06 Agosto 2019
“Diante da paralisia política da esquerda mais partidarista na América Latina, seria necessário se perguntar se a própria noção de esquerda e suas diferentes manifestações históricas, a partir dos estados (socialismo, comunismo, social-democracia, populismo), nos servem na atualidade para articular visões e experiências de luta alternativas à crise civilizatória, dentro de um momento histórico em que o colapso planetário parece ser cada vez mais iminente”, escreve Andrés Kogan Valderrama, sociólogo e editor do Observatório Plurinacional de Águas no Chile, em artigo publicado por Rebelión, 05-08-2019. A tradução é do Cepat.
A propósito de uma nova versão do Foro de São Paulo, realizado desta vez na Venezuela, é bastante condenável que em sua declaração final não esteja no centro da discussão os múltiplos conflitos socioambientais da região e o aumento do assassinato de líderes defensores dos territórios, como consequência de um extrativismo cada vez mais brutal na América Latina. Considerando que é uma instância regional, desde 1990, que supostamente busca reunir o pensamento crítico latino-americano e assim gerar alternativas de maneira coletiva.
Daí que na declaração final só apareça brevemente: “Defender o acesso à água como direito humano e como direito dos povos para desenvolver sua atividade agrícola, fonte de riqueza e trabalho que garante a soberania alimentar, assim como defender o meio ambiente, a terra e os territórios”, omitindo-se no documento a denúncia de diferentes formas de colonização dos bens comuns, por meio da megamineração, o fracking, o agronegócio, a monocultura.
Pelo contrário, o que documento finalmente procura é blindar os chamados governos progressistas da região, abertamente extrativistas, por meio de uma retórica anti-imperialista, anticapitalista e antineoliberal, que parece estar em outro planeta, literalmente falando, já que não é capaz de ver que o que está em disputa no mundo, com o surgimento da China, não é somente a hegemonia dos Estados Unidos, mas a reprodução da própria vida, por todo o impacto socioambiental das políticas ecocidas implementadas.
Além disso, o documento utiliza a ideia de autodeterminação dos povos, como se fosse um apêndice dos estados, reproduzindo um discurso estadocêntrico, que, conforme se viu com os governos progressistas, não fez mais que construir dinâmicas clientelistas, autoritárias e corruptas, que facilitaram a militarização de territórios indígenas e o aprofundamento da exploração e acumulação das chamadas commodities. Por isso, resulta insólito que o documento também delineie: “Defender, respeitar e garantir os direitos e a cultura dos povos originários e afrodescendentes”.
Diante da paralisia política da esquerda mais partidarista na América Latina, seria necessário se perguntar se a própria noção de esquerda e suas diferentes manifestações históricas, a partir dos estados (socialismo, comunismo, social-democracia, populismo), nos servem na atualidade para articular visões e experiências de luta alternativas à crise civilizatória, dentro de um momento histórico em que o colapso planetário parece ser cada vez mais iminente.
Embora não se possa reduzir as esquerdas ao que foi realizado por diferentes governos e estados historicamente, já que também foi uma bandeira de luta por parte de diferentes movimentos sociais antisistêmicos, populares e alternativos em toda América Latina, assim como também de múltiplos coletivos anarquistas, ambientalistas, feministas, anticoloniais, sua origem deriva de um processo ideológico de não mais que 230 anos de história.
Em outras palavras, sua origem derivou do binômio esquerda-direita, construído durante a Revolução Francesa de 1789, onde se dividiu o mundo em dois, naqueles que por um lado defendiam valores como progresso, solidariedade e igualdade, ao passo que no outro se defendiam valores como ordem, segurança e tradição. Por sua parte, valores como liberdade e justiça estavam presentes nos dois lados, ao ser considerados universais tanto por conservadores como por progressistas.
O problema com essa oposição política é que por séculos talvez tenha sido o instrumento político mais eficaz do eurocentrismo para se expandir. Ou seja, em levar a ideia de esquerda e direita para todo o mundo como se fosse algo universal e, assim, acobertar que não é mais que uma construção em e para o Ocidente.
Portanto, a colonização ideológica foi uma constante em nossos territórios, despojados historicamente tanto pela direita como pela esquerda, seja em nome da sociedade sem classes, pelo marxismo, a defesa da nação e família, pelo conservadorismo, a liberdade individual, pelo liberalismo, e a desregulamentação dos mercados, pelo neoliberalismo.
Como consequência, continuar replicando um racismo ideológico através da dicotomia esquerda-direita, como se segue esboçando pelo Foro de São Paulo, é aprofundar o colonialismo interno regional, o que foi uma constante nas políticas implementadas em toda Abya Yala.
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A superação das esquerdas frente ao iminente colapso planetário - Instituto Humanitas Unisinos - IHU