19 Março 2020
"O Homo sapiens surgiu na África e, aos poucos, foi se espalhando para todos os cantos do mundo. A migração humana tem uma trajetória de dezenas de milhares de anos. O número de habitantes do globo era pequeno e a disponibilidade de terras e de riquezas naturais era imensa. Por conta da abundância dos ecossistemas, a migração e o crescimento da população propiciou a grandeza das nações na maior parte da história", escreve José Eustáquio Diniz Alves, doutor em Demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – Ence/IBGE, em artigo publicado por EcoDebate, 18-03-2020.
“A floresta precede os povos. E o deserto os segue” - François-René Chateaubriand (1768-1848)
O crescimento das atividades antrópicas possibilitou o enriquecimento das diversas populações nacionais, mas provocou o empobrecimento do meio ambiente em todos os lugares. Enquanto a Pegada Ecológica global era menor do que a Biocapacidade global havia sustentabilidade ambiental. Mas desde a década de 1970, a humanidade ultrapassou a capacidade de carga do Planeta e as diversas civilizações vivem em déficit ecológico e se sustentam utilizando um “cheque especial” propiciado pela herança da Mãe Terra.
(Foto: Reprodução/EcoDebate)
A figura abaixo, com dados da Global Footprint Network, mostra que existia superávit ambiental na década de 1960, mas a pegada ecológica global ultrapassou a biocapacidade global e o déficit ecológico vem aumentando ano a ano e chegou a 70% em 2016. Isto é, o ser humano está consumindo 1,7 Planeta. Ou seja, os humanos estão consumindo de maneira insustentável a riqueza da natureza e a continuidade deste processo pode colocar em xeque a própria existência da humanidade ao gerar um colapso ambiental sem precedente.
O crescimento demoeconômico também já rompeu com 4 das 9 fronteiras planetárias: Mudanças climáticas; Perda da biodiversidade; Mudança no uso da terra e Fluxos biogeoquímicos (fósforo e nitrogênio). Duas delas, a Mudança climática e a Perda de biodiversidade, são o que os autores chamam de “limites fundamentais” e tem o potencial para conduzir o Sistema Terra a um novo estado que pode levar ao ecocídio e ao suicídio.
(Foto: Reprodução/EcoDebate)
Por conta disto tudo, a economia ecológica insiste em mostrar que é impossível manter o crescimento ilimitado das atividades antrópicas no fluxo metabólico entrópico. O livro Enough is Enough (2010) mostra que uma economia em constante crescimento está destinada ao fracasso. Os autores consideram que a economia é um subsistema da ecologia e o transumo (throughput) funciona a partir da extração de matérias e energias da natureza e o descarte de lixo, poluição e resíduos sólidos no meio ambiente. Uma vez que vivemos num planeta finito, com espaço e recursos limitados, não é possível que a economia e a população cresçam para sempre. O livro defende uma economia de Estado Estacionário.
Não obstante, se a economia e a população já ultrapassaram a capacidade de carga do Planeta, então deve haver decrescimento até o ponto em que o Estado Estacionário mantenha um equilíbrio sustentável. O lema do debate sobre população e desenvolvimento no século XXI deveria ser: menos gente, menos consumo, menor desigualdade social e maior qualidade de vida humana e não humana. É preciso preservar os ecossistemas e evitar a 6ª extinção em massa das espécies.
Isto significa que é preciso garantir a efetividade dos direitos sexuais e reprodutivos e apoiar as medidas que garantam a autodeterminação reprodutiva. A queda da fecundidade é fundamental para a estabilização da população mundial e a fecundidade abaixo do nível de reposição é necessária para possibilitar o decrescimento da população no longo prazo. Outro tema que sempre gera polêmica é sobre a questão da imigração.
No texto de Philip Cafaro e Jane O’Sullivan – “How should ecological citizens think about immigration?” – publicado na revista The Ecological Citizen (2019), os autores consideram que não importa em que impactos focamos (emissões de carbono, retirada de água de rios, conversão de áreas selvagens em terras cultivadas), as sociedades humanas que sempre adicionam mais pessoas não podem limitar suas demandas, de modo a compartilhar de maneira justa os habitats e recursos limitados do mundo com outras espécies. Isto implica discutir a questão da migração, especialmente vinda daqueles países com altas taxas de fecundidade.
Cafaro e O’Sullivan entendem que os cidadãos ecológicos devem apoiar a redução da imigração sempre que o maior número de pessoas inviabilizarem a coexistência pacífica entre os indivíduos e a natureza ou dificultar os esforços para regenerar florestas, campos e pântanos e restaurar as espécies e os processos do ecossistema que existiam antes do desenvolvimento humano. Eles citam a organização “Rewilding Europe” que reconhece explicitamente o papel positivo que a diminuição da população desempenha nesse processo. Do oeste da Península Ibérica ao delta do Danúbio, a maioria de seus projetos inclui a restauração ecológica de terras agrícolas abandonadas. A redução contínua da população pode contribuir ainda mais para esses sucessos no futuro, permitindo que os países europeus cumpram ou até excedam as metas para áreas protegidas estabelecidas pela Convenção de Biodiversidade da ONU e endossadas pela União Europeia.
Este tipo de atitude não tem nada a ver com posturas xenófobas, mas com o reconhecimento de que os cidadãos têm o direito moral de limitar a imigração em seus países, como corolário necessário do direito fundamental de autogoverno. Eles dizem “Uma nação sábia e justa se esforçará para adotar medidas para garantir justiça ecológica entre as espécies e uma distribuição justa de riqueza entre seus cidadãos. Nenhum desses objetivos pode ser alcançado ao abrir a residência nacional para um número ilimitado de pessoas”.
Ainda segundo os autores, o mundo desenvolvido já está superpovoado. O crescimento da população global só termina quando um número suficiente de nações adota o pico e o declínio de suas próprias populações. Por esses motivos, a imigração líquida deve ser estabelecida em níveis que permitam a contração da população. Isso é necessário se esperamos criar sociedades ecologicamente sustentáveis que compartilhem recursos de maneira justa com outras espécies. Combinadas com o consumo per capita reduzido, as populações menores também ajudarão os países desenvolvidos a deixar de consumir uma parcela desproporcional dos bens comuns ecológicos globais.
Desta forma, ao contrário das forças desenvolvimentistas que só pensam no crescimento da população e da economia – pouco se importando de fato com a saúde do meio ambiente e a gravidade do problema do aquecimento global – existe a perspectiva de tratar o tema da imigração internacional na perspectiva do decrescimento demoeconômico. Este processo necessita ser planejado ao longo do século XXI. Num futuro onde haja decrescimento populacional e sustentabilidade ambiental a livre mobilidade e o livre intercâmbio de pessoas deveria ser a regra geral.
Numa perspectiva ecocêntrica, não faz sentido, atualmente, a ideia de uma “migração de reposição”, em especial, antes de se chegar ao nível do Estado Estacionário. Se a imigração contribuiu para a grandeza econômica das nações no passado, não quer dizer que a imigração é boa em qualquer circunstância, especialmente quando o mundo vive uma emergência climática e ambiental.
Por exemplo, a China vai ter a sua população reduzida em cerca de 400 milhões de pessoas entre 2030 e 2100, o que deve contribuir para minorar os problemas ambientais do país e parece não fazer sentido propor uma “imigração de reposição”, especialmente depois de todos os traumas da política draconiana de “filho único”. A China nas últimas décadas tem sido um país de emigração e deve passar para um país de imigração no futuro próximo, mas não na dimensão de repor o decrescimento demográfico.
A humanidade precisa ajustar a sua Pegada Ecológica à Biocapacidade da Terra e respeitar as Fronteiras Planetárias. Não dá para continuar excedendo a capacidade de carga do Planeta. Precisa também restaurar os ecossistemas e evitar que o aquecimento global ultrapasse 1,5ºC, em relação ao período pré-industrial. Respeitado estes parâmetros, a imigração seria bem-vinda e não geraria tantas resistências como ocorre atualmente.
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Imigração e meio ambiente - Instituto Humanitas Unisinos - IHU