14 Fevereiro 2019
"Por sua natureza eclesial, o Sínodo não se constitui um espaço de projeção política, como pensam alguns setores do Planalto", escreve Márcia Oliveira, socióloga, professora na Universidade Federal de Roraima e única mulher assessora do Sínodo da Amazônia.
Anunciado pelo papa Francisco, no dia 15 de outubro de 2017, a Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos da Pan-Amazônia se encarregará de refletir sobre o tema: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral. A fase final se realizará na cidade do Vaticano de 06 a 27 de outubro de 2019.
Trata-se de um sínodo especial que representa a resposta do papa Francisco às demandas das conferências episcopais dos países Pan-Amazônicos: Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname Venezuela e Guiana Francesa. Os bispos destes nove países formam o Conselho Sinodal que contará ainda com a presença de outros cardeais especialistas no tema. Quem preside o Sínodo é o Papa Francisco utilizando-se de uma metodologia é eminentemente participativa. Não se trata de um evento político e muito menos social. O Sínodo é um evento eclesial.
Por sua natureza eclesial, o Sínodo não se constitui um espaço de projeção política, como pensam alguns setores do Planalto. Na manhã de ontem (terça-feira, 12 de fevereiro), nosso colega colunista de Amazonas Atual, o deputado federal José Ricardo protocolou requerimento para convocar o ministro, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), para se apresentar ao Congresso Federal para prestar explicações das atividades de inteligência e espionagem sobre o Sínodo da Amazônia, reveladas pelo Estadão no último domingo.
De acordo com José Ricardo este fato chama atenção porque revela a preocupação do GSI com a postura da Igreja Católica na Amazônia nesta empreitada de dar voz aos povos dessa imensa região e fazer chegar à Assembleia Sinodal seus clamores, sofrimentos, lutas, resistências e esperanças. A “preocupação” do GSI, entretanto, parece estar mais voltada para projeção política do que com a realidade amazônica que é o que verdadeiramente importa para a Assembleia Sinodal.
O processo sinodal tem sido totalmente transparente com uma grande rede de trocas de experiências de todas as atividades realizadas nesta primeira fase de levantamento da realidade eclesial na Amazônia. Não precisa empregar técnicas de espionagem nem gastar dinheiro público para saber o que vem acontecendo.
Estamos finalizando a primeira fase preparatória do Sínodo com um balanço muito positivo. Todas das dioceses dos nove países da Pan-Amazônia realizaram inúmeras atividades em preparação às Assembleias Territoriais que recolheram e sistematizaram, de forma transparente e participativa, os diversos relatórios das mais diversificadas atividades que promoveram ampla participação de toda comunidade católica neste processo denominado pelo documento preparatório de “escuta sinodal”.
Esta primeira fase superou todas as expectativas. Os grupos se encontraram nas bases das comunidades em clima celebrativo e reflexivo. Eu mesma pude confirmar esta dinâmica nos diversos grupos que acompanhei em Roraima e no Amazonas, na qualidade de assessora da Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam), ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Foram realizados diversos seminários, inclusive no âmbito acadêmico, fóruns de debate, mesas-redondas, rodas de conversas, em todas as instâncias de participação coletiva da Igreja Católica na Amazônia. O clima de confiança fraterna, de alegria e de celebração foi o tom de todas as atividades. A metodologia participativa foi caracterizada pelo debate em torno da busca coletiva dos “novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral”, tema central do Sínodo.
Nesta semana, os relatórios das sugestões levantadas em toda Pan-Amazônia, estão sendo sistematizados para ser entregue à Secretaria do Sínodo para subsidiar a preparação do documento de trabalho chamado ou Documento Laboris ou Lineamenta, um documento que apresenta as linhas principais do tema do Sínodo escrito com a contribuição de todo o Povo de Deus reunido nas Assembleias Sinodais enviado ao Conselho Sinodal.
A Lineamentaé o documento de referência para a Assembleia Sinodal que subsidiará a elaboração da Exortação Apostólica que será o Documento Final assinado pelo Papa que resume as principais conclusões da Assembleia Sinodal e passa a ser um ponto de referência para a caminhada da Igreja.
Esta primeira fase do Sínodo foi importante para nos ajudar a conhecer melhor a riqueza e a multiplicidade do nosso bioma, os saberes e a diversidade dos Povos da Amazônia, especialmente dos povos Indígenas, ribeirinhos camponeses e moradoras das grandes cidades, com suas lutas por uma ecologia integral, seus sonhos e esperanças.
Todos estes elementos nos desafiam a uma tomada de consciência da necessidade de uma nova convivência com a Amazônia, com o modo de ser de seus povos, com seus recursos de uso coletivo compartilhados num modo de vida não capitalista adotado e assimilado milenarmente.
O processo sinodal tem nos ajudado a nos posicionar numa atitude de defesa da Amazônia, seu bioma e seus povos ameaçados em seus territórios, injustiçados, expulsos de suas terras, torturados e assassinados nos conflitos agrários e socioambientais, humilhados pelos poderosos do agronegócio e dos grandes projetos econômicos desenvolvimentistas e economicistas. Projetos estes que empurram o povo para as periferias das grandes cidades negando-lhes os direitos básicos de acesso à saúde, educação, segurança e condições de sobrevivência com dignidade em toda Pan-Amazônia. Entretanto, o Sínodo não irá determinar nossas práticas pastorais nem apresentará receitas prontas. O Sínodo está nos subsidiando para buscar as respostas na base das nossas comunidades. Como dizia o nosso poeta amazonense “as colunas da injustiça, sei que só vão desabar quando o meu povo, sabendo que existe, souber achar dentro da vida o caminho que leva à libertação” (Thiago de Mello).
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O Sínodo para a Amazônia é um evento eclesial - Instituto Humanitas Unisinos - IHU