"No compromisso social, político e ecológico exigido por nossa fé atual, não podemos ser Igreja na região amazônica sem nos questionarmos sobre a dimensão profética de nossa vida. Devemos manifestar ou expressar nossa indignação diante da injustiça e do abuso, e agir com mais eficácia em resposta ao clamor dos pobres, dos indígenas e da terra", escreve Pablo Mora [1], jesuíta, doutor em Teologia Pastoral, atualmente trabalha no Sínodo dos Bispos, em Roma. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
A celebração do Sínodo Pan-Amazônico foi o sopro do Espírito que a Igreja da Amazônia necessitava para discernir novos caminhos em sua atividade missionária. Foi realmente um ‘kairós’ que se manifestou como um transbordar das águas do rio Amazonas e que inundando as águas do Tiber, confluiu para formar novos afluentes, que levarão a vida abundando para novos destinos. O Espírito se manifestou em Roma, o berço do cristianismo ocidental, através deste Sínodo, como “rios de água viva” [2].
A Igreja da região amazônica, purificada por essas águas do Espírito, retoma com nova força e com renovada esperança sua missão fertilizadora na Amazônia. Os povos da Amazônia sempre consideraram a Igreja como sua mais fiel aliada. Desde o começo da evangelização desta parte do continente, nunca foi o abandonou e ainda menos neste momento crucial para a vida desta região e da humanidade inteira. O papa Francisco nos recorda: a Igreja na Amazônia “é determinante para futuro da zona” [3].
Nesta missão evangelizadora da Igreja hoje, o cuidado e a defesa do território amazônico e dos povos indígenas que o habitam, converteram-se em uma bandeira de luta que quer sustenta a atividade eco-pastoral da Igreja na Amazônia. O grito da mãe-terra, o grito da “pachamama” [4] foi escutado no Sínodo, porém segue nos pressionando com o seu lamento. O espírito profético da Igreja na Amazônia deve seguir seu curso acompanhando os povos da Amazônia na defesa da floresta e dos mais vulneráveis nesta região.
Lembro-me do dia anterior à chegada do papa Francisco a Puerto Maldonado, em 18 de janeiro de 2018, onde os povos indígenas do Brasil, Bolívia e Peru se reuniram em preparação para sua visita. Havia mais de duas mil pessoas e os bispos representando todos os países amazônicos estavam presentes. Os representantes das diferentes etnias indígenas desses países usaram o microfone para responder a uma pergunta: O que eles perguntarão ao Papa quando o virem? Em suas respostas, eles repetiram a palavra terra com emoção repetidas vezes. Eles denunciaram os abusos cometidos contra a "pachamama" e contra eles, que cuidaram dela, e pediram ao Papa que os ajudasse. No dia seguinte, o papa Francisco, em seu discurso aos povos da Amazônia, ecoou esse chamado angustiante de Puerto Maldonado e disse que estava vindo para, juntamente com eles, “reafirmar uma opção sincera de defesa da vida, defesa da terra e das culturas” [5].
Para os indígenas, a terra é vida. Defendendo sua terra, defendemos sua vida [6]. Podemos dizer que a batalha mais difícil na evangelização por uma ecologia integral na Amazônia é acompanhar os povos originais em suas lutas pelo direito à delimitação, demarcação e titulação de suas terras. Está comprovado que eles são os que melhor cuidam do território da região amazônica [7]. Portanto, qualquer tentativa de evangelização não será completa ou autêntica caso negligencie o essencial para que eles tenham uma vida digna [8].
Um marco histórico na defesa das terras indígenas do Brasil, um país que cobre mais de 60% do total do território panamenho, foi a Constituição Federal de 1988. O bispo de Xingu, dom Erwin Kräutler, descreveu essa Constituição como “copernicana” em termos de legislação indígena. Essa constituição, ao contrário das anteriores, deixou de considerar o indígena menor e lhe entregou uma carta de cidadania como o restante de seus compatriotas. Infelizmente, a promessa de demarcação de terras indígenas nos cinco anos seguintes à promulgação da Constituição permaneceu no papel e nunca foi cumprida. Até o momento, a negação desse direito constitui "a causa de quase todos os conflitos que afetam os povos indígenas" (9).
Essa situação conflitiva se acentuou e se agudizou em todo o território pan-amazônico. Isso se dá no contexto das últimas décadas, da transformação de uma economia capitalista a uma economia mais tecnocrática e globalizada, na qual contribuiu para mudar a perspectiva sobre o tratamento da terra e da reforma agrária [10].
Antes se tratava de denúncia e reivindicações por enormes extensões de terras que não se usavam nas grandes fazendas ou latifúndios. Essa situação injusta buscava ser remediada por uma reforma agrária com uma aliança entre o campesinato e o capital industrial nacional, para transformar as terras improdutivas em produtivas e contribuir ao desenvolvimento econômico nacional. Porém essa situação mudou e atualmente o Banco Mundial, as corporações transnacionais e o capital financeiro internacional estão transformando as grandes extensões de terra do latifúndio improdutivo em agronegócios monocultores em grande escala e assentamentos de mineração [11].
Isso acontece também na Amazônia. Assim, o problema já não é o abandono ou o mau uso da terra, mas sim a pretensão de usá-la, destruindo sistematicamente um integrado complexo ecológico. Começa-se com a tora de árvores cujas madeiras são mais valorizadas no mercado internacional, depois se explora a madeira que sobra e, finalmente, vem a eliminação total da vegetação com finalidade de agricultura industrial ou de pecuária extensiva [12].
No antigo sistema latifundiário, havia vários donos ou proprietários de diversas fazendas com nome próprio. No caso da Amazônia, o dono sempre atua incognitamente porque se trata, recordando algumas novelas indigenistas, do “senhor Governo”.
Em alguns países, houve uma atitude positiva do governo em relação ao reconhecimento de terras comunitárias indígenas dentro de uma estrutura legal. No entanto, essa posição está cada vez mais enfraquecida. Agora, mais do que nunca, existem muitas pressões de poderosos grupos nacionais e internacionais que desejam influenciar diretamente a Amazônia, no menor tempo possível e buscando a maior extensão de terra para explorá-las. Portanto, busca anular ou modificar as leis que protegem as terras indígenas, usurpar suas terras arborizadas e dar lugar a abusos na exploração dos recursos naturais dessa região.
A validade dessas leis corre um sério risco para o grande número de pedidos de empresas de mineração que aguardam a permissão necessária para apreender uma fatia desse enorme bolo verde que é a Amazônia. Somente em 2016, havia 17.509 processos de mineração no Brasil (aplicações de pesquisa e uso da terra) que envolvem Terras Indígenas (4.181) e Unidades de Conservação [13] (14.076) nessa região. A mineração de terras indígenas não é permitida no Brasil, mas a regulamentação dessas terras depende do governo e isso pode se tornar uma tragédia para os povos indígenas [14].
A luta pela demarcação de terras na Amazônia também está ligada ao problema da corrupção [15]. A corrupção na América Latina causou uma grande dor no tecido de estados e governos, difícil de curar. É uma profunda dor cancerígena que também afeta os países amazônicos, aumentando a fraqueza e a fragilidade do cuidado da natureza com esse flagelo moral. O caso da Lava-Jato (16), e outros, nos falam sobre a concorrência acirrada de empresas transnacionais que incluem descaradamente em seus projetos um orçamento em dinheiro e royalties para intermediários corruptos na aquisição de projetos de construção de estradas ou extração de recursos em todos os países. Essa corrupção no nível macro tornou-se tão disseminada que se tornou um grande risco para toda a região amazônica.
Também o extrativismo dos recursos naturais no modelo tecnocrático é acompanhado pela sabotagem dos recursos morais das populações amazônicas. O câncer da corrupção busca corroer ou quebrar as normas éticas e morais do comportamento das pessoas, neste caso as que compõem as populações indígenas. De fato, a corrupção estimula o diálogo entre empresas e populações indígenas, onde a falta de transparência e injustiça afeta as populações locais, com a coexistência de suas mesmas autoridades. A estratégia de “dividir e conquistar” nas negociações com a comunidade é muito comum por meio de propinas, promessas e privilégios que beneficiam apenas a autoridade e sua família. Nesse sentido, as empresas, com a ajuda desses líderes comunitários, buscam satisfazer as demandas ou protestos de toda a comunidade, oferecendo muito pouco em troca do que desejam das comunidades indígenas, como a construção de uma escola, um posto médico ou de um campo de esportes, etc.
Na tradição bíblica, o profeta não era principalmente um visionário do futuro. O profeta estava enraizado na realidade presente e diária do povo de Israel. O profeta foi enviado por Deus quando o rei, encarregado de cuidar dos mais fracos, dos pobres, da viúva e dos órfãos, falhou em sua missão. O profeta falou em nome de Deus perante o rei e fez isso com a verdade, com coragem e denunciando tudo o que contradizia o reino de Deus, especialmente a injustiça cometida contra os mais indefesos da sociedade.
Esse ato profético sempre esteve vivo e atuou na Igreja do território amazônico. Desde o início da evangelização deste território, houve mártires não apenas pela conversão à fé dos nativos, mas também por defendê-los dos colonizadores. Desde o início, eles “nos ensinaram que a defesa dos povos originais deste continente está intrinsecamente ligada à fé em Jesus Cristo e em suas boas novas” [17]. A pergunta que os mártires sempre nos fazem é o que e quanto estamos dispostos a perder pela causa do Reino de Deus. Eles deram suas próprias vidas.
No século XX, os mártires religiosos são para a defesa do território dos povos indígenas e como defensores dos direitos humanos dos mais pobres.
Dorothy Mae Stang S.N.D (1931-2005), Doti, como a chamavam, ajudou os migrantes expulsos de suas terras nordestinas que chegavam à Amazônia, com um Projeto de Desenvolvimento Sustentável em Boa Esperança, Anapú, Pará, Brasil. Era um modelo bem-sucedido de produção de cacau e, portanto, muito perigoso aos olhos da elite econômica da região, proprietários de terras, madeireiros e traficantes de terras. Ela foi morta com 6 tiros à queima-roupa aos 74 anos.
O irmão Vicente Cañas, SJ., “Kiwxí” (1939-1987) morava com o povo “isolado” dos Enawene-Nawe, no Mato Grosso, Brasil. Ele identificou-se com essa cultura aprendendo a língua, participando de seus rituais, trabalhos agrícolas e artesanato [18]. Kiwxí, como um membro da tribo, lutou para defender a terra sagrada da etnia Enawene Nawe, cobiçada por fazendas vizinhas. Ele foi morto aos 48 anos.
Dom Alejandro Labaca OFM, Cap. (1920-1987) viveu com os indígenas Huaorani no Equador por dez anos antes de ser vigário bispo apostólico de Aguarico. O grupo indígena Tagaeri em isolamento voluntário fazia parte do grupo étnico Huaroni e foi ameaçado pela expansão da exploração de petróleo na Amazônia equatoriana. Dom Labaca foi enviado junto com a irmã Inés Arango, CTM como intermediário entre o governo equatoriano e a etnia Tagaeri. Preocupado com o destino desse grupo étnico, ele disse: “Se não formos, eles os matam”. Na reunião, eles logo foram massacrados pelas lanças dos Tagaeri. Dom Labaca havia escrito: “Hoje, quem trabalha para minorias deve ter uma vocação como mártires” (Crónica Huaorani, p. 198).
A esses mártires da defesa do território amazônico são adicionados muitos outros, os "mártires desconhecidos", cujo número cresceu de forma alarmante nas últimas décadas [19]. É difícil deixar de mencionar “Chico Mendes” (1944-1988) morto em Xapurí estado do Acre, Brasil. Ele defendia o meio ambiente e se rebelou contra o corte de árvores em áreas florestais exploradas de forma sustentável por “seringueiros”, como ele, seringueiros. Ele tornou famosa a estratégia de luta pacífica de “empate” (impedimento, bloqueio), através da qual grupos de 50 a 100 pessoas se entrelaçavam, formando escudos humanos para impedir que tratores ou escavadeiras derrubassem árvores.
"Espero que todo o povo profetize, e que o Senhor tenha infundido em todo o seu Espírito!" (Nm 11.29)
A situação séria e delicada pela qual a Amazônia está passando nos dá a oportunidade de avaliarmos a nós mesmos, como Igreja, sobre o papel profético que nossa vida cristã assume nesta região. Embora a liderança moral de nossos pastores seja importante, é muito mais uma iniciativa coletiva, tomando a responsabilidade dos leigos como ponto de referência, para reagir aos abusos nessa região. Temos que entender a seriedade do assunto e, acima de tudo, levar a sério que a Igreja é todos nós, mas não como um clichê, mas pelo que isso realmente significa, ou seja, assumir a responsabilidade pelo mundo ao nosso redor como “um sacerdote, profético e real” [20].
Às vezes parece haver falta de compromisso social e político dos leigos acompanhados por seus pastores. E uma das causas parece ser a falta de formação dos fiéis batizados na doutrina social da Igreja [21]. Infelizmente, muitas vezes permanecemos em uma catequese que favoreceu apenas a dimensão doutrinária, com uma moral pessoal e focada na o plano individual. Mas sabemos que nossa fé não está desapegada dos problemas pelos quais a humanidade está passando.
Tudo está interconectado. O amor de Deus e do próximo conecta tudo. A caridade, diz o papa Francisco, "não é apenas o princípio das micro-relações, como nas amizades, na família, nos pequenos grupos, mas também nas macro-relações, como as relações sociais, econômicas e políticas” [22]. É por isso que não podemos ser indiferentes ao que está acontecendo com essa região da Amazônia, suas florestas e os povos nativos que as habitam.
No Compêndio da Doutrina Social da Igreja [23], encontramos critérios que nos ajudam a viver nossa fé na sociedade. Nesse sentido, há diferentes tópicos que merecem destaque: direitos humanos, princípio do bem comum e princípios de subsidiariedade e solidariedade, família como protagonista da vida social, dignidade e direito ao trabalho, autoridade política, sistema democrático, proteção do meio ambiente, promoção da paz, compromisso dos fiéis leigos, etc.
A doutrina social da Igreja como parte da “tradição” da Igreja nos oferece critérios para viver nossa fé com uma sensibilidade mais social, coletiva e agora ecológica, mais afinada com os desafios dos tempos em que vivemos. A tradição eclesial é uma tradição viva que é constantemente enriquecida. Assim, a encíclica Laudato Si’ contribuiu muito para a doutrina social da Igreja ao integrar em sua obra evangelizadora a dimensão da “ecologia integral” [24].
Na Amazônia, os leigos e os leigos têm muito a contribuir dos campos social, econômico, político e outros campos do conhecimento, para que a Igreja nessa região possa se tornar uma Igreja profética. "Cristo (...) desempenha sua função profética não apenas através da hierarquia (...), mas também através dos leigos" [25] e deve defender, de suas próprias competências profissionais, os direitos da região, do meio ambiente e das populações que o habitam [26].
Estamos em um momento propício para a Igreja exercer seu espírito profético. Vivemos em um mundo mais relacionado e globalizado, onde sabemos que o que é feito em uma parte do planeta tem impacto em outra. Há uma maior sensibilidade ecológica que se enraizou nas gerações mais jovens. Os movimentos de proteção do clima, do meio ambiente, dos animais e da natureza vêm se estabelecendo, multiplicando e continuando seu curso com maior força para nos impedir de suicídio ecológico em todo o mundo.
Todos esses movimentos e alianças tiveram um primeiro começo no exercício do Diálogo. O diálogo aparece “como a ferramenta pela qual a comunidade humana cuida dos problemas compartilhados (e também) ao lidar com os problemas da Casa Comum” [27].
A necessidade de um diálogo público leva ao exercício da política (...) como arte do possível, na qual se busca o bem comum, tentando salvaguardar bens privados sem cancelá-los, mas subordinando-os ao bem mais universal [28].
Nesse sentido, o Estado “desempenha um papel fundamental, que não pode ser delegado, na busca pelo desenvolvimento integral de todos”, embora saibamos que sempre corre o risco de ser capturado pelas “elites extrativistas” que buscam se apropriar privadamente dos bens públicos [29].
Existem acordos internacionais assinados com vários Estados e países da Amazônia, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre povos indígenas e tribais. Este acordo apoia o direito dos povos indígenas serem consultados em seus territórios e de "participar efetivamente das decisões que os afetam” [30]. Além disso, sob esse direito, a consulta à comunidade deve ser realizada de acordo com suas próprias tradições e deve levar em conta os métodos tradicionais das pessoas ou da comunidade para a tomada de decisões [31].
O Direito de Consulta Prévia é um mecanismo que ajuda a resolver o problema proposto pelo papa Francisco: “como conciliar o direito ao desenvolvimento, incluindo o direito de natureza social e cultural, com a proteção das características dos povos indígenas e seus Territórios” [32] Infelizmente, em muitos casos, não há vontade política para manter esse diálogo com honestidade e buscar o bem comum. Frequentemente, o grande problema desse diálogo ou negociação intercultural é que a empresa estrangeira ou estrangeira, com uma mentalidade ocidental e disposta a explorar e explorar o território dos povos indígenas, confia mais em seu poder e se considera superior a eles. Às vezes, ele nem tenta entender seu interlocutor, ouve, mas não o ouve e usa seus truques legais e corrupção para conseguir o que quer.
O objetivo do diálogo não é a busca pelos próprios interesses, mas a busca pelo bem comum para todos. Para o papa Francisco, “diálogo não é negociação. Negociar é tentar pegar a ‘fatia’ da torta comum... (é o diálogo) buscar o bem comum para todos” [33].
Diálogo na sociedade, diálogo político, nos vários formatos em que ocorre como acordos ou acordos entre pessoas, comunidades ou instituições, não é fácil. Existem muitas resistências ao diálogo autêntico e seria muito ingênuo da nossa parte dizer que todos estão dispostos a dialogar. E isso é notório quando grandes interesses econômicos estão em jogo e quando as relações de poder entre aqueles que dialogam ou negociam são muito desiguais. Na Amazônia, parece que os diálogos sobre direitos à terra indígena não terminam bem e são marcados por negociações injustas. Como o cardeal Hummes afirma: “Às vezes não há condição de diálogo porque a outra parte não deseja dialogar. Nesse caso, é necessário ficar indignado. Não podemos deixar de ficar indignados. E há também a profecia” [34].
A indignação é o germinar da profecia. Surge quando o diálogo cordial e honesto e transparente entre as partes, para chegar a um acordo mútuo, neste caso entre empresas e comunidades indígenas, falha. Foi estabelecida uma relação entre os mais poderosos e os mais fracos, com base nos interesses, recursos e estratégias dos primeiros para atingir apenas os seus objetivos. A Igreja está comprometida com o diálogo, mas se for sabotada pela corrupção e pela injustiça, é natural que a indignação do coração queira se expressar em protesto e denúncia profética.
No compromisso social, político e ecológico exigido por nossa fé atual, não podemos ser Igreja na região amazônica sem nos questionarmos sobre a dimensão profética de nossa vida. Devemos manifestar ou expressar nossa indignação diante da injustiça e do abuso, e agir com mais eficácia em resposta ao clamor dos pobres, dos indígenas e da terra.
O Sínodo Pan-Amazônico tem sido, e ainda é, como o nome indica, um processo de "caminhar juntos" e, desta vez, iniciando novos caminhos para a evangelização e a ecologia integral no território amazônico. E nesta caminhada juntos devemos acompanhar, acompanhar e deixar-nos acompanhar no espírito profético de nossa vocação cristã.
Foram principalmente os bispos, os pastores responsáveis pelos círculos eleitorais eclesiásticos da Amazônia que, em espírito de discernimento, responderam no Sínodo Pan-Amazônico com um documento profético à indignação dos povos amazônicos.
Ao mesmo tempo, os bispos nos convidam a manter o espírito profético na região amazônica de maneira solidária e coletiva. Nesse sentido, a Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM) tem sido e continua sendo um exemplo de acompanhamento profético; o trabalho que feito na organização das Assembleias territoriais pré-sínodais demonstra isso. Essas assembleias não deixaram de lado a indignação e a denúncia, apontando com o dedo e reivindicando, e também discerniram e apontaram para novos caminhos [35], que o Sínodo confirmou.
Neste Sínodo pedimos muito e o Espírito nos deu ainda mais. Os resultados indicam isso. Mas seria ingênuo pensar que as coisas mudarão na Amazônia apenas com alguns bons resultados. Não queremos uma virada copernicana na evangelização da Igreja da Amazônia que permanece no papel. A Igreja na Amazônia certamente será “uma Igreja com rosto amazônico e uma Igreja com rosto indígena” [36], se for também, ao mesmo tempo, uma Igreja profética.
[1] Pe. Pablo Mora, SJ, doutor em Teologia Pastoral, atualmente trabalha no Sínodo dos Bispos, em Roma e é autor de outros três artigos sobre o Sínodo Pan-Amazônico. "Sínodo Pan-Amazônico: rumo a uma Conferência Episcopal Amazônica?", “Um Sínodo para os Povos Indígenas: Cultura, Pastoral e Eucaristia na Amazônia" e "O Sinodo Pan-Amazônico e o desafio da Educação".
[2] cf. Jn 7, 37-39
[3] cf. Papa Francisco, Discurso ao Episcopado brasileiro, Rio de Janeiro, 27 de Julho de 2013
[4] “Mãe-Terra” ou “Pachamama” em língua Quechua.
[5] cf. Papa Francisco, Encuentro con los pueblos de la Amazonía, Puerto Maldonado, 19 de janeiro de 2018
[6] Ibid. “(...) la defensa de la tierra no tiene otra finalidad que no sea la defensa de la vida.”
[7] cf. Amazonía: nuevos caminos para la Iglesia y para una ecología integral. Instrumentum Laboris, Librería Editrice Vaticana, 2019, n. 29
[8] cf. Comisión Internacional de Derechos Humanos (CIDH), Derechos de Los Pueblos Indígenas y Tribales sobre sus tierras ancestrales Y recursos naturales, arts. 94-95
[9] cf. Felício Pontes JR., Povos da Floresta. Cultura, Resistência e Esperança, Paulinas, São Paulo, 2017, Prefacio, pp. 14 – 18, p.17.
[10] cf. Plinio Arruda Sampaio, “La Reforma Agraria en América Latina: una revolución frustrada”, dph, Marzo 2011. Nos países amazônicos, a reforma agrária, isso é, a distribuição de terras excessivamente concentradas em mãos de grandes proprietários, deu-se em forma significativa a partir do século XX, na Bolívia e Peru; e de forma superficial no Brasil, Venezuela, Equador e Colômbia, reformas patrocinadas pelos EUA no marco da chamada "Aliança para o Progresso"
[11] cf. Rosset, P. (2016). “La reforma agraria, la tierra y el territorio: evolución del pensamiento de La Vía Campesina.” Mundo Agrario, 17(35), e021, pp. 9-10
[12] cf. El País, 11 Junio 2019. Francesc Badia i Dalmases, “Ednei: Aquí es tierra indígena Maró.”
[13] Refere-se às areas naturais protegidas no Brasil, dentro do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC) institída no ano de 2000.
[14] cf. Guenter Francisco Loebens, “Ecologia politica ed economica/1,” p.231 (traducido del portugués) en: Verso il Sínodo Speciale per l’Amazzonia. Dimensione Regionale e Universale, Lorenzo Baldisseri (ed.) Librería Editrice, 2019.
[15] cf. Instrumentum Laboris, cap. VI (n. 80-83)
[16] A Operação "Lava-Jato" que iniciou em março de 2014 pela Polícia Federal, e que ainda está em curso, é considerada a maior investigação de corrupção da história do Brasil. cf. Documento Final del Sínodo sobre la Amazonía, n. 75
[17] cf. Aloir Pacini, S.J. y Fernando López, S.J., “Kiwxí: la sepultura florida... La memoria profética del Hermano Vicente Cañas, S.J.”, CPAL (sitio web), Abril 6 de 2017.
[18] cf. Instrumentum Laboris, n. 145
[19] cf. Catecismo da Iglesia Católica, n. 783 – 786. Librería Editrice Vaticana, 1992
[20] cf. Instrumentum Laboris, n. 129, b).
[21] cf. Papa Francisco, Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, n.205
[22] cf. Compêndio da Doutrina Social da Igreja. Librería Editrice Vaticana, 2005
[23] cf. Documento Final do Sínodo Pan-Amazônico, n.79
[24] cf. Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, Librería Editrice Vaticana, 2005, n. 904
[25] cf. Ibid, n. 907
[26]. cf. Francisco Javier Álvarez de los Mozos, SI, “La ecología integral en la Amazonía a la luz de la Laudato Si”, p. 169. Verso il Sínodo Speciale per l’Amazzonia. Dimensione Regionale e Universale, Lorenzo Baldisseri (ed.) Librería Editrice, 2019.
[27] Ibid, p. 170
[28] Ibid.# cf. Convenção Nº 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais. Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Organização Internacional do Trabalho (assinaram 6 do 9 países que compõem a Amazônia: Bolivia, Brasil, Colômbia, Equador, Peuú e Venezuela. Não assinaram: Guiana, Suriname e Guiana Francesa.
[29] cf. Galvis Patiño, Mari Clara; Ramírez Rincón, Ángela María, Digesto de jurisprudencia latinoamericana sobre los derechos de los pueblos indígenas a la participación, la consulta previa y la propiedad comunitaria, Fundación para el Debido Proceso, Washington, 2013, p. 75.
[30] cf. Papa Francisco, Discurso a los participantes en el III foro de los pueblos indígenas convocado por el Fondo Internacional de Desarrollo Agrícola (IFAD), 15 de febrero de 2017.
[31] Ibid, p. 169
[32] cf. Card. Claudio Hummes. “Comunicazione”, p. 299 (traducción del portugués). Verso il Sínodo Speciale per l’Amazzonia. Dimensione Regionale e Universale, Lorenzo Baldisseri (ed.) Librería Editrice, 2019 (traducción del portugués)
[33] Ibid.
[34] cf. Papa Francisco, Encontro com os povo Amazônicos, Puerto Maldonado, 19 de Enero de 2018