14 Fevereiro 2020
Por que o papa não tomou uma decisão sobre os padres casados ou as diáconas?
O comentário é de Robert Mickens, publicado em La Croix International, 13-02-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Em sua nova exortação apostólica sobre a Igreja na região amazônica, o Papa Francisco recusou um pedido dos bispos na assembleia do Sínodo de outubro passado para aprovar formalmente a ordenação de padres casados e de diáconas.
Na exortação “Querida Amazônia”, o papa praticamente ignora essas duas questões. E isso, é claro, provocou previsíveis respostas em todo o variado mundo do catolicismo romano.
Os tradicionalistas e os conservadores doutrinais, em sua grande maioria, estão dando um suspiro de alívio. Alguns estão até pulando de alegria.
Eles estão satisfeitos com o fato de o papa não ter aberto a porta para aquilo que, na cabeça deles, seria uma ladeira escorregadia rumo ao desmoronamento total da Igreja como a conhecemos.
A maioria dos progressistas, reformadores e afins do Vaticano II – por outro lado – estão profundamente decepcionados. Alguns, especialmente mulheres, estão extremamente magoados e irritados.
Eles acreditam que Francisco perdeu uma oportunidade de ouro para dar um passo decisivo rumo à erradicação das atitudes e práticas misóginas e clericalistas que têm condicionado a vida e as estruturas internas da Igreja há séculos.
E há também um problema nem tão pequeno de pessoas que estão sendo privadas da Eucaristia, às vezes por vários meses, simplesmente porque não há padres suficientes (ou seja, homens dispostos a permanecer celibatários por toda a vida, de acordo com a disciplina atual).
Por razões opostas, nem os tradicionais nem os progressistas estão felizes com isso.
Mas, se você ler alguns comentários sobre a decisão do Papa Francisco de não mudar a disciplina do celibato sacerdotal ou de não aprovar as diáconas, provavelmente terá a impressão de que essa é uma “vitória” para o catolicismo dos velhos tempos e uma “derrota” para os reformadores da Igreja.
Na verdade, pode ser exatamente o contrário.
E você não precisa olhar para as letras pequenas ou para as obscuras notas de rodapé para descobrir o porquê. Francisco nos diz isso exatamente no começo da “Querida Amazônia”.
Lembre-se, trata-se de uma exortação apostólica.
E, como tal, ela é considerada a resposta do papa ao documento final da assembleia sinodal do ano passado, incluindo os pedidos específicos dos bispos de mudanças concretas e de novas iniciativas.
Mas, nas primeiras linhas, Francisco explica que essa exortação apostólica será diferente.
“Aqui, não vou desenvolver todas as questões amplamente tratadas no documento conclusivo; não pretendo substitui-lo nem repeti-lo”, diz ele.
Em vez disso, ele explica que a sua exortação será meramente “um breve quadro de reflexão (...) que ajude e oriente para uma recepção harmoniosa, criativa e frutuosa de todo o caminho sinodal”.
Em outras palavras, o texto papal é apenas uma parte do processo. Francisco não está pronunciando a palavra final ou tomando decisões finais com essa exortação.
Isso deveria ficar claro para qualquer pessoa que leia apenas a primeira página da “Querida Amazônia”.
E o papa vai mais longe.
“Ao mesmo tempo, quero apresentar de maneira oficial o citado documento, que nos oferece as conclusões do Sínodo”, diz ele.
O que significa “apresentar de maneira oficial”? O documento final está disponível ao público desde o dia em que foi apresentado ao papa no Sínodo da Amazônia.
Parece certo que o papa está dando a sua aprovação ao documento final, especialmente quando ele diz o seguinte:
“Que os pastores, os consagrados, as consagradas e os fiéis-leigos da Amazônia se empenhem na sua aplicação e que, de alguma forma, possa inspirar todas as pessoas de boa vontade.”
O papa instaria os católicos a aplicarem o documento ou os encorajaria a se inspirar nele, se esse texto não estivesse em conformidade com a sã doutrina e a reta fé?
Na constituição apostólica para reformar o Sínodo dos Bispos, Episcopalis communio, de 2018, o papa diz:
“Depois da sua aprovação pelos membros, o Documento Final da Assembleia é entregue ao Romano Pontífice, que decide sobre a sua publicação. Se expressamente aprovado pelo Romano Pontífice, o Documento Final faz parte do Magistério ordinário do Sucessor de Pedro” (Art. 18, § 1).
O cardeal Lorenzo Baldisseri, secretário-geral cessante do Sínodo dos Bispos, quebrou a cabeça em torno da semântica quando foi questionado se era isso que Francisco havia feito em sua exortação a respeito do documento final do Sínodo da Amazônia.
O cardeal de 79 anos disse que a expressão “apresentar de maneira oficial” não era uma linguagem canônica adequada.
Mas, no fim, isso realmente não importa. Claramente, o papa não parou de discutir nenhuma das questões levantadas no documento final ou no processo sinodal, que ele vê em andamento.
Ele não apenas encoraja novas discussões, mas também incentiva um desenvolvimento e uma experiência a mais, e mais profundos, de sinodalidade.
O bispo Erwin Kräutler, um missionário austríaco no Brasil, continua convencido de que Francisco está disposto a aprovar a ordenação de padres casados, algo que o papa disse a ele em 2014.
Mas Francisco não fará isso por iniciativa própria, disse o agora bispo emérito.
Contudo, se uma Conferência Episcopal nacional ou regional chegar a um consenso esmagador sobre a necessidade de ordenar padres casados, o que o papa faria?
Kräutler e outros acreditam que ele diria “sim”.
Pode demorar apenas alguns meses até que descubramos se eles estão certos.
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Francisco decidiu não decidir... por enquanto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU