23 Setembro 2021
“Muitas pessoas que não são e nem estão na Igreja trabalham também pelos grandes valores do Reino de Deus. De modo que, 'ainda que não são dos nossos, também expulsam demônios. Não os impeçam'. O importante é que 'se preencha' de bem, justiça, saúde... não de quem cura ou quem profetiza. O decisivo não é o 'meu grupo', nem as ideologias, nem sequer as igrejas. O decisivo é o 'Reino de Deus para todos os seres humanos': reino de justiça, de amor e de paz. A instância crítica e última não é a Igreja, mas o Reino”, escreve Tomás Muro Ugalde, teólogo basco, em artigo publicado por Religión Digital, 20-09-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Demônio (daimonion: significa espírito, divinidade, ser como deuses) e diabo (dia – ballein: agir por meio de dispersão, despistar) são termos gregos para significar o mundo do mal.
Não é que o diabo exista como ser pessoal com um tridente, soltando fumaça e fedendo a enxofre, mas sim que há realidades na vida que – agredindo a liberdade humana – podem se constituir em diabólicas: o poder, o dinheiro, o prazer, drogas, erotismo, etc.
Já de Madalena saíram sete demônios, com o número sete supondo plenitude. Há circunstâncias e situações na vida nas quais o mal se apodera de nós. Em certos momentos, encontramo-nos totalmente (sete) perdidos na vida.
Ao mesmo tempo não falta no ser humano a tendência ao bem e a expulsar os muitos demônios que habitam nosso mundo e nossa própria pessoa.
Toda pessoa sensata e de boa vontade – crentes e não crentes – querem o bem e tratam de expulsar os demônios de sua pessoa e da sociedade.
O texto tem uma coloração eclesial. Já no grupo de Jesus e na comunidade nascente começam as eternas confusões de que estes “são dos nossos”, os “outros não”, estes são os “oficiais e corretos do partido”, e estes outros são da Teologia da Libertação e meio heterodoxos. Estes são comunistas, e estes outros da Igreja. Estes são católicos, e aqueles protestantes ou de outras religiões.
Sempre tendemos a criar “guetos”, grupos sectários, movimentos que se apropriam da verdade, etc.
O exclusivismo e entrincheiramento de qualquer classe que seja, não é cristão.
A Igreja não coincide com o Reino de Deus. O “plantel” do Reino de Deus e o “plantel” da Igreja não concordam exatamente. A Igreja trabalha – ou deve trabalhar – pelo Reino de Deus: por justiça, paz, bem-estar das pessoas, etc., mas a Igreja não é o Reino.
Muitas pessoas que não são e nem estão na Igreja trabalham também pelos grandes valores do Reino de Deus. De modo que, “ainda que não são dos nossos, também expulsam demônios. Não os impeçam”.
O importante é que “se preencha” de bem, justiça, saúde... não de quem cura ou quem profetiza.
O decisivo não é o “meu grupo”, nem as ideologias, nem sequer as igrejas. O decisivo é o “Reino de Deus para todo o ser humano”: reino de justiça, de amor e de paz.
A instância crítica e última não é a Igreja, mas o Reino.
Lá onde há quem trabalha por estes granes valores, lá está ou se está fazendo presente o Reino de Deus.
O discípulo João, que neste momento é o porta-voz do grupo, expressa o mal-estar da “instituição”. Incomodava-o que aquele serviço de cura – e outras muitas que se dão na história – não estava no eixo hierárquico-eclesiástico.
A salvação ocorreu: aquele homem endemoniado estava curado, o que significa é que “não controlo o meu partido”.
Há décadas vivemos e conversamos sobre a descristianização e a caminhada da Igreja do mundo do trabalho, dos jovens, dos intelectuais, mais recentemente a ausência das mulheres na Igreja.
Muitas pessoas buscam a cura, a salvação por caminhos que não são os nossos, mas buscam a vida.
No seio da Igreja há salvação, há carismas, pessoas honestas, pais e mães crentes, missionários, “milhares” de tarefas da Caritas, voluntariado, vida contemplativa, “publicanos e zaqueus”, filhos pródigos e “madalenas”.
E fora dos “limites legais” do eclesiástico, há também Igreja e salvação. Santo Tomás disse que a verdade, seja qual for a pessoa que a diga, vem do Espírito Santo, vem de Deus. Jesus disse a mesma coisa de outra maneira sobre o bem: o bem, quem o faz, vem de Deus.
Em outras religiões e culturas encontramos um vestígio Verbi: vestígios da Palavra (dita pelo Concílio).
Deus dá a sua salvação, a sua vida e cura a todos e sempre: Deus quer que todos os homens sejam salvos e venham para a verdade (e para a vida) (1Tm 2,3-6).
Os efeitos salvíficos do Reino podem ser experimentados fora do âmbito eclesial.
Ninguém tem o selo de garantia ou a denominação de origem da salvação de Deus, quem somos nós para determinar onde e por quem Deus deve realizar sua salvação? A vida de Deus voa e você não sabe como:
O vento (o espírito, a vida, a salvação) sopra onde quer e você ouve sua voz, mas não sabe de onde vem nem para onde vai. Assim é todo aquele que é nascido do Espírito (João 3, 8).
O trecho do Evangelho que lemos hoje é muito promissor: quem lhe der um copo d’água para beber, porque você segue o Messias, garanto-lhe que não ficará sem recompensa.
Uma certa teologia e muitos clérigos facilmente e levianamente nos mandam para o inferno por menos do que nada.
Mas podemos pensar e aceitar com esperança que Deus é amor e o inferno para quem é um grande problema é para Ele, para Deus Pai que deseja que todos nós sejamos salvos.
Na vida podemos fazer pouco – mas que talvez é muito – de bom. Mesmo se dermos apenas um copo d’água, Deus Pai vai nos agradecer.
Não se trata de cumprir regras, ritos e preceitos, mas de fazer um pouco de bem na vida. Deus vai nos agradecer. E essa gratidão (graça) é o céu.
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Fora da Igreja não há salvação, ou fora da salvação não há Igreja?. Artigo de Tomás Muro Ugalde - Instituto Humanitas Unisinos - IHU