Edith Stein foi morta em Auschwitz. Era de família judia, nascida em Vrastilávia, na Silésia. Aos 21 anos recebeu o batismo na Igreja Católica, sob o nome de Teresa. Aos 33 anos, entrou para o Carmelo. Edith Stein, ou Teresa Benedita da Cruz, era doutora em Filosofia, foi orientada por Edmund Husserl, poderia ter sido professora universitária sob indicação de seu mestre, era uma mulher reconhecida por seus escritos, sobressaindo-se aos padrões da época. Com o avanço do nazismo alemão, foi enviada para Echt, na Holanda. O seu local de exílio não escapou das tropas de extermínios de judeus. Stein, mesmo sendo religiosa católica jamais aceitou ser tratada de forma diferente dos outros judeus — mais que isso, insurgiu-se cobrando uma postura firme do papado contra o nazismo alemão. Em 2 de agosto de 1942, foi presa em Amersfoot. Nos dias seguintes foi transportada até Auschwitz. Onde junto de sua irmã Rosa, em 9 de agosto, foi morta no campo de concentração.
O pensamento de Edith Stein não era uma mera contribuição à Filosofia. Embora, de forte influência husserliana, Stein foi autêntica, assumindo o que escrevia também forma de viver — e ir ao extremo. Segundo o filósofo Rudimar Barea, "para Stein, o fenômeno que leva o sujeito ao encontro do mundo das coisas e o mundo de outos sujeitos se estabelece pela empatia. É preciso, com efeito, levar em consideração que este fenômeno não se dá somente com o corpo físico, mas também com o corpo próprio dotado de sensibilidade. Para Stein, os seres humanos, em relação de entendimento, não são apenas mônodas separadas, será preciso considerar o outro, em sua plenitude", escreve em sua dissertação de mestrado.
A centralidade da empatia para compreender a pessoa humana, é traço marcante de Stein. "A empatia para Stein se efetiva plenamente em seu caráter genuíno, quando captamos a essência da vivência alheia e vivenciamos como se fosse nossa", escreve Barea. Luis Carlos de Carvalho Silva, em dissertação de Mestrado em Ciências da Religião, na Universidade Federal de Juiz de Fora, reforça essa compreensão. "Edith Stein, em sua profunda empatia pelo povo judeu, intercede por ele, para que não perca e nem renuncia a sua identidade e missão de ser Povo de Messias; escreve livros e cartas denunciando o massacre sofrido pelos judeus, consolava de diversas formas os que padeciam com a tragédia social e era solidária. O holocausto da Carmelita é uma expiação pelo outro e por si".
Edith Stein, em 1938.
Na missa de canonização de Edith Stein, João Paulo II ressaltou a radicalidade do martírio em meio à crueldade nazista, a compreensão da verdade, do amor e a relação que se estabelece com a cruz. "Santa Teresa Benedita da Cruz conseguiu compreender que o amor de Cristo e a liberdade do homem se entretecem, porque o amor e a verdade têm uma relação intrínseca. A Irmã Teresa Benedita é testemunha disto. 'Mártir por amor', ela deu a vida pelos seus amigos e no amor não se fez superar por ninguém. Ao mesmo tempo, procurou com todo o seu ser a verdade, da qual escrevia: 'Nenhuma obra espiritual vem ao mundo sem grandes sofrimentos. Ela desafia sempre o homem inteiro'. A Irmã Teresa Benedita da Cruz diz a todos nós: Não aceiteis como verdade nada que seja isento de amor. E não aceiteis como amor nada que seja isento de verdade!".
Pelo princípio da alteridade também se compreende a percepção de Stein sobre a Igreja e o papel das mulheres nela. Embora não fosse "revolucionária" e nem "feminista", para as primeiras décadas do século XX, escreveu livros sobre a formação, vocação e necessidade de estabelecer um papel crucial para as mulheres na Igreja. Segundo Sylvie Courtine-Denamy, em entrevista à IHU On-Line, "Para Hannah Arendt, Simone Weil e Edith Stein de nenhum modo a emancipação feminina se colocou no plano individual, porque elas tiveram a chance de ter mães muito compreensivas, que as deixaram escolher sua orientação: a filosofia. Edith Stein militou muito cedo pelos direitos da mulher, embora suas posições nos pareçam hoje bastante conservadoras".
Para Stein, a presença feminina deveria se dar em todos os espaços. No livro compilado "A mulher: sua missão segundo a natureza e a graça" (EDUSC, 1999), ela ressalta a importância da luta do movimento feminista para conquistar o espaço para as mulheres em diferentes profissões. Ao longo da obra, constrói um roteiro de formação para mulheres, de forma que exerçam sua feminilidade para o serviço comum, seja no cuidado das pessoas doentes, de problemas financeiros ou da paróquia em que estão.
Estátua de Edith Stein, em Colônia, Alemanha. Foto: Wupertal | Flickr
A série Vozes que Desafiam. Mulheres na Igreja produzida pela equipe de Teologia Pública do Instituto Humanitas Unisinos tem como objetivo recuperar e visibilizar figuras de mulheres e contribuir no reconhecimento do lugar delas na vida da Igreja. Abaixo compartilhamos revistas e artigos publicados pelo IHU que contam sobre a vida e a doação extrema de Edith Stein, canonizada por João Paulo II, em 1998, como Santa Teresa Benedita da Cruz e proclamada copadroeira da Europa, em 1999.
As últimas etapas da existência de Edith Stein se sintetizam em três nomes e em três datas: Amersfoort: 2 de agosto de 1942; Westerbork: de 3 a 4 de agosto; Auschwitz: 09 de agosto.
Cristiana Dobner é irmã carmelita descalça e teóloga italiana. Vive no mosteiro de Santa Maria del Monte Carmelo, em Barzio, na Itália.
O ser humano na sua constituição enquanto pessoa é espiritual, é livre e vive permeado de vivências pessoais e interpessoais. Essa relação é de fundamental importância no que tange à totalidade da pessoa humana. O homem sendo pessoa não é um ser isolado das outras pessoas e nem totalmente preso às determinações da natureza, pois possui a possibilidade de transcendência para a sua constituição pessoal. Os intercâmbios de vivências podem favorecer, desse modo, à harmonia entre os sujeitos que, por serem vistos como tais, surgem e conferem dignidade e respeito ante o outro e a comunidade. Edith Stein percebe a necessidade de analisar os atos da pessoa numa tentativa de descrever a gênese das vivências que o homem vive nas suas experiências intersubjetivas. A abordagem do ser humano num clima positivista das ciências que o concebia como objeto experimental é para Stein de suma importância. Ela vê na empatia a possiblidade de evidenciar a dimensão espiritual da pessoa humana sem descartar a vida psicofísica do indivíduo circundado de outros indivíduos e coisas.
Renaldo Elesbão é bacharel em filosofia pela Faculdade Católica de Fortaleza – FCF e em Teologia pelo Instituto São Tomás de Aquino (ISTA) em Belo Horizonte - MG.
Entre a prisão na noite de 2 de agosto até a morte nas câmaras de gás anônimas em Birkenau, passaram-se apenas sete dias: em uma única semana cumpria-se o destino das irmãs Rosa e Edith Stein.
Em 9 de agosto de 1942, Rosa e Edith Stein, após dois dias assustadores de viagem, desapareceram com outros milhares de pessoas no abismo de Birkenau.
“Parece que certas pessoas estão, em sua própria vida (e unicamente nisso, e não como pessoas, por exemplo), de tal forma expostas que se tornam, por assim dizer, encruzilhadas e objetivações concretas da vida”, escreve Hannah Arendt. A frase prefigura seu próprio destino e o de duas outras mulheres, suas contemporâneas: Simone Weil e Edith Stein.
Todas as três são de ascendência judaica numa época em que o simples fato de nascer judeu transformava a vida num destino, como escreve Sylvie Courtine-Denamy, entrevistada nesta edição, no livro Trois femmes dans de sombres temps. Edith Stein nasce numa família de judeus praticantes, Simone Weil é de uma família judaica agnóstica e Hannah Arendt, de uma família judaica muito assimilada.
Duas delas aspiram a abraçar o cristianismo. Uma só, Edith Stein, o faz. Ela entra no Carmelo, mas sem negar as raízes judaicas.
As três são filósofas numa época em que isso conta pouco. As três tiveram mestres rebeldes: Husserl, Heidegger e Alain. Elas ousaram criticá-los e buscaram ultrapassá-los.
Duas delas, Simone Weil e Hannah Arendt, testemunhas de tempos sombrios, são espectadoras comprometidas, assumindo a ação, isto é, o combate.
Por sua vez, Edith Stein intervém junto ao papa Pio XII, pedindo para que promulgue uma encíclica em defesa do seu povo. Seu apelo não foi atendido. Todas as três conheceram o exílio. Hannah Arendt foi exilada na França, de 1933 a 1941, depois nos EUA. Lá assume, em 1951, a cidadania americana. Simone Weil, se exila primeiramente em Marselha, zona livre, depois nos EUA e, nos últimos meses de sua vida, em Londres. Edith Stein foi exilada na Holanda antes da sua deportação e morte em Auschwitz, com sua irmã, no dia 9 de agosto de 1942.
No dia 9 de agosto, há 70 anos, Edith Stein, a judia que havia se tornado irmã carmelita, era morta em Auschwitz. Em 1933, ela escreveu ao papa sobre as perseguições contra os judeus.
Edith Stein repetia que não havia traído o seu povo ao reconhecer Jesus como Messias. Ela seria proclamada bem-aventurada por João Paulo II em 1987 e santa em 1998. No ano seguinte, também copadroeira da Europa. No dia 12 de abril de 1933, Stein escreveu uma carta ao Vaticano, dirigida ao Papa Pio XI. Ela a enviou através do arquiabade beneditino de Beuron, Raphael Walzer, ao cardeal secretário de Estado, Eugenio Pacelli.
Andrea Tornielli é jornalista e escritor italiano.