22 Julho 2019
O presidente Jair Bolsonaro declarou na manhã desta sexta-feira 19 que “passar fome no Brasil é uma grande mentira”. Projetada no horizonte, a declaração é algo que todos gostariam que fosse verdade. Para tanto, o País teria que superar o quadro de desigualdade social e econômica. Hoje é apenas um blefe descolado da realidade.
A reportagem é de Ana Luiza Basilio, publicada por CartaCapital, 19-07-2019.
No início da tarde, o presidente ensaiou um recuo. Durante evento em que o Ministério da Cidadania celebrou o Dia Nacional do Futebol, em Brasília, ele voltou a falar sobre o tema: “É um país aqui que a gente não sabe por que uma pequena parte passa fome e outros passam mal ainda”. Mas, o que dizem os dados?
A afirmação é do relatório Panorama da Segurança Alimentar e Nutricional na América Latina e Caribe 2018, divulgado no ano passado pela FAO (órgão da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura). O estudo aponta que no triênio entre 2015 e 2017, 5,2 milhões de pessoas no Brasil estavam em estado de subalimentação, ou seja, não contavam com alimentos suficientes para satisfazer suas necessidades energéticas.
O estudo também atesta que fome e pobreza estão diretamente associadas e que o crescimento econômico nem sempre beneficia de forma igual os lares, mais pobres, os indivíduos e os territórios. Nesse sentido, as políticas de proteção social são importantes para darem um piso de segurança, sustento e promoção para a redução da fome e da pobreza. “Do contrário, os lares em situação de pobreza se veem forçados a investir seu tempo e seus recursos em atividades pouco rentáveis ou prejudiciais, ficando, assim, imersos na pobreza, sem capacidade de aquisição de bens básicos ou de fortalecer seus meios de subsistência”, aponta o relatório.
Em 2014, o País saiu do Mapa Mundial da Fome, como apontou o relatório global da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Na época, o indicador de Prevalência de Subalimentação, medida empregada pela FAO há 50 anos para dimensionar e acompanhar a fome em nível internacional, atingiu no Brasil nível menor que 5%, abaixo do qual a organização considera que um país superou o problema da fome.
No entanto, ainda que a fome tenha se mantido relativamente em patamar baixo desde o começo da década de 2010, a ameaça do crescimento do número de pessoas subalimentadas é real, segundo especialistas, muito por conta do quadro de estagnação econômica – após dois anos de recessão, o país voltou a crescer economicamente em 2017, mas apenas 1% – que gera desempregos e aumento de subempregos, que estão diretamente relacionados com a insegurança alimentar.
Também pesa sobre o cenário a quantidade de pessoas sem nenhuma forma de rendimento e que não estão associadas a nenhuma política social de transferência de renda, como o Bolsa Família e a aposentadoria rural. Mais de 7 milhões de pessoas estão nessa situação, segundo a FAO. Essas pessoas, se não passam fome, sobrevivem por meio de doações de instituições ou repasses de familiares.
Uma reportagem elaborada pela BBC investigou a vida de famílias pelo Brasil que, durante o período de férias escolares e sem acesso à merenda servida pelas unidades, não têm o que dar de comer às suas crianças. Os casos são narrados em São Paulo e em Brasília. As unidades escolares convivem diariamente com crianças que vão às unidades em busca de alimentação, fator que incide negativamente sobre a aprendizagem delas.
Em 2017, ganhou a imprensa o caso de um garoto de 8 anos que desmaiou enquanto assistia aula em uma escola do Cruzeiro, no Distrito Federal. O garoto, morador do Paranoá Parque, um empreendimento do Minha Casa, Minha Vida, chegava a se deslocar 30 km para chegar à escola todos os dias. O motivo do desmaio foi fome, conforme atestou a equipe do Samu que prestou atendimento à criança.
A realidade também encontra respaldo em números. De acordo com a Fundação Abrinq, que fez cálculos a partir de dados do IBGE, 9 milhões de brasileiros entre zero e 14 anos do Brasil vivem em situação de extrema pobreza. O Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional do Ministério da Saúde (Sisvan) identificou, no ano retrasado, 207 mil crianças menores de cinco anos com desnutrição grave no Brasil.
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Há fome no Brasil: 3 dados alarmantes que Bolsonaro deveria conhecer - Instituto Humanitas Unisinos - IHU