Uns trinta migrantes se esconderam sob uma árvore em uma noite fria enquanto um helicóptero do governo estadunidense sobrevoava. A luz da busca passava pelos galhos de árvore e a terra ao seu redor. Ali de onde se colocaram de cócoras, os homens, mulheres e crianças podiam ver o território estadunidense a só alguns metros, do outro lado da alta cerca fronteiriça que separa o México dos Estados Unidos.
Viajaram para atravessar essa cerca. No entanto, muitas coisas os deixaram perplexos.
E se os pegassem? Se os pegassem, poderiam solicitar asilo? Os filhos seriam separados de seus pais? Seria possível correr para San Diego? Quem estaria no veículo da Patrulha Fronteiriça no outro lado da cerca? Os guardas fronteiriços teriam permissão de atirar?
A reportagem é de Maya Averbuch e Kirk Semple, publicada por The New York Times, 03-12-2018. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Uma larga e árdua jornada desde seus lares na América Central, a partir de onde viajaram como parte de uma grande caravana, seguido por mais de duas semanas definhando em um abarrotado refúgio para migrantes em Tijuana e cada vez com um odor mais fétido que chegava até lá. Um trajeto noturno à cerca fronteiriça e talvez uma tentativa desesperada de atravessar.
Migrantes esperando ônibus que os levarão para outro albergue, onde permanecem até serem repatriados. Foto: Simone Dalmasso | Plaza Pública
“Vamos [cruzar a fronteira] por um futuro melhor para nosso filho, em um lugar que é seguro”, disse Samuel García, de 30 anos, um hondurenho que estava acocorado junto de sua esposa e seu filho de 5 anos. “Aqui”, disse em referência ao México, “nunca tive intenção de construir minha casa”.
García apontou com a cabeça para a cerca e as cada vez mais intensas fortificações de uma nação cujo presidente não quer que ele ingresse.
“Tem que haver um ponto fraco”, disse.
Muitos dos migrantes que chegaram à fronteira norte do México nas últimas semanas, partiram do seu país de origem com uma ideia diferente da qual seria o resultado.
O presidente estadunidense, Donald Trump, os qualificou como uma horda invasora de oportunistas que busca manipular o sistema migratório estadunidense. Não obstante, muitos se apegaram à crença de que quando chegassem à fronteira, o coração do mandatário se comoveria e as portas magicamente se abririam.
Nos últimos dias, viram como seus sonhos quase se fazem despedaçados contra o frio, a impassível realidade da fronteira e a política estadunidense.
A viagem para mais de seis mil migrantes chegou ao seu fim em Tijuana em meados de novembro. Durante semanas, a maioria viu passar horas e dias em um complexo desportivo municipal que foi convertido em refúgio. Os alimentos eram escassos, a privacidade não existia, as enfermidades respiratórias se propagaram.
Se alguns migrantes ainda pensavam que Trump poderia se comover com sua difícil situação, se desiludiram há uma semana, quando centenas se separaram de uma marcha pacífica e correram para a fronteira estadunidense, da qual foram repelidos pelos guardas fronteiriços dos Estados Unidos que lançaram gás lacrimogênio. Muitos migrantes foram presos por autoridades mexicanas.
Vários dias depois, uma grande tormenta chegou à cidade que converteu o complexo desportivo em um pantanal e aumentou assim as tragédias que enfrentam os migrantes.
Em razão dos eventos da semana passada e da retórica dura de Trump, os migrantes, cada vez mais frustrados e desesperados, começaram a reavaliar suas opções.
Centenas se deram por vencidos e aceitaram ser repatriados voluntariamente a seus países de origem.
Em razão dos eventos da semana passada e da retórica dura de Trump, os migrantes, cada vez mais frustrados e desesperados, começaram a reavaliar suas opções. Centenas se deram por vencidos e aceitaram ser repatriados voluntariamente pelos seus países de origem
Muitos outros decidiram que a melhor decisão é aceitar a oferta do governo mexicano de lhes brindar vistos humanitários de um ano que lhes permitiram ficar e trabalhar no México, inclusive quando, para alguns, é somente tempo de espera para poder tentar entrar nos EUA.
Mais de dois mil buscaram consultar funcionários migratórios dos EUA para solicitar asilo, ainda que Trump tenha dificultado mais o processo, e os tempos de espera para uma entrevista agora são de mais de dois meses.
Não obstante, outros migrantes chegaram a uma conclusão diferente: sua melhor opção agora, creem eles, é tentar cruzar a fronteira de maneira ilegal. Alguns buscaram ingressar por rotas clandestinas, ao contratar coiotes que lhes mostram os pontos cegos ao longo da fronteira e que os guiam por eles, ainda que poucos tenham os recursos para pagar o serviço.
Parte da extensão do muro que divide o Tijuana, no México, de San Diego, nos EUA. Foto: Simone Dalmasso | Plaza Pública
Em noites recentes, outros migrantes das caravanas empreitaram viagens sem guias à porção mais ocidental da fronteira, onde a alta cerca fronteiriça de metal passa pelas colinas ensolaradas e em meio de comunidades residenciais no oeste de Tijuana para emergir na praia e submergir no Oceano Pacífico.
Alguns se lançaram nas águas frias e perigosas do oceano e tentaram nadar ao redor do muro dos EUA, somente para serem retirados pelas autoridades.
Essa parte da fronteira é uma das mais resguardadas e analisadas. No entanto, para alguns, isso é parte do cálculo: ao se impacientarem enquanto aguardam por suas consultas para solicitar asilo, têm a esperança de acelerar as coisas ao serem pegos e solicitar asilo no momento, uma provisão da lei a qual Trump está tentando colocar fim.
Estas são as pessoas bem informadas.
Outros migrantes não têm ideia do que estão fazendo. Estão à deriva em um mar de rumores e desinformação sobre as leis migratórias estadunidense e mexicana, assim como seus direitos e opções. Ao estarem próximos da fronteira, tudo o que podem ver é território estadunidense através dos buracos da cerca metálica e as oportunidades que parecem lhes prometer.
Assim que, em 1º de dezembro, pela manhã, os trinta migrantes escondidos sob os galhos da árvore olharam a fronteira e fizeram seus cálculos.
O grupo havia caminhado ou tomado táxis desde o inundado complexo desportivo e deixaram para trás a maioria das suas posses. Agora, os guardas fronteiriços dos Estados Unidos do outro lado da cerca estavam tão próximos dos migrantes que podiam escutar suas risadas.
“Parece um momento difícil chegar ao outro lado”, murmurou García.
Disse que havia tentado obter uma entrevista para solicitar asilo nos Estados Unidos, mas os policiais mexicanos lhes disseram que não poderia fazê-lo, o que lhe confundiu. Ficou com a crença de que Trump tinha posto fim ao sistema de asilo estadunidense.
Se ele e sua família conseguissem cruzar a cerca, disse, não tinha a intenção de se entregar. A deportação parecia uma certeza. “Os estadunidenses não são de fiar”, disse.
Em troca, a família estava pensando em correr. García havia guardado 2 litros de água em sua mochila, no caso de conseguirem avançar até San Diego, a uns 32 km.
De repente, outro homem que apenas havia se unido ao grupo parou, correu para o muro e começou a escalar. Um guarda fronteiriço estadunidense sentado em um veículo na parte alta da ladeira do outro lado gritou: “Desça!”.
Um migrante observa o deslocamento dos militares estadunidenses do outro lado do muro fronteiriço. Foto: Simone Dalmasso | Plaza Pública
Sem desanimar, o migrante se impulsionou por cima da barreira, caiu do outro lado e levantou os braços como um ato para se render, aparentemente com a intenção de buscar asilo. Foi rodeado de agentes da Patrulha Fronteiriça, subido em uma caminhoneta e levado.
Os outros migrantes observaram em silêncio, e finalmente decidiram cruzar nessa noite, e caminharam para a praia, foram iluminados pela cerca banhada pelos refletores.
Essa mesma noite, umas horas antes, dois jovens salvadorenhos haviam chegado para explorar essa mesma área da cerca fronteiriça.
“Meu destino é cruzar ao outro lado”, disse um dos homens, César Jovel, de 18 anos. “Estávamos sofrendo e agora só queremos cruzar”.
Jovel e seu amigo, Daniel Cruz, também de 18 anos, disseram que fugiram de El Salvador devido às ameaças das gangues.
Os homens decidiram que sua melhor opção era escavar.
Se localizaram em um ponto ao longo de uma área escura da fronteira e, usando suas mãos, escavaram uma vala pouco profunda por baixo da cerca. Jovel passou primeiro, apertando seu magro corpo por baixo da barreira e depois se agachando por trás da vegetação abundante. Cruz rapidamente o seguiu.
No entanto, um veículo da Patrulha Fronteiriça apareceu repentinamente. Um agente gritou e ambos pularam do buraco e se deslizaram de volta para o México.
Desalentados, começaram a caminhar os 8 km de volta ao refúgio para migrantes. Usaram as luzes de seus celulares para iluminar os canos de água. Escutaram rumores de túneis e pontos de travessia secretos.
Cruz disse que estava analisando várias opções para a parte seguinte da sua viagem.
Um familiar prometeu-lhe contratar um coiote para que cruzasse, porém esse trato se perdeu. Um visto humanitário no México é sua opção de respaldo se não puder ingressar nos EUA.
Apesar da sua fracassada primeira tentativa para cruzar ilegalmente, os dois amigos não desalentaram.
“Vou dar um jeito de cruzar”, prometeu Jovel. “Cheguei aqui com um sonho”.