13 Novembro 2020
O ex-ministro da Economia e Recuperação Produtiva, Arnaud Montebourg acaba de publicar L'engagement (O compromisso, Grasset), um relato, vista de dentro, dos seus anos no ministério. Deixaremos aos comentaristas políticos e aos cidadãos a tarefa de apreciarem suas duras críticas a François Hollande, indeciso chefe de Estado que se preocupa em não ofender o grande empresariado. Mesmo quando sabemos o fim da história (Florange, Alstom...), o relato é fascinante.
A entrevista é de Christian Chavagneux, publicada por Alternatives Économiques, 05-11-2020. A tradução é de André Langer.
O interesse do livro reside na questão de fundo que ele coloca: um Estado como a França ainda tem os meios para uma intervenção econômica autônoma no capitalismo globalizado? Vários obstáculos se colocam no caminho do político que deseja controlar os efeitos negativos da globalização: a enarquia [da sigla ENA – Escola Nacional de Administração – e do grego arkhê, poder, comando. A enarquia designa, com uma conotação pejorativa, o poder e a influência dos ex-alunos da ENA no alto serviço público], a Europa, o poder das empresas e o poder dos Estados Unidos. Mas é possível agir, o “made in France” é um caminho, mas há outros. Porque a resposta final é positiva: os Estados podem agir para controlar a globalização. Como? Até onde? Com que meios? Estas são algumas das perguntas que queremos fazer a Arnaud Montebourg.
A globalização é frequentemente apresentada como uma dinâmica econômica e tecnológica. Mas, na sua opinião, as políticas públicas desempenharam um papel fundamental.
A globalização é uma criação dos governos que decidiram colocar suas próprias economias e modelos sociais em concorrência. Agora sabemos os resultados: a criação e a fortificação de impérios, com potências enfurecidas, a americana e a chinesa. Sendo esta última baseada em um capitalismo de vigilância contra o qual devemos defender nossa preferência por uma sociedade democrática, participativa e livre, porque é feita de freios e contrapesos. Devemos voltar à hiperglobalização que se desenvolveu devido às escolhas errôneas de uma geração de líderes à frente de quase todos os Estados do mundo. Errôneas, porque essas decisões fragilizaram as economias e as sociedades dos antigos países industrializados.
Foi necessária a crise dos subprime para observar os sinais de retração da globalização: o comércio internacional agora cresce mais lentamente do que a produção, o encurtamento das cadeias de valor, uma queda nos fluxos internacionais de capital. Dito isso, o movimento de pessoas é cada vez mais controlado hoje, enquanto o de bens e capitais fica sem qualquer controle.
Esse início de declínio da globalização também é resultado de decisões estatais?
Este foi, inicialmente, o resultado da grande recessão de 2008-2009. Em seguida, a chegada ao poder de líderes políticos, apoiados por classes médias empobrecidas e revoltadas, com um mandato para encolher o mundo. As classes médias, atingidas pela austeridade salarial e pela crescente remuneração do capital, se rebelaram.
De acordo com um estudo da McKinsey (que não é propriamente um escritório bolchevique!), 580 milhões de famílias da OCDE, 70% do total, viram suas rendas estagnar ou diminuir na última década, em comparação com 10 milhões na década anterior. E, durante este período, 82% das riquezas criadas foram para o 1% mais rico. Este aumento na desigualdade alimentou os coletes amarelos, assim como o Brexit ou a vitória de Trump. Agora, a globalização está começando a encolher em consequência de decisões políticas.
Ao mesmo tempo, nós nunca tivemos um mundo de liberalismo econômico pleno. A globalização, o senhor escreve, “todos procuraram impô-la aos outros ao mesmo tempo que se protegem dela”.
É uma constância na história. As grandes potências impõem a outros países a abertura das fronteiras aos seus produtos quando países médios como o nosso têm que aceitar as regras dos outros. É por isso que hoje a França é o país mais aberto da União Europeia, ela própria a zona mais aberta do mundo, tudo em nosso detrimento.
Aqueles que desejam dominar o grau de globalização veem vários obstáculos em seu caminho. Um deles, o senhor diz, é a casta dos funcionários públicos do alto escalão. No entanto, até a década de 1970, eles eram reguladores estatais e depois se tornaram liberais. Eles não são apenas um sintoma das ideias dominantes, eles mudarão novamente se a doxa mudar?
Eles são o sintoma e o problema. Eles refletem as ideias da classe dominante e sua separação do resto da sociedade. Os “oliguenarcas” [uma mistura de oligarca com enarca] expressam um sentimento de superioridade, acreditam que estão investidos do interesse geral, mas na realidade impõem uma ideologia cuja ideia central é que o Estado deve ceder à economia e às finanças. Eles o fazem em nome da União Europeia, que impôs uma camisa de força jurídico-política que constrange a ação econômica dos Estados.
As coisas estão mudando entre a Covid e a nova Comissão Europeia?
A revolta está se formando. 60% das francesas e dos franceses consideram que a globalização é um problema, um ponto de vista cada vez mais frequente na Europa. Os partidos extremistas de direita estão surfando nessa situação e se aproximando perigosamente do poder. A União Europeia está à procura de soluções. O primeiro a se mexer foi o Banco Central Europeu, que soube não se manter fiel à doxa monetarista da direita alemã. Mas a política fiscal não foi seguida. Consequências: as massas de dinheiro despejadas pelo Banco Central serviram menos à economia do que aos mercados financeiros e ao aumento da riqueza dos mais ricos.
Claro, a Covid implodiu as restrições orçamentárias. Mas como será gerada amanhã uma dívida, pública e privada, que deve ser reconhecida como não reembolsável, uma vez que é abismal? Na França, os empréstimos garantidos pelo Estado salvaram as empresas, mas ao custo de 130 bilhões de euros em endividamento adicional. Um quarto das empresas de médio porte afirma que terá dificuldades para pagar o empréstimo garantido pelo Estado.
Teremos de encontrar uma solução para este problema, e isso em toda a Europa. Ninguém ainda colocou esta questão da dívida pública e privada no centro dos debates europeus. Só quando atingirmos o muro da verdade da dívida é que saberemos se a visão alemã do retorno à austeridade continua a prevalecer ou não, e se a Europa realmente mudou.
Controlar a globalização também significa ser capaz de enfrentar o poder das multinacionais. A França dispõe dos meios para isso?
Acredito que sim. A França tem multinacionais e o Estado deve fazer mais para interagir com elas. Podemos constatar que, em todo o mundo, as alianças entre poderes políticos e os grandes atores privados representam um fator de poder estratégico para ganhar mercados externos e consolidar o seu mercado interno.
Podemos nos proteger dos ataques de empresas estrangeiras que querem comprar empresas nacionais? Aqui, novamente, a resposta é sim. Muitos Estados o fazem e a França tem os instrumentos jurídicos para isso. Ela não tem líderes políticos com a coragem necessário para tanto.
Vamos mais longe: poderia a Europa, por exemplo, conseguir limitar o poder dos Gafa? Sim, isso virá e em pouco tempo. Porque os próprios americanos querem desmantelá-los, porque a Comissão Europeia age na mesma direção ao querer atacar as posições dominantes. Por exemplo, é inaceitável que as empresas dependam da política de indexação do Google para seu faturamento na web. Ou que o Facebook se beneficia dos dados pessoais dos usuários sem pagar por eles. A próxima fronteira da Europa consiste em questionar os abusos de posição dominante dos Gafa.
Mas a Europa não tem alternativa tecnológica para oferecer?
Na opinião dos especialistas do setor que consultei, temos tudo no local: financiamento, recursos humanos, científicos, matemáticos e algorítmicos. É preciso decidir fazê-lo, grandes industriais e Estados devem decidir se unir para financiar uma operação de substituição, isso é possível.
Em seu livro, o senhor abre várias vias de resistência aos efeitos negativos da globalização. O senhor se tornou o arauto da primeira, o “made in France”. Uma de suas dimensões é o resgate de empresas em dificuldades. Até onde isso é possível?
Em tempos de recessão econômica, o papel do Estado é organizar o recuo em boa ordem com um objetivo: a preservação a todo custo dos instrumentos de trabalho e do saber-fazer. Todos precisam assumir uma parte das perdas, incluindo os dirigentes, os acionistas, os trabalhadores – não podemos salvar todos os empregos em todos os lugares. Mas é preciso preservar os instrumentos industriais de produção, o que os alemães conseguiram depois da crise de 2008. Foi o que fizemos com o empréstimo garantido pelo Estado, mas que terá que se transformar em fundos próprios para as empresas consideradas estratégicas.
O “made in France” também significa construir as indústrias do futuro. A este respeito, o senhor mostra bem como o dinheiro público é necessário para a inovação privada.
O dinheiro público tem duas vantagens: interessa-se menos pelo risco e é paciente, pode ver longe, duas virtudes essenciais. A cooperação entre o setor público e privado é fundamental para a construção do futuro.
Deixe-me dar um exemplo: independente dos debates que suscitou, o 5G está chegando. Como você reconstrói a Alcatel, que desapareceu, para não ter que gastar dezenas de bilhões para comprar equipamentos chineses? Precisamos de um Estado operacional, que coloque os industriais interessados em torno da mesa e organize a ordem pública para os materiais necessários. E que supere todos os processos burocráticos dos mercados públicos. Nessas áreas, o Estado não sabe agir com rapidez, é incompetente e nos arruína.
Mas como fazer as escolhas certas? Quando ministro, o senhor lançou planos industriais, especialmente na indústria automobilística, uma indústria do século XX, ou na aviação, cujo futuro parece menos certo. No entanto, são bilhões gastos.
Temos que criar tudo o que não temos se precisarmos e garantir a nossa independência, este é o princípio. Não estou seguro se o automóvel está ultrapassado, pois é um instrumento de liberdade individual. Iremos ser menos proprietários de carros, vamos compartilhá-los, ele será intermodal (rodoviário e ferroviário), etc., mas permanecerá. O avião elétrico, híbrido ou não, será menos poluente e mais silencioso, será útil. O que é preciso fazer em termos tecnológicos é ter cuidado para não fazer escolhas muito precoces. Devemos antecipar os desejos e necessidades da sociedade para investir com sabedoria.
Precisamos de um pouco de protecionismo? Na França? Na Europa?
Ambos. Na França, não temos mais uma política comercial. Ela foi abandonada na Europa. Devemos ser capazes de recuperar as margens de manobra, não contra a Europa, mas sem ela, se não pudermos avançar juntos. Há anos que falamos sobre a introdução de um imposto sobre o carbono nas fronteiras, mas não estamos avançando. Por que não colocá-lo em prática nas fronteiras francesas para produtos não europeus, como imaginamos a partir da taxa Gafa?
Temos de encontrar respostas nacionais quando a Europa não está avançando. Dizem que a França recuperará 40 bilhões de euros do plano de retomada do crescimento europeu. Mas, em troca, teremos que contribuir mais em termos de reembolso: 67 bilhões. Por solidariedade, mas também porque países que nos roubam em questões fiscais, como os Países Baixos, quiseram contribuir menos.
A luta contra os paraísos fiscais, que o senhor liderou desde o final dos anos 1990, continua importante?
Obviamente! Especialmente quando estão na União Europeia. Devem ser tomadas medidas de represália: enquanto os Países Baixos me roubarem em questões fiscais, considero possível bloquear a importação de produtos holandeses.
É meio bélico!
Os dirigentes holandeses assumiram a liderança em uma coalizão de países que rejeitam a solidariedade orçamentária europeia e estabelecem condições e exigências para contribuir com ela. A França pode fazer o mesmo. Ou o projeto europeu é um projeto para todos, ou é um projeto à la carte. Se for à la carte, teremos muito a exigir!
O FMI, Paul Krugman, Lawrence Summers, Dani Rodrik, etc., muitos economistas estão agora destacando os problemas associados à globalização excessiva. Estamos assistindo a uma mudança ideológica?
Sim, uma mudança ideológica, mas também política, e vamos observar as consequências com as decisões tomadas pelos governos que agora chegarão ao poder. É aqui que teremos de ser razoáveis, aceitar que esta mudança se complete, ao mesmo tempo que nos certificamos de que não vai ao extremo oposto, ou seja, cair no fechamento das fronteiras. Teremos que encontrar uma posição equilibrada.
A globalização deve ser objeto de um debate democrático, o que dá lugar para espaços de decisão política nacionais. A globalização precisa ser repolitizada.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
“A globalização deve ser objeto de um debate democrático”. Entrevista com Arnaud Montebourg - Instituto Humanitas Unisinos - IHU