29 Janeiro 2021
Entidades recomendam que indígenas residentes fora de terras demarcadas também sejam incluídos na priorização da vacinação. Nota publicada por Associação Brasileira de Antropologia – ABA e Associação Brasileira de Saúde Coletiva – ABRASCO.
Desde a chegada da pandemia no país, tem sido apontado por especialistas que os indígenas seriam potencialmente mais vulneráveis à Covid-19, decorrente das dificuldades de acesso a serviços de saúde e pela falta de garantia das condições necessárias para isolamento social e de medidas preventivas, além da existência de indicadores de saúde desfavoráveis [1]. Por isso, em agosto de 2020, os consultores técnicos da Fiocruz/Abrasco da Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental 709 (ADPF 709), no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), indicaram que os indígenas deveriam ser priorizados na vacinação contra a Covid-19 pelo Programa Nacional de Imunização (Fiocruz/Abrasco) [2].
No momento atual, de início da campanha de vacinação contra à Covid-19 no Brasil, é notório que há um número limitado de doses para atender a população. Nesse contexto, o governo federal indicou que seriam priorizadas para serem vacinadas aquelas pessoas que tem maior exposição ao vírus e maior mortalidade (Brasil, 2020: 07)3. No entanto, o Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 [4] afirma que somente “indígenas aldeados…atendidos pelo Subsistema de Atenção à Saúde Indígena” (Brasil, 2020a: 15;40) seriam considerados para vacinação prioritária. Essa afirmação contraria diversas evidências que apontam para as vulnerabilidades dos indígenas à pandemia, tanto em contexto de terras indígenas quanto urbano, expressas no maior risco de infecção e na evolução para formas graves e óbitos.
As áreas urbanas do país foram as primeiras a serem afetadas pela pandemia, de modo que a população indígena residente nessas regiões foi rapidamente afetada [5]. Inquéritos consecutivos de soroprevalência de anticorpos contra Covid-19 conduzidos em zonas urbanas de todas as regiões do país tem demostrado que os indígenas apresentaram prevalências crescentes e superiores às das demais categorias de raça/cor (Hallal et al, 2020)6. Estudos que focam nos impactos da pandemia têm mostrado que as taxas de mortalidade por Covid-19 são progressivamente mais elevadas nas faixas etárias a partir dos 50 anos nos indígenas em comparação à população geral (Fiocruz, 2020: 16)7. Foi verificada também a maior letalidade em internações hospitalares de indígenas em comparação às demais categorias de cor/raça em praticamente todas as faixas etárias (Ranzani et al, 2021)8.
Ressalta-se que a insegurança e indisponibilidade fundiária constituem importantes determinantes da mobilidade de pessoas e grupos indígenas. Entretanto, passados mais de 30 anos que a Constituição Federal determinou a demarcação das terras indígenas, diversos povos indígenas seguem na luta pelo reconhecimento e homologação de seus territórios. Em muitos casos, vivem às margens de rodovias ou em acampamentos com condições de moradia e vida precárias, submetidos a conflitos com ruralistas e a população do entorno, encontrando no deslocamento para cidades alternativas para uma vida mais digna. Fora de seus territórios, vivem sob condições de marginalização, além de invisibilizadas na garantia dos seus direitos específicos e com barreiras no acesso às políticas sociais. Importante enfatizar que, tal deslocamento não compromete os vínculos com os territórios originários e toda uma ampla gama de dimensões identitárias. Em reconhecimento a esses cenários, o Ministro Luiz Roberto Barroso determinou, no âmbito da ADPF 709, a extensão imediata das ações do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SASI-SUS) às populações indígenas em terras não homologadas e em áreas urbanas com barreiras de acesso ao SUS.
Nos últimos dois meses do 2020, mesmo antes da desejada atenuação da 1ª onda da pandemia no Brasil, observou-se o recrudescimento da epidemia no país, culminando em recordes de casos e mortes e o colapso do Sistema de Saúde em diversas localidades, com destaque para Manaus e municípios do interior do Amazonas, e outros estados da região Norte, como Rondônia e Pará. Questões como a restrição das ações prioritárias de atenção e vacinação apenas aos indígenas residentes em territórios reconhecidos e homologados e a fragilidade ou inexistência de pactuações entre o nível federal responsável pela saúde indígena e os demais entes federados (estados e municípios) para garantir a atenção à saúde a população indígena que reside fora desses territórios geram invisibilidade e potencializam a vulnerabilidade desse segmento no contexto da pandemia. Desse modo, consideramos como problemático ficar a cargo da sensibilidade particular de cada gestor da saúde local a decisão sobre a assistência e vacinação dessa população, usurpada do direito à saúde na perspectiva da equidade, por um critério geográfico que não guarda relação direta com a identidade étnica e os riscos sanitários.
Neste contexto, alertamos também para outros problemas já identificados nessa fase inicial da campanha de vacinação contra a Covid-19:
Diante desse cenário, recomendamos que sejam incluídos todas as e todos os indígenas na priorização da campanha de vacinação contra a Covid-19, independentemente de seu local de residência, garantindo que haja a oportunidade contínua de acesso à vacina. É fundamental que não se burocratize a vacinação por meio de exigências documentais, que sabidamente contribuem para reduzir a cobertura de vacinação. Recomendamos ainda que seja garantida a segunda dose da vacina em tempo oportuno, conforme indicam os protocolos aprovados pela Anvisa, e que seja veiculada uma ampla campanha de comunicação transparente e informativa para adesão à campanha de vacinação contra a Covid-19, esclarecendo-se as fakes news.
Aos indígenas gostaríamos de reforçar que todas as vacinas aprovadas pela Anvisa já passaram por todos os procedimentos necessários para comprovação de sua segurança e eficácia. A vacinação é a melhor estratégia para reduzirmos as internações e mortes pela Covid-19. Reforçamos ainda que, mesmo com a vacinação, é fundamental manter as demais medidas de prevenção como distanciamento social, uso de máscaras e higienização, pois ainda irá demorar até que haja uma diminuição da circulação do vírus.
Rio de Janeiro, 28 de janeiro de 2021
Assinam esta nota:
Associação Brasileira de Antropologia – ABA
Associação Brasileira de Saúde Coletiva – ABRASCO
1 Covid-19 e os povos indígenas.
5 Risco de espalhamento da COVID-19 em populações indígenas: considerações preliminares sobre vulnerabilidade geográfica e sociodemográfica. Relatório no4 do Grupo de Métodos Analíticos de Vigilância Epidemiológica (MAVE), PROCC/Fiocruz e EMap/FGV, Grupo de Trabalho sobre Vulnerabilidade Sociodemográfica e Epidemiológica dos Povos Indígenas no Brasil à Pandemia de COVID-19e colaboradores. 18 de abril, 05 e 20 de maio de 2020.
6 Hallal et al., 2020. Lancet Glob Health 2020; 8: e1390–98.
9 Funai
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Vacinação para todas e todos os indígenas já! - Instituto Humanitas Unisinos - IHU