26 Fevereiro 2019
Jorge Leiva, padre de extenso conhecimento histórico. Preocupado, reconhece que, apesar de ser majoritária, a Igreja Católica perdeu paroquianos. "Vamos pensar que a paróquia de Gualeguay foi fundada em 1782. Tanto a igreja como o império espanhol estavam em declínio. Os jesuítas haviam sido expulsos por Carlos III alguns anos antes, em 1767. Em 1779, o bispo Sebastián Malvar y Pinto viu que haviam derrotado os aborígenes e que havia poucos crioulos. Era evangelizador e político, queria se dar bem com o amigo Carlos III e sugeriu que se promovessem aldeias porque aí havia nada menos que o Brasil, sempre um inimigo à espreita. " Em outras partes da América Latina se alcançava um certo apogeu econômico e desenvolvimento social com universidades, bispados, numeroso clero (como no México e Lima). Esta área era deserta, uma ilha, sem pontes ou estradas. Buenos Aires era o quintal do império.
"Declarada a independência, criou-se um problema sério entre as novas nações e a Santa Sé, porque ainda estava unida à Espanha. Lembre-se que houve abolição de cargos sob os governos nos quais Rivadavia participou. Expropriaram propriedades das paróquias já desde a Assembleia do Ano XIII. Havia muito clero na proclamação da independência em 1816, mas depois foi encolhendo. A Constituição de 1853, de inspiração liberal, confirmou a relação traumática entre governo e Igreja ".
O Padre Leiva disse que houve quase sessenta anos sem bispos, especialmente durante as guerras civis. "A experiência evangelizadora na Argentina travou e a falta de vocações sacerdotais foi um mal endêmico. Quando expulsaram os jesuítas, a Argentina ficou sem educadores, os párocos ensinaram as primeiras letras. O Colégio Nacional de Buenos Aires permaneceu. É onde Urquiza estudou. Havia colégios em Córdoba, mas aí pare você de contar”. A educação religiosa retorna "com a geração dos anos oitenta e o estado moderno". Funda-se a escola normal. Gualeguay tinha um grande porto, Puerto Ruiz cresceu com a chegada da Ferrovia Entrerriano, em 1880. Foi morrendo a partir de 1950. Alguns dizem que se tornou o terceiro ou quarto porto em importância da bacia da Mesopotâmia. Restaram construções muito lindas do final do século XIX e um esplendor econômico foi experimentado. Este templo de Santo Antônio foi construído em 1881.
A entrevista é de Andrew Graham-Yooll, publicada por Página/12, 25-02-2019. A tradução é do Cepat.
Quantas Igrejas cada Padre tem que cobrir nesta área?
A cidade de Gualeguay tem três paróquias. Aqui somos dois sacerdotes. Atendemos também o povo de Enrique Carbó, a caminho de Gualeguaychú, com uma missa semanal. Esta paróquia não é grande e é por isso que podemos concentrar a atividade no templo paroquial. Temos cidades pequenas que crescem, lentamente, e uma área rural que está se despovoando. Algumas capelas de campo são bonitas e quase não têm uso. Talita, outra cidade próxima, é mais antiga, do século XIX. Lá foi batizada uma de minhas avós, mas a missa não é mais celebrada porque não há paroquianos.
Você fala com seus paroquianos sobre a controvérsia do aborto, o voto contra a nova legislação e, surpreendentemente, o voto a favor do livre aborto na Irlanda? Precisa falar sobre o divórcio lá por 1987? E também seria necessário falar sobre a pedofilia e a crise que desencadeou.
Vamos por partes. Tudo se trata a partir da perspectiva da palavra, da conversa. Também trabalhamos muito com o simbólico, o ritual, a ternura. Por exemplo, não há dúvida de que o divórcio requer conversa com as duas pessoas envolvidas. Precisa de muita conversa e compaixão para ajudar os casais envolvidos. Acrescento outras coisas, essas cidades que parecem um tanto perdidas, pequenas, estão interconectadas, pelo rádio, pela televisão e, obviamente, pela Internet. Recordemos que, por esses meios, as coisas que têm as grandes cidades também têm as pequenas daqui. Digamos que as grandes epidemias espirituais estão aqui. Pontualmente, o aborto causou um aperto, foi um abalo para a comunidade católica. Muitos de nossos fiéis não souberam o que pensar diante do debate. Pareceu bom a expansão do debate. Mas, se sentiram tomados pela surpresa. Para nós, como sacerdotes, nos pegou de surpresa.
Eu não pensava que, nesses anos, um governo iria lançar uma campanha semelhante. Também é complicado o debate sobre a ideologia de gênero. Se antes na cultura popular os eixos de informação para as pessoas estavam na família, na escola e nas comunidades religiosas, agora esses eixos têm outros agentes. As redes sociais são os meios de comunicação e por estes existe uma forma de educação clandestina. Nós, adultos, às vezes nem nos damos conta. Então, isso tem sido muito forte para absorver e entender.
E há a questão da pedofilia que em nossas comunidades tem sido um escândalo. Quando o padre se entrega à comunidade, recebe muito carinho, porque as pessoas são afetivas e sabem distinguir quando há um bom padre ou que tenta ser. Mas se as pessoas percebem que há um padre com outras intenções ou que entraram no sacerdócio com outra patologia de ordem psicopática, não generaliza. Não sabemos onde o psicopata está e de repente se torna um seminarista, pároco ou se torna um bispo. Os bispos da Argentina reconheceram o chamado de Bento XVI e Francisco a uma tolerância zero. E isso aconteceu.
Esse problema surgiu como uma crise na sua diocese?
(Longa pausa) A crise surgiu e foi bem resolvida.
Essa é uma resposta muito diplomática e muito cautelosa.
Bem, você sabe que os padres têm uma dupla jurisdição: uma que corresponde aos tribunais eclesiásticos e outra que corresponde aos tribunais civis. Vamos dizer que isso aconteceu e foi bem resolvido. Existem as ferramentas ...
Isso significa que falaram sobre o assunto entre vocês e deixaram claro ou é um contato individual do bispo ou do padre, ou foi discutido na assembleia?
As duas coisas. Nós discutimos isso na assembleia. Tivemos cursos de formação de atualização em termos de formação afetiva, intelectual, filosófica, teológica e pedagógica. Tudo isso. Em segundo lugar, foram colocadas em prática as ferramentas para que os servidores específicos possam agir em casos de uma denúncia. Isso é garantido.
Mas houve queixas específicas aqui?
Compreendo que sim, mas não sou especialista no assunto. E para mim já entramos em outro ponto. É o assunto dos meios de comunicação. Nós mencionamos a Igreja, o estado moderno em si e as grandes instituições que dão um tecido à sociedade e nisso surge a ideia de que existem meios de comunicação que não querem a reforma da Igreja, mas a destruição da Igreja. Há colunistas que não leio desde de João Paulo II para cá. Em um dos grandes jornais da manhã há um que escreve da Europa, propiciando a destruição da Igreja. Mas leio outros, como Washington Uranga, no Página/12. Sigo com cuidado. Também pode surgir nisso outra rachadura, entre a elite e o povo: um meio de comunicação pode chegar a ser elitista e não acompanhar os sentimentos do povo. Por exemplo: depois de tantas informações denunciando a pedofilia na Igreja, achei que as pessoas iriam gritar "Padre pedófilo!" pela rua. Mas, me tratam bem, com o carinho de sempre.
Existe um grande número de fiéis aqui?
Estamos na média nacional, que é de 80% de católicos. A Igreja argentina sempre teve uma participação deficiente na liturgia dominical. A porcentagem caiu. Temos pessoas que se batizam, mas poucas participam habitualmente nos domingos. A maioria dos católicos batiza seus filhos e se despede de seus mortos com os rituais católicos. Nestes anos tem crescido o número de crianças no catecismo.
Faço uma abordagem mais teórica: sociologicamente existe uma ordem instituída que é a família, o povo, a terra; existe uma ordem instituída que é o estado e em terceiro lugar existe uma ordem moral, ética, simbólica e mítica. A Argentina moderna foi instituída com uma ordem paralela ao popular, uma ordem liberal e, assim, se erradicou a religião das escolas. Dessa maneira, se sentiu uma espécie de esquizofrenia, aquela distância no sentimento popular que nem sempre é representada por políticos. As paróquias foram ao encontro da situação com a organização de grupos de catequese. Isso continua sendo um debate aberto. Há muito a discutir. Não estou propiciando nenhum clericalismo, mas me manifesto sobre o que temos.
Como esse povo que você menciona evoluiu em relação à educação? As escolas religiosas tiveram que abrir seus cursos muito mais porque não se mantém economicamente.
Pensemos que ao longo dos anos a Igreja ficou encarregada de boa parte da educação nos mosteiros, nos bispados, nas Igrejas. Depois o Estado decidiu criar cidadãos e, em seguida, o mercado decidiu tomar a ferramenta para criar trabalhadores. Eu cresci indo para a escola estadual. Quando pensamos em escola particular, não a vemos como um privilégio, mas como parte da organização de famílias e associações intermediárias ... e o Estado contribui com salários.
Sim, mas esse governo quer cortar esses recursos ...
Dizem saber os que dizem que um aluno custa três pesos na escola estadual e custa um peso na privada, porque as famílias pagam os outros dois pesos. O aluno privado está pagando por edifícios, serviços e mais, uma despesa que o estado não paga na privada. Às vezes organizações intermediárias chegaram onde o Estado não. Não só nas paróquias, mas também nos clubes: em Gualeguaychú existem clubes que oferecem estudos secundários.
A celebração da noite fica cheia de pessoas aos domingos. Isso significa que os números de participação mudam. Há muitos fiéis?
Parece-me que as pessoas da liturgia aos domingos permaneceram, não cresceram, e há pessoas que em um tempo participam e em outro saem. Já disse que as famílias batizam, mas estamos em um processo de mudança cultural brutal. Não estamos mais na modernidade com uma moralidade kantiana, mas estamos na pós-modernidade, onde todos as adesões são mais líquidas.
Vamos esclarecer, por favor ...
Bem, o filósofo alemão Immanuel Kant diz que o imperativo como uma expressão da lei moral vem da razão humana, não é um raciocínio líquido, mas muito firme. Há jovens que começam em um instituto religioso com entusiasmo e depois militam em outra instituição com uma ideologia que é contra a Igreja. Está acontecendo. Não é coincidência que no ano passado tenha sido realizado o Sínodo dos Bispos em Roma sobre as novas gerações e vocações. Disse antes que a Igreja sofre uma crise vocacional. Sim, precisamos de muito mais padres. Normalmente acontece como você disse, há dias em que as igrejas estão cheias. Sim, mas há menos igrejas.
Voltemos um pouquinho. Os meios de comunicação não são órgãos de crítica somente quando existe um fato dentro da Igreja. Acontece quando se teme que não há esclarecimento suficiente internamente, a explicação necessária não é abundante e que essa falta vai contra esse mesmo povo, ao deixá-lo sem saber ...
Tudo bem quando se mantém um diálogo respeitoso entre uma elite de vanguarda, como um jornal ou um grupo de comunicação, e as pessoas simples. Essas pessoas não pararam de trazer crianças para batizar por causa das suspeitas da existência do pecado ou do crime de pedofilia. Essas pessoas confiam que, se o seu bispo descobrir que um dos seus padres está envolvido nesse pecado, o bispo vai tirá-lo pela orelha ... o que significa tolerância zero.
Como a igreja atua?
Por um lado, tem seus tribunais eclesiásticos e, por outro, respeita as decisões da justiça civil e fornece o necessário. Na medida do possível, acho que estamos nos movendo com o nosso povo. Estamos atravessados por uma cultura de origem hispânica, aborígene, católica e também por uma cultura moderna e ao mesmo tempo pós-moderna, tão relativista, que não traz democracia. Quando toda a razão é relativa, que razão prevalece: somente a do mais poderoso e aquele que tem o poder de manipular. E esse é o poder econômico, político e simbólico. Assim se produzem as grandes lavagens cerebrais nas comunidades. Às vezes as pessoas sabem sobressair dessas manipulações.
Isso está claro e contundente ...
João Paulo II descreveu muito bem em um escrito: "Se há uma razão ..."
A igreja romana pode chegar, em algum momento, ao casamento de seus ministros ou é uma impossibilidade?
Na Igreja católica maronita do Oriente Médio, os bispos ordenam homens celibatários não casados, monges, mas também homens casados. No Ocidente Latino isso não acontece e nos últimos tempos o Papa Francisco disse que as ordenações sacerdotais continuarão sendo homens celibatários. Por várias décadas temos o Diaconato permanente: os bispos ordenam homens casados para batizar, abençoar casamentos, organizar caridade e outras funções em Igrejas distantes.
Encerramos por aqui. Muita coisa permanece pendente. Você é jovem e outro dia falamos sobre a ditadura.
É preciso revisar nossa história e da América Latina. No ano 2000, no jubileu dos dois mil anos do nascimento de Jesus Cristo, a Igreja aqui pediu perdão. Foi a súplica de perdão. A grande tentativa das últimas décadas é retornar à centralidade de Jesus de Nazaré. João Paulo II disse que era necessário partir de Cristo.
Hora de falar sobre controvérsias: aborto, ideologia de gênero, pedofilia, entre outros temas de irritação geral. Jorge Leiva, 54 anos, homem simpático, transmite sinceridade. A Igreja às vezes não inspira confiança e confesso que pouco antes de ver Leiva na Igreja de Santo Antônio, em Gualeguay, Entre Ríos, ficava contrariado em ver por uma segunda e terceira vez o filme Philomena (2013), de Stephen Frears, onde uma mulher (Judi Dench) passa 50 anos procurando por um filho ilegítimo que, sendo ela adolescente, foi retirado e vendido para adoção nos Estados Unidos por freiras em Cork, Irlanda.
Padre Leiva tem um discurso claro nestes tempos complicados da Igreja Católica. É padre em uma paróquia de Gualeguay, na Igreja de Santo Antônio, um templo espetacular. Nascido em Galarza, ele é músico, cantor e guitarrista. Compôs uma Cantata aos Santos Latino-americanos, inclusive uma peça muito bonita dedicada ao bispo Enrique Ángel Angelelli (1923-1976), religioso assassinado pelos militares durante a última ditadura.
É um homem leitor e conhecedor da história religiosa do país. Movimenta-se com facilidade em sua diocese de Entre Ríos. Para mim, não é habitual entrar em um longo diálogo com um padre católico, embora discutisse os sermões com um padre protestante e anglo-católico na Universidade da Inglaterra. Sendo um vizinho interessante, precisava conhecer Leiva.
Ingressou no seminário de Gualeguaychú aos 15 anos de idade. "Meu campo de ação está aqui, nesta área. Em outros casos, pode ser que um bispo necessite de um missionário em outra diocese ou em outro país. Por exemplo, o superior de todos os jesuítas no Japão é um padre que nasceu em Larroque, aqui, nada menos que o pai de Luca. Antes de terminar sua última etapa vocacional, queria estudar no Japão. Aprendeu inglês e, enquanto seguia seus estudos filosóficos e teológicos, aprendeu japonês."
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“Agora as adesões dos fiéis são pós-modernas, líquidas”. Entrevista com o padre argentino Jorge Leiva - Instituto Humanitas Unisinos - IHU