13 Julho 2020
No adro da igreja paroquial de Caprona, no interior de Pisa, eu encontrei pela primeira vez, nos anos 1980, um jovem peruano, Carlos Castillo, ainda não sacerdote, que estava se preparando para a ordenação enquanto terminava seus estudos teológicos na Universidade Gregoriana de Roma. O que nos uniu, naqueles anos, foi o sopro de uma espiritualidade forte, alimentada pela iluminada pastoral de um pároco, um teólogo dos grandes, Severino Dianich, que oferecia hospitalidade, durante as férias de verão, aos estudantes estrangeiros que não podiam voltar de Roma aos seus países por um curto período de tempo.
A reportagem é de Donatella Puliga, publicada no caderno La Lettura, do jornal Corriere della Sera, 12-07-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Assim, em Caprona, eles continuavam estudando para a tese de doutorado, experimentando uma dimensão eclesial que certamente marcaria o seu ministério: com as pessoas, com os jovens estudantes, com aqueles que buscavam acreditar em uma “Igreja, mistério de comunhão”, como diz o título de uma obra fundamental e profética de Dianich.
Carlos, formado em Ciências Sociais pela Universidade Nacional de San Marcos de Lima, aluno de Gustavo Gutiérrez, pai da teologia da libertação, obteve seu doutorado em Teologia Dogmática em Roma após a ordenação sacerdotal em Lima em 1984. Tendo voltado à sua terra natal, ele lecionou na Pontifícia Universidade Católica do Peru, de 1987 a 2019. Mas também exerceu o ministério em várias paróquias da cidade, inclusive em áreas difíceis.
A sua nomeação como arcebispo de Lima, como sucessor do discutido cardeal Juan Luis Cipriani, chega com a força de um terremoto eclesial. Era março de 2019.
Excelência, um ano depois, em que condições a pandemia encontrou o seu país e o seu continente?
O coronavírus no Peru impacta um país caracterizado, como todo o continente, por vastos bolsões de pobreza e desigualdade. Mas também por um nível muito alto de individualismo, desconfiança, corrupção. Com 310 mil infecções, é o segundo país sul-americano em termos de disseminação da Covid-19. A região metropolitana é aquela em que o vírus está se fazendo sentir mais fortemente, até porque as moradias dos pobres não são adequadas para uma quarentena: o pobre precisa sair para viver, ele vive das ruas. As medidas não adiantam, porque a pobreza generalizada impede o seu pleno respeito. As pessoas fogem a pé para chegar às localidades que haviam deixado para ir trabalhar na cidade. E a escolha é entre economia e saúde. Assim, estamos testemunhando um aumento de infecções e vítimas. Depois, há também a pobreza cultural, a falta de educação, que complicam tudo ainda mais.
Como o povo respondeu a essa emergência?
Foi extraordinária a respeito dos peruanos em termos de solidariedade, uma característica distintiva do nosso povo: o fato de ajudar, de compartilhar também o pouco que se tem, de não se voltar para o outro lado. Até certo ponto, fortaleceram-se também os laços familiares e – o que não é nada óbvio na nossa mentalidade religiosa – foi superada a antiga visão da pandemia como castigo divino, ao qual seria preciso reagir aplacando em termos devocionais a ira de um Deus que não é aquele em que cremos, isto é, o Deus de Jesus Cristo. O nosso Deus é amor puro, e o amor não se compra, em nível algum.
A classe política provou estar à altura da situação?
As pessoas perderam a confiança nas instituições. Por isso, eu quis me encontrar com os representantes do serviço de saúde e das clínicas, também para discutir medidas práticas, como a redução das tarifas das internações: existe um dever concreto de restituição. Muitas famílias foram esmagadas no plano econômico. Uma coisa é que as estruturas de saúde não vão à falência, outra é se concentrar exclusivamente em fontes de renda exorbitantes, que se configuram como aquelas que, em termos eclesiais, podemos definir como “estruturas de pecado”.
Acredito que o nosso país deve superar uma concepção da saúde como negócio, um mecanismo orientado ao lucro. Essa é uma prioridade para o Peru, que, com os seus 11 mil mortes confirmados para a Covid-19, pede ao Executivo não a solicitude com as próximas eleições, mas sim o cuidado dos mais pobres e vulneráveis. Não em palavras. Compreender a dor humana, identificar-se com ela, nos custa muito. Acima de tudo, não é algo que se improvisa. É um terreno que se prepara, e não durante a emergência. Esta exige respostas imediatas, que surjam de uma atitude de atenção, de cuidado, de escuta que vem de longe, para uma autêntica regeneração.
Como a Igreja se colocou diante dessa dupla tragédia, que coloca ainda mais profundamente em crise, junto com a vida das pessoas, a estabilidade de um sistema social que já está sofrendo?
A Igreja peruana se afastou por muito tempo das pessoas. Por isso, não podemos nos surpreender que os católicos do nosso país tenham passado de 90-95% para 70%. Esse é um sinal eloquente para nós, nos faz bem. Porque nos diz de modo concreto que, se a Igreja trai a sua missão, que é a de dar a vida pelo outro, pelo mundo, as consequências recaem sobre todos, sem excluir ninguém. Sem obras concretas enraizadas na fé, a fé está morta. Na autorreferencialidade, a fé está morta. Na utilização da religião para encobrir perversões, violações, atos de pedofilia, há a maior perversão de todas. Devemos recomeçar a partir da escuta, que é o pressuposto para o diálogo. O individualismo, inoculado também por uma cultura liberal que se seguiu à época da ditadura de Fujimori, também entrou na nossa fé, abrindo caminho para uma religião no singular, cujo primeiro objetivo é a salvação da própria alma.
Quanto ao corpo, vimos que, se os doentes podem ser tratados em uma perspectiva evangélica, o Estado também deve garantir a saúde para todos. Podemos trabalhar juntos. O mundo não é algo do qual se deva fugir, mas sim o destinatário de um diálogo: nós estamos no mundo. Não se trata de contrapor o religioso ao social, dando o primado para uma ou outra dimensão, mas sim lembrar sempre que “quando eu tenho fome é um problema material, mas quando o outro tem fome é um problema espiritual”. O sinal das igrejas fechadas, dos sacramentos suspensos, é um grande sinal para nós: parece se encarnar nessa situação a escolha do evangelista João, que substitui o relato da consagração pelo do lava-pés. Hoje, o desafio também é o de refundar uma pastoral sacramental à luz dos sinais dos tempos: o sacramento é celebrado, também e sobretudo, no corpo do irmão que sofre e na nossa dedicação incondicional de aliviar a sua dor, que é a dor do mundo.
Vêm à mente as palavras do jesuíta Juan Sánchez, que, em 1758, inaugurando o templo de San Lazzaro após o terremoto de 1746, e resistindo aos apelos daqueles que queriam separam essa igreja do leprosário em nome de um “culto mais puro”, começou, assim, publicamente, a sua oração: “Ó Deus, não me surpreende que tu te sintas mais confortável no hospital do que no templo...”. O seu programa pastoral, sintetizado no lema “A ti te digo, levántate”, se entrelaçou com a realidade social do país. Qual é o seu sonho de Igreja hoje?
Jesus dirige o convite a se levantar para pessoas que haviam experimentado a doença, a morte. É possível superar a degradação através da fraternidade, vencer a injustiça com a solidariedade, silenciar a violência com as armas da paz. Sonho com uma Igreja que olhe mais para a autêntica evangelização do que para a autopreservação, credível no seu agir com transparência, enfrentando os problemas e não os escondendo, reconhecendo erros, pecados e até crimes, quando houver, com justiça e verdade. Uma Igreja que vai, sim, com o Evangelho, mas sabendo claramente que Jesus já está com o outro, até mesmo naquele que não crê de modo explícito ou que crê a seu modo. Não se trata de conquistar territórios nem pessoas, mas sim entendê-las para suscitar e despertar processos nas suas vidas.
O que podemos aprender com a pandemia?
O desafio ao individualismo, na pastoral e na política. Criando conexões de ideias, que podem se espalhar – estas sim – como um vírus benéfico, a pandemia está abrindo um diálogo entre ciência, tecnologia, política, natureza, fé. Essas linguagens devem poder se contaminar, se infectar positivamente, porque – como o Papa Francisco nos lembra – não nos salvamos sozinhos, nunca.
Você reconstruiu um “nós” simbólico muito importante por meio do seu gesto de colocar as fotografias de todos os mortos pela Covid-19 na catedral de Lima, criando uma espécie de comunidade imaginada, dedicando a todos eles, em muitos casos privados das exéquias, a missa solene de Corpus Christi no dia 14 de junho...
Sim, fomos reunidos idealmente para lembrar, para trazer novamente ao coração o gosto amargo e duro da morte de tantos irmãos. Um gesto contra o anonimato e a irreconhecibilidade das vítimas, pelo respeito ao corpo humano que, na minha perspectiva, é sempre Corpus Christi. E agora somos chamados a recomeçar não a partir daquilo que nós esperamos da vida, mas sim a partir daquilo que a vida, a partir da dos mais frágeis, espera de nós. Ainda temos muito a descobrir, a aliviar e a amar.
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“Todo corpo humano é sacramento, é Corpus Christi.” Entrevista com Carlos Castillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU