15 Mai 2019
Já postei algo hoje sobre a decisão do governo de reduzir em 90% as normas vigentes sobre segurança e saúde no trabalho.
É um crime.
Mais ainda num país que é recordista em acidentes de trabalho.
O episódio me leva a contar uma historinha ilustrativa, acontecida na década de 70, quando estava na Suécia como exilado político.
Um dos lugares em que trabalhei foi um pequeno estaleiro, que reparava pequenas embarcações.
Certa vez eu estava lixando o casco de um barco, para que, depois, ele fosse pintado. Usava uma espécie de luva, na qual estava acoplada uma lixa grossa. A geringonça era movida por energia elétrica, ligada a uma tomada.
Para facilitar o trabalho, eu tinha um balde com água e ia molhando as partes que lixava.
Lá pelas tantas chegou o representante do sindicato (todas as empresas tinham um representante sindical, eleito pelos empregados) e me perguntou:
"Quem te mandou molhar o casco?"
"Fulano " - respondi dando o nome do patrão, que tinha também funções gerenciais no estaleiro.
"Pode parar. Você está usando um equipamento elétrico, molhando o casco, daqui a pouco vai tomar um choque".
Achei mais do que razoável e obedeci.
Cinco minutos depois, chegou o patrão se desculpando.
"O Cicrano mandou você parar de usar água, não é? Ele está certo. Desculpa pela ordem que eu tinha te dado."
Fiquei matutando se um episódio assim aconteceria no Brasil.
Mais surpreso ainda fiquei quando um companheiro de trabalho, um mecânico português, parceiro meu, ligado inclusive ao PC de seu país, me disse:
"Cid, aqui se há alguma divergência sobre uma questão relacionada com a segurança do trabalho, a primeira palavra é a do representante sindical. Ela prevalece sobre o que diz o patrão. Se este discorda, que trate de recorrer."
Para que se veja como ainda estamos na pré-história da capitalismo.
Bolsonaro prometeu "desburocratizar" as normas de segurança do trabalho.
O Brasil é recordista em acidentes de trabalho. Afrouxar essas regras significa que mais gente sofrerá lesões irreversíveis ou morrerá. Isso é criminoso, embora a culpa jamais venha a ser realmente endereçada.
Enquanto isso, Bolsonaro liberou o uso de mais de cem novos agrotóxicos no Brasil. O glifosato continua utilizado amplamente em nossas lavouras.
A falta que faz uma imprensa minimamente decente.
Em março o governo disse que a economia brasileira cresceria pífios 2,2% em 2019. Passados dois meses a previsão para este ano já caiu para 1,5%. Ou seja, em dois meses o governo retirou cerca de 1/3 da previsão de crescimento anual da economia.
E nada impede que o resultado final seja ainda menor.
Questionado o ministro disse que essa queda na expectativa de crescimento se deu pela demora na aprovação da reforma da previdência.
Em primeiro lugar é um total non sense achar que uma modificação dessa magnitude seria concluída em poucos meses, sem que nem mesmo o governo tenha apresentado os cálculos que embasam sua proposta.
Mas o mais importante, Paulo Guedes está dizendo que a reforma da previdência traria efeitos para a economia brasileira imediatamente após a sua aprovação. Mesmo quem concorda com a tal reforma tem que ter um mínimo de decência e reconhecer que o impacto imediato será quase nenhum. Estamos falando de previdência, algo de longo prazo.
E não tem um puto de um jornalista para perguntar o óbvio.
Todas as fontes na Câmara dos Deputados coincidem em dizer que os parlamentares estão putaços com o desmentido de ontem sobre o recuo nos cortes à educação. O dia promete, porque além das manifestações, o Ministro Weintraub foi convocado para depor hoje, em uma derrota acachapante do governo, por 307 a 82.
Sei que alguns deputados do Centrão me leem aqui, o que é coisa que muito me honra, porque quando pilantras profissionais da política leem uma página de política, é sinal de que ela está sacando algumas coisas. O Centrão está com sangue nos olhos desde ontem, porque ninguém gosta de ser feito de otário, ainda mais para que o sujeito bata bumbo para a sua torcida organizada.
Em qualquer máfia, a palavra tem que valer. Você pode mentir para a imprensa, você pode mentir para o povo, você pode até mentir para seus correligionários, mas quando você faz um acordo com outro pilantra, a palavra tem que valer, senão nenhum pilantra vai voltar a fazer acordo com você. E aí você morre.
Isso funcionava na política pemedebista. A palavra do Eduardo Cunha, por exemplo, valia. Ele mentia descaradamente em público, mas o acordado na pilantragem valia. Essa é razão pela qual ele chegou a ter 150 deputados nas mãos, uma bancada maior que a de qualquer partido. A turma sabia que ele honrava o compromisso. Mesma coisa com o Temer.
Mas o bolsonarismo é de outra estirpe, que o velho cacique cearense Eunício Oliveira definiu com uma frase perfeita: "Esse povo que vem aí não é da política; é da rede social". São caçadores de likes, que fazem política na base do bate-bumbo para a torcida. Ótimo, nada contra, mas o problema é que eles têm que governar um país de 210 milhões de pessoas.
O resultado da presepada de ontem é que o Centrão está babando sangue. Tem deputado prometendo que todas as Medidas Provisórias vão caducar. Weintraub vai ser massacrado hoje na Câmara. Tem bancada que já decidiu que qualquer votação vai ter uma fatura. O coitado do líder do governo, o major goiano, vai ser obrigado a fazer o quadradinho do oito em qualquer votação.
Nunca, na Nova República, um governo começou o seu mandato com tanta boa vontade do Congresso em aprovar as medidas de que precisava - a Reforma da Previdência, por exemplo. Nenhum governo conseguiu derreter essa boa vontade em tão pouco tempo sem que a oposição fizesse nenhum esforço. A própria forma de governar vai derretendo a base do governo.
Se eu fosse vocês, eu começaria a estocar comida enlatada e a comprar dólar.
Bolsonaro ainda não recuou dos cortes da educação.
Mas essa história do líder da bancada dizendo que ele recuou e o "planalto" desmentindo (e não o Bolsonaro pessoalmente) é sinal de que BOLSONARO ESTÁ COM MEDO DA GREVE.
Todos na rua.
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