06 Janeiro 2021
"O Papa argentino adverte que há uma encruzilhada: o sistema global pode melhorar ou tornar-se ainda mais impiedoso com os vulneráveis, em posição de fragilidade, prontos para serem descartados”, escreve Umberto Folena, editorialista do jornal Avvenire e consultor da Conferência Episcopal Italiana - CEI, em artigo publicado por Avvenire, 05-01-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Não, tudo não voltará como antes. Mas como estamos nos transformando, e como nos tornaremos, está em grande parte em nossas mãos; e no pensamento, na palavra, na ação, na responsabilidade da Igreja. Há uma frase, no relato dos primeiros nove meses de 2020 escrito por Marco Politi, intitulado Francesco, la peste, la rinascita (Laterza, p. 114, euro 13), que resume o pensamento, mais uma vez claro, do Papa Bergoglio: “De uma crise como esta não se sai iguais, como antes. Podemos sair melhores ou piores”.
Politi, vaticanista do jornal República por cerca de vinte anos, depois colunista do Fatto Quotidiano, está em seu terceiro livro sobre Francisco. Não há dúvida de que gosta deste Papa. Não que desprezasse os precedentes, mas certamente as críticas eram superiores aos elogios. No entanto, ele não é um Politi torcedor. Ele não escreve um panfleto e está bem ciente de que Bergoglio não precisa de apologistas, nem os apreciaria.
Assim, para narrar a grande crise do mundo e da Igreja, ele assume o papel de cronista. Partindo do coração da crise, do gesto simbólico mais poderoso de que Francisco poderia ter sido capaz e que não deve ser esquecido. O cronista leva-nos à Basílica de São Pedro no dia 27 de março de 2020: “A praça está deserta, lívida de chuva. Os braços da colunata se abrem sobre a desolação”.
Poucas outras imagens descreverão no futuro este tempo infeliz como aquela do Papa, um minúsculo pontinho branco, que do centro da praça vai ao seu coração: o crucifixo ao lado da Basílica. É a noite da grande oração. Na realidade, o Papa não está sozinho. Milhões o seguem ao vivo na frente das telas.
Mas isso não é a mesma coisa. “Há quase três semanas - escreve Politi - a Igreja parece ter deixado de existir. Templos praticamente fechados, fiéis desaparecidos. Não se celebram Missas…”. Em parte é abandono, em parte é um êxodo para outros lugares. Mas basta para fazer com que Politi escreva que "a única liturgia é a entrevista coletiva noturna".
Não se engana quando observa: "Para a Igreja é um choque nunca visto, nem mesmo em tempos de guerra, inundações ou terremotos". E a migração parcial na web deixa um gosto amargo na boca, pois “o cristianismo (...) é uma relação com o corpo do povo”. As Missas de Santa Marta, durante o lockdown, são transmitidas pela TV. Mas não hesita em afirmar: “O vírus mata o calor da liturgia vivida em comunidade”.
Francisco não se exime da história. Apesar das dificuldades e dos escândalos, “chega o momento em que o Romano Pontífice encontra a estatura para falar como voz universal”. E assim acontece que, em tempos de peste, o Papa já indica o caminho para o renascimento. Que é, aliás, aquele das suas Cartas; da denúncia do "egoísmo indiferente, um vírus ainda pior"; de ter como perspectiva a única família humana: “Ou somos irmãos ou estamos perdidos”.
Francisco alerta para a insídia das soberanias, o "novo ópio dos povos". A sua Igreja está no fronte, “disposta em uma linha de clara defesa do sistema democrático”. Indica na "justiça, caridade e solidariedade" os anticorpos da iniquidade, da desigualdade, do desprezo pela criação.
Politi conclui: “Se e quando a peste passar, não vamos voltar para onde estávamos. Disto estão convencidos Francisco e muitos outros junto com ele. Mas o Papa argentino adverte que há uma encruzilhada: o sistema global pode melhorar ou tornar-se ainda mais impiedoso com os vulneráveis, em posição de fragilidade, prontos para serem descartados”.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A Igreja em tempos de Covid. Gestos e palavras proféticas de esperança - Instituto Humanitas Unisinos - IHU