14 Julho 2021
"Se cada um de nós [na Itália] trabalhasse as mesmas 1.371 horas que um alemão, poderíamos dispor de 5,9 milhões de empregos a mais e os empregados poderiam ser 28,9 milhões em vez dos atuais 23 milhões. Em outras palavras, o desemprego seria eliminado. Tudo isso já estava claro há meio século", escreve Domenico De Mais, sociólogo italiano, autor entre outros de “Ócio criativo” (Ed. Sextante), em artigo publicado por Il Fatto Quotidiano, 13-07-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Causa admiração a surpresa com que os jornais noticiaram como surpreendentes os resultados de uma experiência realizada na Islândia com 2.500 médicos, enfermeiros e policiais, segundo a qual essas cobaias humanas, trabalhando uma hora a menos por dia e ganhando o mesmo, produziram mais. A mesma surpresa foi vista pelos pesquisadores de Harvard já em 1927, após um experimento realizado com um grupo de trabalhadoras da Western Electric em Chicago. Desde então, dezenas de pesquisas semelhantes confirmaram que qualquer grupo de trabalho, se souber que está envolvido em um experimento organizacional, por isso mesmo aumenta sua produtividade.
Com base nos resultados da experiência, empregadores e sindicatos islandeses concordaram em reduzir a jornada de trabalho de 40 para 35 horas por semana para 86% de todos os trabalhadores naquele país. Mas não há nada de novo. Como já mencionei várias vezes, de acordo com dados da OCDE, um francês trabalha em média 1.514 horas por ano (ou seja, 35 horas semanais) e um alemão trabalha 1.356 horas por ano (ou seja, 32 horas semanais). Em vez disso, um italiano trabalha 1.723 horas (ou seja, 40 horas semanais). É também por isso que a taxa de emprego na França é de 70% e na Alemanha é de 79%, enquanto na Itália é de 58%.
Praticamente, o italiano trabalha 354 horas a mais por ano do que o alemão, mas produz 20% menos. No total, trabalhamos 40 bilhões de horas por ano. Se cada um de nós trabalhasse as mesmas 1.371 horas que um alemão, poderíamos dispor de 5,9 milhões de empregos a mais e os empregados poderiam ser 28,9 milhões em vez dos atuais 23 milhões. Em outras palavras, o desemprego seria eliminado. Tudo isso já estava claro há meio século, especialmente para sociólogos franceses como André Gorz e Guy Aznar.
Em 1977, sempre na França, o grupo de estudos Adret, em um relatório significativamente intitulado Travailler deux heures par jour, escreveu: “A verdadeira dificuldade de nossa sociedade não é reduzir o tempo dedicado ao trabalho, mas não reduzi-lo: para conseguir esse resultado é necessário pagar (o mínimo possível) um exército de desempregados; manter um excedente significativo de mão de obra nas empresas; a criação de postos de trabalho, qualquer que seja sua real utilidade; realizar importantes pesquisas para tornar mais frágeis os bens de consumo que, por outro lado, não pedem nada melhor do que durar; lançar caras campanhas publicitárias para convencer as pessoas a comprar coisas de que não precisam; certificar-se de manter tanto quanto possível fora da vida profissional os jovens, as mulheres, os idosos, e assim por diante”.
A questão da jornada de trabalho surgiu com a sociedade industrial e com o trabalho operário. É na fábrica que x parafusos são fabricados em x minutos; é com a linha de montagem que o trabalho pode começar simultaneamente só quando todos os trabalhadores estiverem em seu posto e deve terminar simultaneamente quando a esteira de transporte parar para todos.
Em meados do século XIX, em Manchester, a cidade mais industrializada do mundo, 94% de todos os trabalhadores eram aprendizes e operários que trabalhavam até 15 horas por dia, seis dias por semana. Além disso, com os ritmos marcados pelo cronômetro de Taylor, o tempo e a velocidade tornados condições da eficiência, a eficiência é funcional para o lucro e, portanto, os empresários resistem a qualquer redução da jornada de trabalho. Apesar disso, ao longo dos anos, a jornada de trabalho tem diminuído constantemente devido ao efeito combinado do progresso tecnológico, do desenvolvimento organizacional, da globalização e das lutas sindicais. No ano de 1891, os italianos eram cerca de 30 milhões e trabalharam 40 bilhões de horas. Cem anos depois, quase dobraram, 57 milhões, mas trabalharam apenas 40 bilhões de horas. Mesmo assim, trabalhando 30 bilhões de horas a menos, eles produziram 13 vezes mais. Os economistas chamam esse fenômeno de jobless growth: desenvolvimento sem trabalho.
Mas o progresso não parou: informática, impressoras 3D, novos materiais, inteligência artificial, etc. mudaram profundamente a organização do trabalho: agora os trabalhadores não ultrapassam 30% de toda a população ativa, os empregados e aqueles de função criativa representam 70% e se consegue produzir cada vez mais bens e serviços com cada vez menos trabalho humano. Se o horário não for reduzido, o número de desempregados aumentará drasticamente. A atividade cognitiva não responde a nenhuma das regras com as quais Taylor e Ford enredaram o esforço físico na fábrica industrial. Hoje, para fins de produção, não é tanto o horário que conta, nem o local em que se trabalha, mas a motivação. Se os empresários islandeses entenderam isso, pode-se esperar que, mais cedo ou mais tarde, a Confindustria também o entenda.
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Menos trabalho, mais empregos: o que conta é a motivação - Instituto Humanitas Unisinos - IHU