09 Mai 2019
Incapaz de traçar qualquer plano para a economia, ministro crê ser salvo pela “mão invisível do mercado”. Mas setores empresariais já se mostram impacientes. A questão é: manterão, apenas em nome da ideologia, fidelidade amorosa ao ex-capitão?
O comentário é de Paulo Kliass, doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal, publicado por Outras Palavras, 08-05-2019.
A situação de Paulo Guedes no governo do capitão já não pode mais ser caracterizada com a tranquilidade típica de um céu de brigadeiro – expressão com que os pilotos de aeronaves costumam se referir a um voo sem turbulências pela frente. A força do superministro seria inquestionável, a se levar em conta a forma pela qual ele vinha sendo tratado, até bem pouco tempo atrás, pela maior parte dos grandes meios de comunicação. No dizer dos editorialistas, Bolsonaro e sua turma mais íntima podem até ser meio excêntricos, mas o Guedes é o cara que segura a onda.
Na verdade, só se deixou enganar quem quis ou quem não tinha informações suficientes a respeito das condições objetivas do desastre em que se encontra a economia brasileira e dos postulados doutrinaristas do ex “Chicago boy”. O tal do “mercado” resolveu apostar todas as suas fichas na boa performance do consultor do mercado financeiro, que não havia tido até então uma única passagem pelo setor público de nosso País registrado em seu extenso currículo profissional. O neo todo-poderoso tem, ao contrário, uma extensa folha corrida muito bem remunerada por bons serviços prestados aos interesses do financismo. Ou seja, o Ministro da Economia sempre demonstrou muito conhecimento e experiência em atender às demandas dos bancos, das consultorias e de todas as frações que ganham muito dinheiro com a especulação do parasitismo rentista.
Ocorre que as tarefas de cuidar da economia, especialmente em uma sociedade tão complexa e tão desigual como a nossa, não podem ser delegadas aos postulados do manual da ortodoxia conservadora. Essa lição foi muito evidente desde o momento em que Dilma Roussef nomeou Joaquim Levy para a pasta da Fazenda. A partir daquele ato de estelionato eleitoral inesperado, entra na pauta da agenda política a adoção do austericídio como tentativa de solucionar os problemas lá em 2015. Assim, a explosiva combinação de juros oficiais elevados e cortes nos gastos públicos começou a provocar a consolidação do desastre social e econômico que perdura até os tempos atuais.
Passado o golpeachment, Temer é convencido pelas elites a nomear o ex presidente do Banco Central sob os dois mandatos de Lula para o Ministério da Fazenda. Henrique Meirelles via naquele gesto a possibilidade de ele mesmo se cacifar para uma viagem ao Palácio do Planalto. Triste ilusão! Arrastou-se até o fim do mandato usurpado e mal conseguiu superar em votos a baixíssima popularidade do seu chefe. Ficou em sétimo lugar no primeiro turno, com pouco mais de 1% do total de votos. O interessante a reter é que os grandes meios de comunicação concediam ao ex presidente internacional do Bank of Boston um tratamento semelhante ao oferecido atualmente ao aprendiz de feiticeiro da FGV.
Meirelles insistiu na receita liberaloide fiscalista e não conseguiu nada mais do que deixar a marca de sua passagem pelo comando da economia como sendo um dos maiores responsáveis pela mais profunda recessão de nossa História. Inventou a maluquice da PEC do Fim do Mundo, convertida na Emenda Constitucional nº 95/2016. Essa mudança criminosa em nosso texto máximo congela por 20 longos anos as despesas de natureza social e os investimentos de nossos gastos públicos federais. Privatizou o quanto pode de empresas estatais e ofereceu concessões de todo tipo ao grande capital privado. Mas não conseguiu realizar seu sonho maior: o Congresso Nacional não aprovou seu projeto de reforma previdenciária. Ainda bem!
Meirelles está completamente esquecido por todos, apesar de tudo o que ofereceu aos poderosos – sempre às custas do sangue e do suor do povo trabalhador. Afinal, aqui também vale a máximo do “rei morto, rei posto”. Assim, os holofotes todos passam a se mover na direção de Paulo Guedes. Como era esperado pelo “establishment” em relação ao predecessor, a experiência do doutor formado pela faculdade norte-americana que foi o berço do neoliberalismo era bem aguardada também por esses cantos. Quase meio século depois da malfadada destruição da previdência pública chilena sob a ditadura de Pinochet, os arautos do financismo esperam ansiosos pela repetição do desastre por aqui. Como Guedes compunha a equipe que colaborava com os generais que haviam assassinado Allende, a sua presença como o homem mais forte do governo do capitão era a segurança de que o INSS estaria finalmente com seus dias contados. Afinal, esse sempre foi um dos maiores sonhos de consumo acalentados pelos donos da banca tupiniquim.
No entanto, a realidade política, econômica e social tem uma dinâmica muito particular e geralmente oferece surpresas aos observadores incautos. A chamada luta de classes e os conflitos de interesse não tardam a se manifestar nos momentos de crise. E Paulo Guedes não sabe como retomar o crescimento da economia, nem mesmo que seja sob a ótica conservadora dos interesses das classes dominantes. Obcecado pela obediência cega aos manuais da ortodoxia monetarista, o chefe da economia não consegue fazer o nosso PIB deslanchar. Espera que as forças livres de mercado lhe ofereçam esse resultado em uma bandeja de prata. Tadinho!
Esses ditames da austeridade burra já foram ultrapassados pelos próprios países do centro do capitalismo, no período que se seguiu à crise econômica financeira internacional. Depois de 2009 deixou de ser heresia a proposta de medidas contracíclicas nos momentos de baixa do ciclo econômico. Ao contrário do que propõem Levy, Meirelles, Guedes e seus amiguinhos, na crise o Estado tem de expandir seu gasto! Que o digam os responsáveis conservadores pela política econômica nos EUA e na União Europeia na última década.
Por aqui, o superministro segue pensando em ajuste fiscal apenas pela ótica do corte de despesas. Com isso, pode até ficar bem no filme com seus parceiros do nata do mundo financista local. Mas a grande maioria da população e os próprios setores da produção, do comércio e dos serviços começam a revelar sua impaciência. O desemprego não diminui e fica perigosamente estacionado nos 13 milhões de pessoas. A população em condições de trabalho e subaproveitada desse potencial se aproxima dos 30 milhões. As condições de prestação dos serviços públicos básicos à população se deterioram a olhos vistos. Educação, previdência social, saúde, segurança, assistência social, transportes, saneamento estão completamente sucateados.
Ora, sob tais circunstâncias, é óbvio que não estão presentes as condições para a retomada do crescimento – isso sem mencionar um projeto de desenvolvimento. Os empresários só retomarão seus níveis de investimento ou mesmo de aumento da capacidade produtiva caso vislumbrem alguma possibilidade de recuperação da demanda ali na frente. Com exceção de um ou outro empreendedor maluco e mais afinado ideologicamente com o programa de governo do capitão, a maioria está em compasso de espera. Aguardando para ver como a coisa fica.
Essa é uma das razões para a popularidade do recém ocupante do Palácio do Planalto ter despencado como nunca havia ocorrido antes nos primeiros meses de seu mandato. Mas como a política é perversa e não tem perdão, ninguém se iluda que Bolsonaro vai se manter fiel a Paulo Guedes apenas porque o povo do financismo assim o deseja. Tanto que o superministro já começa a esboçar movimentos em direção oposta a todo seu lengalenga do liberalismo rastaquera de botequim. Na crise dos combustíveis, já começou a aceitar as ideias de tabelamento do frete e de recuar na solução imbecil de alinhamento dos preços da Petrobrás às oscilações do barril do petróleo no mercado internacional de “commodities”. Em outros tempos, esse movimento seria tachado de “intervencionismo estatista”.
Na elevação da capacidade de consumo, frente à incapacidade de recuperar o nível de emprego e da massa salarial, Guedes sai-se com a liberação dos recursos do FGTS como solução que mistura pitadas de heterodoxia com uma evidente medida inadequada para elevar artificial e pontualmente a demanda interna. No front externo, sua equipe insiste em caminhar na direção da casca de banana e só faz aumentar as tensões com parceiros comerciais importantes e tradicionais do Brasil. As nossas exportações, que poderiam ser um instrumento de estímulo à retomada da atividade econômica em geral, não deslancham e correm até mesmo o risco de perder espaço no cenário internacional. Daqui a pouco vai recuar nas intenções de privatizar os bancos públicos e certamente passará a acionar BNDES, BB, CEF, BNB e BASA para oferecer crédito barato às empresas. Doutrinarismo nos olhos dos outros é bobagem. Afinal, quem nunca teve sua noite de inspiração bolivariana?
No dia-a-dia, o czar da economia tenta se agarrar no cabo da PEC 06/2019 para justificar sua permanência como homem forte. Mas ele deve estar preocupado ao perceber o que está sendo feito do outro, até então, também superministro – Sérgio Moro, seu colega da Justiça. Queimado e chamuscado pelo próprio núcleo do governo, o ex todo poderoso da Lava Jato corre o risco de nem mesmo ser o indicado pelo capitão para a próxima vaga que se abrir para o STF. Se Paulo Guedes não conseguir emplacar algo de significativo com sua proposta de destruição do nosso modelo de previdência social, não terá mais condições para permanecer no governo. Por isso ele sempre se manifesta em um futuro longínquo. Economia de R$ 1 trilhão em 10 anos com aprovação da reforma. Retomada de ciclo de crescimento da economia de 15 anos com a destruição do RGPS.
Mas a emergência do aqui e agora é implacável e começa a apresentar sua fatura. Os setores empresariais já cobram medidas contra a recessão e a ausência de consumo. A maioria da população se manifesta também contra a Reforma da Previdência e contra os efeitos nefastos do desemprego continuado. Paulo Guedes está na corda bamba. Caso decida por permanecer fiel a seus princípios obsoletos da dinâmica da economia, seus dias estarão certamente contados. Mas nem mesmo alguma conversão meia boca às proposições “esquisitas” (por ele sempre condenadas, diga-se de passagem) que estimulem um mínimo de crescimento do PIB está em condições de lhe oferecer segurança à sua permanência na cadeira ministerial.
O tempo da política não caminha sincronizado à cadência da economia. Bolsonaro está sendo cobrado pelo que não está entregando. Se Guedes não oferecer nada para amainar os espíritos, dificilmente conseguirá atravessar o mandato sem perder o equilíbrio. A questão é avaliar se haverá ou não uma rede de segurança apara evitar danos maiores resultantes do desequilíbrio.
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Paulo Guedes na corda bamba? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU