06 Mai 2021
Desafios e perspectivas para a pastoral no Brasil hoje, foi o tema abordado por Dom Leonardo Ulrich Steiner dentro da dinâmica do I Congresso Brasileiro de Teologia Pastoral, que acontece virtualmente de 3 a 6 de maio, com o tema Discernir a pastoral em tempos de crise: realidade, desafios, tarefas.
A reportagem é de Luis Miguel Modino.
Sabendo que os desafios são muitos e as perspectivas esperançosas, o arcebispo de Manaus começava refletindo sobre a fé, que “é a fidelidade do amor de Deus em Jesus Cristo, a fidelidade que é própria de Deus”, que se faz presente na vida da humanidade de diferentes modos, afirmando que “não é nós tenhamos a fé, é a fé que tem a nós”.
Ao falar sobre evangelização e pastoral, as vê “como duas palavras que guardam buscas e propõem dinâmicas do ser Igreja”, mas sabendo que tem suas diferenças. Se trata de “assumir a missão que Jesus nos confiou”, e seguindo o proposto pelo Papa Paulo VI em Evangelii Nuntuandi, descobrir que “a finalidade da evangelização é esta mudança interior, converter ao mesmo tempo a consciência pessoal e coletiva dos homens”. Ele destacava a importância do conteúdo e dos meios, e que a partir do Documento de Aparecida, a evangelização se abre aos conceitos de discipulado e de missionariedade.
Para a compreensão do Concilio Vaticano II a pastoralidade é um elemento fundamental, segundo Dom Leonardo Steiner, que refletia sobre o conceito de pastor, “aquele que apascenta”, o que o levava a apresentar a pastoral “como dinâmica do cuidado, do cultivo do dom recebido”, tendo como referência a Jesus Bom Pastor, que veio para servir e dar a vida. Segundo o arcebispo de Manaus, “podemos falar da pastoral como a totalidade das ações da Igreja, não como uma soma de ações justapostas, mas aquela perspectiva da mediação em Cristo e da sua redenção a partir do processo encarnatório, do qual a Igreja participa”.
“A Igreja no Brasil tem percorrido um rico caminho de reflexão na busca do planejamento da pastoral”, afirmava Dom Leonardo, que fazia uma análise das Diretrizes para a Ação Evangelizadora e dos documentos surgidos a partir delas, na última década, inspirados no Documento de Aparecida e no Magistério do Papa Francisco. As atuais diretrizes tentam responder à cultura urbana, presente além das cidades, e foram pensadas a partir da missionariedade, sendo sustentadas em quatro pilares. Ele destaca como fundamental nessas diretrizes o estado permanente de missão, a Palavra e a Iniciação à Vida Cristã, colocando como exemplo a iniciação do povo Xavante.
Reconhecendo a existência de muitos desafios para a pastoral no Brasil, fazia uma analise sobre o modo da ciência e da técnica, determinado pelo cálculo e o resultado, que torna tudo um objeto, inclusive o homem e Deus. O tornar absoluto o empírico, “coloca em questão o modo de existir humano, a própria existência de Deus”, insistia Dom Leonardo Steiner. Ele abordava a tensão entre o pensamento calculante e o pensamento reflexivo. Junto com isso, o arcebispo abordava a questão, ao seu modo de ver importante, das figuras de Deus, “nós vivemos de figuras, não de imagens”, afirmando que se permanecemos na figura de Deus, “criamos um ídolo e nos relacionamos com um ídolo, vivemos de uma ideologia religiosa”.
Dom Leonardo denunciava que “hoje temos uma figura que não corresponde ao Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, nem a Jesus Cristo, somos cheios de milagres, de promessas, de curas, de dinheiro, de compra e venda”. Ele também abordava algo que considera uma questão fundamental para a pastoral, que é a morte de Deus, um desafio colocado por Nietzsche, que hoje se faz presente no que chamamos de pós-moderno, de mudança de época, na insistência do cuidado de se mesmo, numa vida que não transcende mais, coisificada, o existir humano sem perspectiva de Mistério.
Ao falar sobre o anúncio, afirmava que “existe uma segurança relacional que faz anunciar mais o moralismo que o Reino de Deus”. Em referência aos meios de comunicação destacava a forte influência dos meios de comunicação católicos, o que leva os fieis a esquecer o Concilio Vaticano II ou defender certas opções políticas, insistindo no desafio de “ajudar esses meios preciosos para estarem ao serviço do Evangelho da libertação”. O arcebispo insistia na presença da Igreja nas periferias geográficas e existenciais, nas universidades, no mundo intelectual, no mundo da cultura, do esporte, da política, da justiça, afirmando que “estamos entregando as nossas periferias, o nosso interior às igrejas neopentecostais”, que leva a uma exploração econômica, psíquica, espiritual.
A sinodalidade é atingida pela tensão entre a Igreja e as igrejas particulares. Essa sinodalidade se faz presente em diversas expressões, pedindo uma maior participação do Povo de Deus na construção das Diretrizes para a Ação Evangelizadora. Também abordava a questão das agressões à mãe Terra, cada vez mais dominada pela mentalidade calculante, que despreza o valor da natureza o dos povos indígenas que a cuidam, considerados de segunda categoria. A formação do clero, vida religiosa, dos leigos e leigas é um grande desafio, “para que possam dar as rações da própria esperança”.
Entre as perspectivas, citava a Palavra de Deus, como alimento e horizonte, vendo a necessidade de aprofundar na hermenêutica, que ajude a não ver a Palavra de Deus “como um livro de normas”, um tema presente na última assembleia da CNBB. Se faz necessário refletir sobre a celebração da Palavra nas comunidades, buscando elementos de inculturação. Também falta muito por avançar na dinâmica da Iniciação à Vida Cristã e na dinâmica de autonomia das comunidades e da presença estável da Igreja nas comunidades distantes do interior, reconhecendo as culturas indígenas. Ao mesmo tempo insistia na necessidade de valorizar as expressões da religiosidade popular, que define como lugar teológico e eclesial.
Os ministérios conferidos aos leigos, uma reflexão presente em Querida Amazônia, que ajudem a ter uma Igreja marcadamente laical, afirmando que “os desafios da Amazônia, exigem da Igreja um esforço para conseguir ser uma presença capilar”, algo só possível com a ajuda dos leigos, que precisam de formação. Outro desafio é a encarnação da fé na cultura, da inculturação, algo que exige muita escuta e que se visibiliza no rito amazônico. Ao mesmo tempo pensar num grupo permanente que ajude a vislumbrar um modo pastoral de evangelização a partir da realidade. Também abordava a questão do encontro, algo vital para nós, desde a gratuidade, e a questão da misericórdia, como a essência do ser cristão, que atinge especialmente a pastoral e tem a ver com nosso modo de ser e estar no mundo, que nos faz ser Igreja dos pobres, que nos faz ser Jesus. Por isso, insistia em que “pastoral sem misericórdia vira uma assistência social, não transforma nossa vida”.
“Não devemos ter medo da polarização”, afirmava Dom Leonardo respondendo às perguntas dos participantes, reconhecendo que “chegamos a uma polarização destrutiva”, uma polarização que se faz presente, segundo ele, “entre nós bispos, entre o próprio clero”. Existe um modo de pensar muito diverso, definindo como pessoas inseguras aqueles que se agarram a normas, a doutrinas. Diante disso, ele propõe o caminho pastoral da misericórdia, “quando nós vamos juntos ao encontro dos pobres, nossas divisões desaparecem”, afirmava o arcebispo, “porque ali é o Evangelho palpado, é o necessitado que nos obriga a descer das nossas ideias, das nossas formulações”.
Fazendo referência ao conceito de mudança de época, refletia sobre a Idade Média, tempo de pulular de heresias. Segundo Dom Leonardo, “existe uma insegurança, e a fé só dá segurança quando se torna relação, não mais ideia, não mais figura”. Outro caminho é não deixarmos de escutar, sem pretender colocar acima adjetivos. O arcebispo vê a Querida Amazônia como “expressão da Igreja que aqui está”, mesmo sabendo que tem um longo caminho a ser feito. Ele destacava a importância de que as comunidades se sentam comunidade de fé, ter essa autoridade estável que o Papa Francisco fala, e que a própria comunidade possa celebrar alguns sacramentos.
O arcebispo de Manaus denunciava que “nós estamos na Amazônia num momento extremamente difícil enquanto à questão do meio ambiente e dos povos indígenas, muito difícil, é tudo contrário”. Mas também destacava a grande labor dos leigos na Igreja da Amazônia.
Ao falar sobre a Assembleia Eclesial de América Latina e do Caribe, ele destacava a insistência do Papa Francisco, um pouco inspirado no modo de preparar as assembleias do episcopado brasileiro. Ele lembrava o acontecido com a Conferência Eclesial da Amazônia – CEAMA, mais uma insistência do Papa Francisco, onde reconhece que ainda existem dificuldades, pois os leigos e religiosas não tem direito a voto. Diante do pedido de uma nova Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e caribenho, Dom Leonardo destaca que foi o Papa quem sugeriu a Assembleia Eclesial. Segundo o arcebispo, “isso abre uma perspectiva muito interessante no sentido de ouvir a realidade da Igreja como um todo”, algo que vê possível no Brasil, mesmo sabendo que é algo muito exigente “diante das divisões que existem na nossa Igreja”.
Dom Leonardo sugeria a possibilidade de “um grupo de pessoas, completamente livres, que pensem a pastoral mais demoradamente, sem querer chegar a conclusões”, colocando como exemplo o que acontece entre o povo tapirapé para encontrar o que é conveniente para o próprio povo. Ao ser perguntado sobre o por que as Diretrizes não empolgam mais, ele vê que “cada vez temos mais um isolamento das próprias dioceses”, algo que também tem a ver com a formação do clero e dos leigos. Também relatava o cansaço dos bispos, diante da quantidade e exigência do trabalho.
Em relação com as Comunidades Eclesiais de Base, Dom Leonardo reconhecia que “se tem um certo receio de abordar, e alguns são contra”. Na Amazônia, ele diz perceber a presença das CEBs, mesmo que nem sempre se fale de CEBs. Junto com isso, afirmava certo receio em permanecer no ver, julgar e agir, algo que gera tensão, “mas a gente não tem que ter medo das tensões”, afirmando que esse método é uma dinâmica pastoral.
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“Quando nós vamos juntos ao encontro dos pobres, nossas divisões desaparecem”. Dom Leonardo propõe a misericórdia como caminho pastoral - Instituto Humanitas Unisinos - IHU