11 Setembro 2020
“A religião pode ser um perigo para a paz, a política, a sociedade e a convivência”, escreve o teólogo espanhol José María Castillo, em artigo publicado por Religión Digital, 09-09-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
As notícias, que os meios de comunicação nos dão nestes dias, sobre as violências e disparates cometidos na Espanha, nos anos passados, nos obrigam a pensar (mais uma vez) no perigo que pode chegar a ser a religião. Perigo para a paz, para a política, para a sociedade e para a convivência dos cidadãos, etc., etc.
O que acabo de dizer não é uma novidade. É um fato bem conhecido e sustentado. E não me refiro apenas a fatos do passado. Estamos vivendo nestes dias do presente. Anjos e demônios nos diários de políticos de alto escalão. A religião dirigindo a política, atacando ou defendendo os políticos, para o bem de alguns, para a desgraça de outros. Estamos loucos? E afirmo que, no cristianismo e em nossa Igreja, isso foi até a medula de nossas crenças. Como também é verdade que são muitos os cidadãos que, por estarem fartos de disparates, abandonaram a religião. Estamos frente a um assunto de suma importância. Para bem ou para mal, não somente da política, mas igualmente da religião.
No cristianismo, temos isso claro. A desgraça é que, com muita frequência, os clérigos não ensinam isso como deveriam ensinar. Porque há clérigos que são parte interessada no assunto. E são muitos os padres que se servem da religião para fazer carreira, ter poder, viver com segurança e serem pessoas importantes. Isso é intolerável.
Qual a solução que Jesus deu a este assunto, tão grave e tão delicado? Jesus tirou a religião: a tirou do templo, enfrentou os padres, não participou jamais das cerimônias do “lugar sagrado”. Jesus rezou muito. Passava as noites inteiras em oração. Porém, para rezar, não ia ao templo. Ia a locais solitários. A religiosidade que nos ensina o Evangelho, não é a religiosidade que nos ensina a religião.
Por isso precisamente Jesus se desentendeu da política. Jamais falou contra o Imperador. Nem contra Pôncio Pilatos. Nem se enfrentou contra os legionários romanos. Quando Herodes degolou João Batista, em uma noite de farra, Jesus não disse nem uma palavra. E quando disseram a Jesus, diante de uma multidão, que Pilatos havia degolado alguns samaritanos quando estavam celebrando um ato religioso, Jesus não disse palavra alguma contra Pilatos. Pelo contrário: ao povo que estava diante dele, lhes disse: “E vós, se não vos converteis e mudais de vida, vais a terminar como esses samaritanos”. Mais ainda, no relato da paixão de Cristo, quem esteve contra Jesus? Os sacerdotes? E quem defendeu Jesus, resistindo a condená-lo? Pôncio Pilatos. E mais, quando Jesus agonizou e morreu na cruz, quem fez o primeiro ato de fé, reconhecendo Jesus como o “Filho de Deus”? Não foram os apóstolos, que resistiam a crer. Os primeiros crentes em Jesus Cristo foram “o oficial e os soldados romanos” (Mt 27, 54) e depois as mulheres (Mt 27, 55-56), as que agora são vistas como incapacitadas pela religião, para poderem ser iguais em dignidade e direitos aos homens.
Tudo isso ocorria desde muito antes que Deus se fizesse presente no mundo, na pessoa e na vida daquele pobre nazareno, que foi Jesus. E continua ocorrendo agora: há políticos que utilizam a religião para seus interesses. E os que tanto defendem a religião, não se importam com o Evangelho. Para Jesus, em primeiro não vinham as cerimônias e os rituais. Para Jesus, a prioridade eram os seres humanos, sobretudo os que mais sofrem, os doentes, os pobres, as crianças, os pecadores e as mulheres.
Quando vamos deixar de nos aproveitar da Religião, para aproveitar do dinheiro e da importância dela, por mais que disfarcemos nossos interesses do que mais nos convém? Quando veremos os cristãos, em massa, identificados em tudo que possa com os últimos deste mundo? E termino pedindo, sobretudo a nossos bispos, que “sigam a Jesus”, que vivam o Evangelho, que sejam (e sejamos todos) presença de Jesus neste mundo. Os bispos ensinarão o Evangelho quando os vermos vivendo como Jesus viveu. E outro tanto há que se dizer de bispos, de religiosos, do clero em geral. E isso mesmo temos que fazer aos quais dizemos que o cristianismo tem sua razão de ser. Não é questão de argumentos. É o que decide se somos ou não somos crentes em Jesus Cristo.
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“São muitos os padres que se servem da religião para fazer carreira, ter poder, viver com segurança... isso é intolerável”. Artigo de José M. Castillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU