 no ICMBio).
Como não existe edital até o momento, não há definição sobre quantas das 739 vagas serão destinadas à fiscalização.
“Além disso, o Ministério da Justiça intensificou as ações em comando e controle, com 700 homens da força nacional em campo, que atuam em 23 municípios de forma ostensiva e permanente.”
Falacioso – Dados oficiais mostram que houve enfraquecimento da fiscalização na Amazônia neste ano. O total de autos de infração por crimes contra a flora na região de janeiro a setembro caiu 44% em relação ao mesmo período de 2018, último ano antes da atual gestão. Sob Bolsonaro, o total de multas foi o mais baixo em duas décadas.
O apoio da Força Nacional de Segurança à fiscalização ambiental existe pelo menos desde 2013, quando foi assinado um acordo de cooperação com o Ministério da Justiça. Na ocasião, o Ibama passou a receber apoio permanente de 96 agentes da Força Nacional.
Assim como ocorreu com o Exército nas operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) autorizadas por Bolsonaro na Amazônia, os policiais da Força Nacional não têm poder de fiscalização.
“Reconhecemos também que onde existe muita floresta também existe muita pobreza.”
Falso – Diversos estudos nos últimos 20 anos têm mostrado que não existe ligação entre floresta e pobreza. Ao contrário, um trabalho clássico de pesquisadores do Imazon mostrou, em 2004, que regiões muito desmatadas têm um aumento inicial do IDH seguido por uma piora substancial dos indicadores após o esgotamento dos recursos, fenômeno conhecido como “boom-colapso”. Da mesma forma, o estudo mais recente de Índice de Progresso Social da Amazônia, de 2018, mostrou que não existe correlação entre desmatamento e melhora de indicadores socioeconômicos. Para dar apenas um exemplo, cinco dos municípios mais desmatados da Amazônia em 2020 (Lábrea, Feijó, Jacareacanga, Anapu e Pacajá) estão também na lista dos municípios com menor Índice de Progresso Social.
“E, para promover o desenvolvimento sustentável da região, criamos O Programa Nacional de Pagamentos por Serviços Ambientais Floresta+, que busca fomentar o mercado de serviços ambientais, reconhecendo e remunerando quem cuida de floresta nativa”
Verdadeiro, mas – O governo federal recebeu US$ 96,5 milhões do Fundo Verde do Clima (GCF, na sigla em inglês) em fevereiro de 2019 para o Floresta+, mas quase três anos depois o projeto continua no papel, sem que ninguém tenha sido remunerado, como admitiu o ministro Joaquim Leite em audiência no Senado em 31 de agosto. Agricultores familiares, povos indígenas e comunidades tradicionais da Amazônia são o público-alvo do projeto.
A negociação para obter os recursos do fundo climático da ONU foi iniciada em 2018, no governo Temer. O Brasil conseguiu os US$ 96.5 milhões por resultados na redução do desmatamento em 2014 e 2015, no governo Dilma.
No discurso, o ministro cobrou o cumprimento da meta de US$ 100 bilhões pelos países desenvolvidos. O GCF (Fundo Verde do Clima) é o fundo multilateral criado no âmbito do Acordo de Paris justamente para financiar projetos que gerem benefícios ambientais globais relacionados à mudança do clima. O Floresta+ é o maior projeto florestal aprovado pelo GCF. Ou seja, o governo cobra os US$ 100 bilhões, mas não usa a parte que já obteve desse montante.