03 Dezembro 2020
“Senhor, tu que abriste os ouvidos do surdo, os olhos do cego e a boca do mudo, tem piedade de mim: quando o culto ameaça a minha fé, a minha esperança e o meu desejo de amar, usa da tua onipotência para me conceder aqueles milagres em sentido contrário.”
O comentário em forma de oração é de Jean-Marie Kohler, publicado por Garrigues et Sentiers, 23-11-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Sim, há celebrações que eu amo, que interpelam o coração e o espírito, que iluminam a fé e fortalecem a esperança, alimentam a ternura e levam a viver segundo o Evangelho, que aproximam de Deus – louvado seja o céu.
Mas há muitas outras, infelizmente...
Senhor, tu que tiveste piedade de um surdo-mudo e o curaste como só Deus sabe fazer, tem piedade de mim que, embora não sofrendo das mesmas enfermidades, muitas vezes sofro por não ser surdo enquanto estou na igreja e por não ser mudo quando dela eu saio.
Quantas vezes fico abatido pelo que ouço durante o culto: falas superficiais, hinos grandiloquentes, sempiternas peças de órgão, partes recompostas das Escrituras, orações e sermões que nada mais são do que imposturas por não me comprometer com nada.
Não sendo cego, também sou submetido a um espetáculo que me desola: em um ambiente antiquado que exala tédio, a rotina é adornada com um cerimonial pretensioso tirado das idolatrias deste mundo, reivindicando até um trono ou uma cátedra universitária.
E o pior ainda está por vir, porque, quando eu saio depois de ter sofrido uma celebração que é uma ofensa múltipla à tua memória, Senhor, e uma ofensa a qualquer pessoa que para celebrá-la: eu amaldiçoo, e a minha decepção se transforma em uma explosão de raiva...
Quantos fiéis continuam apegados às celebrações assim como elas são, em memória das emoções da sua infância ou por uma convicção indefectível. É o direito deles, e eu respeito as consolações que o culto lhes oferece, mas isso não muda em nada a minha pena.
Não posso aceitar suportar indefinidamente essas provações que já fizeram tantos fiéis fugir, mas também não quero renunciar a me juntar àqueles que continuam se reunindo para te celebrar com os pobres meios de que dispomos.
Então, Senhor, tu que abriste os ouvidos do surdo, os olhos do cego e a boca do mudo, tem piedade de mim: quando o culto ameaça a minha fé, a minha esperança e o meu desejo de amar, usa da tua onipotência para me conceder aqueles milagres em sentido contrário...
Mas, Senhor, não é verdade, talvez, que tu sofres mais do que ninguém com tantas coisas indignas feitas em teu nome – dentre as quais as cerimônias religiosas ainda estão entre as menos importantes – e que tu precisas de cada um de nós para remediá-las?
Ajuda-nos, então, Senhor, a viver essas provações, compartilhando a tua própria compaixão pelos teus fiéis e estimula em nós os sentidos que o Criador nos deu para que os usemos para construir contigo o reino que tu anunciaste.
Dá-nos a clarividência e a coragem necessárias para tornar mais habitáveis as casas onde os fiéis se reúnem em teu nome, limpando-as com discernimento e delicadeza, e acolhendo nelas, de braços abertos, a vida exterior.
Mas, acima de tudo, Senhor, encha-nos de generosidade e de audácia para nos unirmos aos homens e às mulheres lá onde tu caminhas com eles, fora dos santuários, para partilhar o pão, o vinho e a tua palavra, para partir os nossos corpos com o teu pelo mundo e para trabalhar com empenho com todos para tornar mais habitável esta terra que é a nossa única e comum morada.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Oração para sobreviver às celebrações religiosas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU