10 Agosto 2019
"Se queremos ser realmente uma Igreja “evangélica”, ou seja, uma Igreja “pobre, para os pobres, com os pobres e dos pobres” (a Igreja que Jesus quis e quer), precisamos nos despojar de todas as insígnias de poder (incorporadas à estrutura da igreja) que são fruto de influências imperiais, feudais e capitalistas, e que não têm nada a ver com o Novo Testamento", escreve Marcos Sassatelli, frade dominicano, doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP) e professor aposentado de Filosofia da UFG.
No artigo anterior refletimos sobre a “Escuta dos Sinais dos Tempos”. Neste, vamos refletir sobre a “Opção pelos Pobres”: dois temas interligados, que se completam mutuamente e que deveriam ser o fio condutor de todas as nossas reflexões filosófico-teológicas sobre a Igreja.
Por ser o ser humano um ser histórico, situado (no espaço) e datado (no tempo), a “Escuta dos Sinais dos Tempos” - como qualquer outra atividade humana, teórica ou prática - não é neutra, mas tem lado. Ela acontece sempre a partir de uma determinada ótica. Ora, a ótica “humana” (por isso, “ética”) e “cristã” (radicalmente humana) é a ótica dos Pobres.
Portanto, a “Opção pelos Pobres” não é uma alternativa entre duas ou mais alternativas, mas é o caminho da vida: o caminho de Jesus de Nazaré “desde a manjedoura”. “Eu vim para que todos e todas tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10).
Fazendo suas as palavras do profeta Isaias, Jesus diz: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para anunciar a Boa Notícia aos Pobres” (Lc. 4,18). Ele não diz: para anunciar “preferencialmente” a Boa Notícia aos Pobres.
A Opção pelos Pobres - o caminho de Jesus - não exclui ninguém. Todos e todas são chamados e chamadas a se converter, mudar de vida e praticar a partilha (como fez Zaqueu, o homem rico do Evangelho). Mas, cuidado! Jesus diz também: “É mais fácil um camelo passar pelo vão de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus” (Mt 19,24).
Os bens do mundo são um dom do Criador para todos e para todas. A “riqueza”, porém, indica uma relação - pessoal e social - desigual (às vezes, de uma desigualdade gritante), desumana, injusta, antiética e anticristã para com os bens, que - quando institucionalizada e legalizada - torna-se a maior violência. É o pecado estrutural, o Anti-Reino de Deus. A nossa missão como Igreja é combater o Anti-Reino e fazer acontecer o Reino de Deus na história do ser humano e do mundo.
Meditemos: “Num país de injustiças, se a Igreja não é perseguida, é porque é conivente com a injustiça” (Santo Oscar Romero).
Dizer - como li num jornal diocesano - que o maior desafio da Igreja hoje é converter quem tem o poder é - no mínimo - uma afirmação equivocada e não corresponde à verdade. Jesus nunca se preocupou em converter Herodes (que chamou de “raposa”) ou Pilatos e - muito menos - o imperador. Ele anunciou a Boa Notícia do Reino de Deus a todos e a todas, mas “a partir da manjedoura” (não a partir do palácio do imperador).
Hoje, ouvimos muitas vezes a seguinte afirmação (ou outra semelhante): o “bom economista” e (de forma mais geral) o “bom profissional” - apto para assumir algum cargo no Governo - é uma pessoa “que sempre teve e ainda tem a confiança do mercado”. É o “deus mercado” (outro nome do “deus dinheiro”) que define quem é bom e quem é mau! É a religião do “deus mercado”!
Como seres humanos e - mais ainda - como cristãos e cristãs não podemos aceitar isso. Para nós o “bom economista” e o “bom profissional” é quem sempre teve e ainda tem a confiança dos pobres, dos excluídos e descartados da nossa sociedade profundamente desigual e injusta, que a religião do “deus mercado” quer legitimar.
Se queremos ser realmente uma Igreja “evangélica”, ou seja, uma Igreja “pobre, para os pobres, com os pobres e dos pobres” (a Igreja que Jesus quis e quer), precisamos nos despojar de todas as insígnias de poder (incorporadas à estrutura da igreja) que são fruto de influências imperiais, feudais e capitalistas, e que não têm nada a ver com o Novo Testamento. As nossas celebrações litúrgicas comunitárias, devem ser bonitas, significativas e ligadas à vida, mas sem luxo, sem ostentação, sem triunfalismo, sem autoritarismo e sem clericalismo.
Enfim, na diversidade dos carismas (dons) e dos ministérios (serviços) lutemos para sermos, cada vez mais, a Igreja que o Concílio Vaticano II - na perspectiva do Novo Testamento - sonhou.
“O Vaticano II faz-nos passar: de uma Igreja-instituição ou de uma Igreja-sociedade perfeita para uma Igreja-comunidade, inserida no mundo, a serviço do Reino de Deus; de uma Igreja-poder para uma Igreja pobre, despojada, peregrina; de uma Igreja-autoridade para uma Igreja serva, servidora, ministerial; de uma Igreja piramidal para uma Igreja-povo; de uma Igreja pura e sem mancha para uma Igreja santa e pecadora, sempre necessitada de conversão, de reforma; de uma Igreja-cristandade para uma Igreja-missão, uma Igreja toda ela missionária” (Dom Aloísio Lorscheider. Fotografia da Igreja que o Concílio Vaticano II sonhou).
A Conferência de Medellín (hoje, infelizmente, esquecida) encarnou a Igreja - sonhada pelo Concílio - na realidade da América Latina e do Caribe.
Parafraseando os Apóstolos, declaramos com toda firmeza: o Espírito Santo e nós não aceitamos retrocessos!
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Opção pelos Pobres - Instituto Humanitas Unisinos - IHU